Page 17 - Revista da Armada
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Goa - Rua Direita do Mercado.
Itinerário, Viagem ou Navegação – Jan Huygen Van Linschoten.
finidas: abrigo para a armada, protecção de conquistar a Índia. É para controlar a vias de turca”. Mas quem assim pensava – e muita
uma fortaleza e montagem de uma ribeira de navegação e comércio do Índico, implicando dessa gente tinha influência junto do rei, fosse
construção naval (nesta primeira fase, apenas a montagem de bases nos locais certos, como pelo poder financeiro, fosse por outras razões
com condições mínimas). Quando se retirou era sabido desde os tempos mais remotos da de natureza política – opunha-se a todas as ini-
deAngediva,naturalmentequeumacondicio- antiguidade. E quem se opunha a esta ideia, ciativascomoadeGoa,considerando-ascomo
nante da estratégia do Índico ficou suspensa, não contrapunha que para lá se mandassem despesasinúteis.Nuncaimaginouqueerapre-
aguardando forma de ser colmatada de uma mais navios, defendendo tão-somente que ciso construir navios na Índia e nunca pensou
outraformaqualquer.Masnãorestamdúvidas o empenhamento português não devia ir em dominar o Índico, como queria D. Manuel.
que a existência de uma base mais próxima do além do envio das armadas a Cochim, ou a PorqueparadominaroÍndicoeraprecisotudo
norte e, sobretudo, mais a barlavento do que outro qualquer local onde houvesse pimen- aquilo que foi sendo feito por D. Francisco
Cochim, era uma coisa fundamental, como ta, para a comprar a um preço favorável e de Almeida, por Albuquerque, por Vasco da
se provou quando os turcos avançaram para trazê-la para Lisboa pela rota do Cabo. O Gama e por muitos outros, que conduziram a
o Índico, conseguindo estabelecer-se em Diu partido dos comerciantes, que acabou por política régia com a componente militar pre-
e atacar D. Lourenço de Almeida em Chaul. influenciar D. Manuel, queria mais lucro e cisa e concreta de domínio do mar.
Podemos não o perceber hoje – desaparecidas menos despesa. Nada mais. Não lhe interessa- Indiferente, contudo, a esta disputa e à ma-
que foram as condicionantes da navegação va o negócio dos cavalos, nem o problema do nutenção da actividade comercial em Cochim,
quinhentista – mas eram muita claras para acesso ao arroz que alimentava a maior parte Goa crescia enquanto cidade e ganhava a di-
quem lá navegou naque- mensão de uma metrópole
le tempo. Quando, alguns onde não estava o governo.
anos mais tarde, Lopo de Só teve um verdadeiro pro-
Sousa Coutinho dizia que tagonismo de capital quan-
Diu estava a barlavento do ocorreu a querela de su-
de toda a Índia e dali se cessão que opôs Lopo Vaz
podia controlar Cambaia de Sampaio e Pêro de Mas-
e o Malabar, expressava carenhas, em 1526. Sam-
o mesmo sentimento que paio fez da cidade a sede do
D. Manuel e o seu conselho seu partido, onde reuniu os
tiveram, quando pensaram fiéis partidários e a sua for-
numa base em Angediva, ça, até à chegada de Nuno
e que Albuquerque senti- da Cunha, que teve lugar
ra quando insistiu na con- em 1529. O novo governa-
quista de Goa. Não é uma dor, depois de ter enviado
ideia geométrica de ficar a Medalha do V Centenário da Conquista de Goa – CMG Valente Zambujo Sampaio para o reino, foi
meio caminho entre o norte e o sul, é o objec- da Índia. Por isso não compreendia as alianças direito a Cochim e ali permaneceu durante
tivo concreto de ocupar uma posição que tem com o Vijayanagar, as relações com Timoja, ou o primeiro ano de governo, onde tratou dos
vantagem táctica para actuar com os navios. E quaisquer outros compromissos diplomáticos problemas daArmada, e de todas as questões
nada disto tem a ver com ideias de conquista que fossem além dos produtores de pimenta. normais que diziam respeito à administração
territorial ou de invasão com o sentido de criar Mesmo a procura do Preste João, e as tentati- civil e militar do Estado da Índia. Mas em 1530
“senhorios” que fossem além das capacidades vas para estabelecer relação directa com o rei decidiu retirar-se para Goa com os mais direc-
deumportoquedesseapoioautónomoauma cristão da Abissínia, foram frouxas, e nada tos colaboradores. Foi esta mudança que deci-
esquadra, capaz de sair para o Mar Vermelho, condicentes com as declarações de intenções diu, definitivamente, a mudança da capital do
para Cambaia ou para o sul. Uma base que, da documentação oficial. Estado Português da Índia para a cidade con-
naquelas circunstâncias, tinha a mais-valia de Toda a gente entendia – isso sim – o que quistada por Albuquerque, cumprindo afinal
poder ser a porta de entrada para uma merca- podia significar a ameaça dos turcos, e é inte- os pressupostos da conquista em 1510.
doria estratégica, como eram os cavalos. ressante observar que uma boa parte das ex-
Albuquerque reclama gente (homens e pedições ao Mar Vermelho foram feitas sob o
armas para fazer a guerra), mas não é para espectro “de que se preparava uma armada
J. Semedo de Matos
CFR FZ
Revista da aRmada • JULHo 2010 17