Page 16 - Revista da Armada
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em Dezembro ou Janeiro. O clima estava cria- GrandeCapitãoficouparaaHistóriacomooho- princípio da presença portuguesa na Índia, en-
do, mas havia questões difíceis de ultrapassar. mem que conquistou Goa, Malaca e Ormuz, tre os que eram contra Albuquerque e os que
Diogo Mendes de Vasconcelos já tinha perdi- exemplo de carácter e valentia que terminou a defendiam a política de Albuquerque, tem
do a monção para ir a Malaca e tinha de espe- sua vida “mal com os homens por amor de el- sido particularmente maltratada por alguns
rar pelo ano seguinte, mas os navios do reino Rei e mal com el-Rei por amor dos homens”. estudiosos, que nunca procuraram entender
não estavam pelos ajustes para se envol-
ver no que achavam ser uma aventura. a dinâmica do poder naval no tempo
A17 de Outubro o governador escreveu dos navios à vela, num espaço condi-
uma carta ao rei, explicando-lhe que “as cionado pelo regime de monções, onde
coisas de Goa são tão grandes, que tocam os caminhos do mar não eram tão largos
tanto à segurança da Índia e a tudo o que como se pode supor. E a forma mais fá-
nos cumpre e desejais”. E seguem-se as cil que encontraram para enquadrar este
vantagens que se podem tirar de uma período – atendendo às documentadas
ribeira em condições, da presença de sa- pressões que se faziam sentir em Lisboa,
litre para a pólvora, de madeira e ferro, para um menor empenhamento militar –
de artesãos que ali vivem e que serão fa- foi a partir dos problemas ocorridos entre
voráveis aos portugueses, não deixando D. Francisco deAlmeida eAlbuquerque,
de acrescentar que todas essas vantagens no final de 1508 e princípios de 1509, co-
se virarão contra “nós” se ali entrarem os locando os dois governantes em dois pó-
rumes. Fala do domínio mais fácil sobre los políticos opostos, a que foram dados
o Decão e das muitas outras vantagens dois rótulos particularmente redutores:
que justificarão a despesa que tiver em Almeida era a favor das armadas e Albu-
guarnecê-la e defendê-la, desde que dali querque das fortalezas e dos territórios
expulse todos os mouros. Diz-lhe ain- conquistados, resumindo a isto os prós-
da que irá a Cambaia numa missão di- e-contras da primeira metade do século
plomática de amizade em que resgata- XVI, na Índia. É uma posição absurda
rá alguns portugueses cativos, mas que que peca pela não observação da especi-
de regresso se encontrará com as naus ficidade do domínio do mar, reduzindo
do reino, em Angediva, para que juntos todas as manobras a exercícios de geo-
marchem sobre Goa. metria num espaço líquido sem monta-
O Hidalcão estava prevenido, mas a nhas, sem desfiladeiros, sem pontes, sem
força que o governador reuniu era bas- rios para atravessar, aparentemente pas-
tante forte, para além dos portugueses, sível de ser tratado, enquanto campo de
conseguiu o apoio de Timoja com ses- Goa - Igreja do Bom Jesus. batalha, como um imenso espaço aberto
onde se circula por onde se quer.
senta fustas e o auxílio do Rajá de Onor com Era uma espécie de maldição de quem gover- A análise comum que coloca as coisas nos
uns milhares de combatentes. O ataque foi nava a Índia, e que tinha uma explicação ób- termos que acabo de dizer tem de ser repen-
lançado de várias frentes, onde os portugue- via na dificuldade régia de exercer um poder à sada e reformulada, tendo em conta um con-
ses ocuparam a parte do rio Mandovi, desem- distância, com grande dificuldade em manter junto de valores políticos da época e, sobretu-
barcando em três locais distintos. Em cerca de a lucidez contra todas as intrigas e maledicên- do, as condicionantes dos combates navais e
quatro horas o combate esta-
va resolvido a favor dos por- das dificuldades próprias da
tugueses mas, desta vez, não condução dos navios à vela,
haveria contemplações com que não circulam por onde
os vencidos, a quem não seria querem mas por onde o ven-
poupada a vida em nenhuma to lhes permite. E a primeira
circunstância. Foram quatro questão que é preciso atender é
dias de terror com uma cidade a de que no século XVI, no rei-
em chamas e gente passada a nado de D. Manuel ou nos se-
fio de espada. Apenas foram guintes, não há governadores a
poupados os camponeses hin- definir políticas de futuro para
dus e os brâmanes, como ele nenhum espaço sobre o qual o
próprio descreve ao rei, numa rei queira exercer a sua sobera-
outra carta escrita em Dezem- nia. Quem determina políticas
bro de 1510, poucos dias antes tão estruturantes como o cons-
do regresso daArmada que vi- truir ou não construir fortale-
nha para Lisboa. zas, aumentar ou não aumentar
as armadas, conquistar ou não
o Futuro de Goa conquistar terras, é D. Manuel
e não Afonso de Albuquerque
Acontestação de alguns por- o D. Francisco de Almeida. E
tugueses da Índia contra a to- para o perceber basta ler – com
mada em Goa, não terminou atenção – o regimento de 1505
no dia de S.ta Catarina, nem ar- Goa - Pondá - Templo de Queulá. e a correspondência que se lhe
seguiu. É verdade que o rei não
refeceucomoquefoiaprimeiragrandevitória cias. Tanto mais que os caluniadores sabiam determinou a conquista de Goa, mas determi-
de Albuquerque na Índia. Há um debate que bem como tocar o coração do rei, insinuando nou a montagem de uma base em Angediva,
se prolonga e reflecte, de certo modo, duas po- o proveito pessoal das medidas tomadas e os que teve de ser abandonada e destruída pas-
sições diferentes sobre a presença no Oriente, “consequentes” prejuízos da coroa e dos inte- sada a primeira monção, por não ter condições
com variantes de melhor ou pior compreen- resses régios. mínimas de protecção e sobrevivência para um
são do governo deAfonso deAlbuquerque. O Mas esta dicotomia, que se tornou clara no conjunto de coisas essenciais que estavam de-
16 JULHo 2010 • Revista da aRmada