Page 14 - Revista da Armada
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do Malabar não controlados pelos portugue- de combate, compravam-nos em abundân- centemente e o seu sucessor estava em grande
ses. E, como veremos a seu tempo, a ideia de cia, e Goa tinha a possibilidade de os canali- empenhamento militar para apaziguar alguns
Albuquerque é a mesma de D. Manuel, acres- zar para norte, para o Bijapur e para qualquer súbditos revoltosos. Provavelmente o Capitão
centada com um conjunto de vantagens que dos outros sultanatos, bem como para o sul, já sabia da situação de Goa há algum tempo,
não estavam claras em 1505, mas que eram para o Vijayanagar, porque a cordilheira tinha sendo de crer que tenha sido influenciado por
óbvias em 1510 e que foram potencializadas passagem para ambos os lados. Portanto, se um corsário hindu de nome Timoja. Tratava-se
ou acrescentadas posteriormente. o comércio de cavalos não passou desperce- de um homem do mar não muçulmano que
bido a Albuquerque, que o observou a partir se dedicava ao corso na região de Angediva e
a cidade entre o decão de Ormuz, absurdo seria que não fizesse che- Goa, atacando, sobretudo, os comerciantes is-
e o VijayanaGar
lâmicos que se dirigiam aque-Foto CALM Leiria Pinto
Mas regressemos um pouco le porto, com carregamentos
atrás, para perceber o contexto de cavalos. A sua acção tinha
político em que se proporciona a anuência, senão mesmo o
a ocupação de Goa, levada a apoio directo, do Vijayanagar,
cabo em duas jornadas distin- na medida em que prejudica-
tas, uma realizada de forma va o seu rival do norte, e a pre-
relativamente fácil, em Março sença portuguesa no contexto
de 1510, e outra mais violenta e do Malabar mereceu logo a sua
definitiva, concretizada no dia simpatia, procurando a amiza-
25 de Novembro do mesmo de de Vasco da Gama, quando
ano, dia em que se comemora este foi fundear perto de An-
a festa de Santa Catarina, que gediva, depois de ter saído de
ficou sendo a padroeira da ci- Calecut. O Almirante recusou
dade. O núcleo central da cida- qualquer aliança mas, no tem-
de fica na ilha de Tissuari (Ilha po de D. Francisco de Almei-
de Goa) dominando um exten- da ela concretizou-se com um
sa região lagunar, com a cordi- acordo secreto que rendia ao
lheira dos Gates a leste, para lá Goa - Arco dos Vice-Reis. governo da Índia cerca de 1000
pardaus por ano, em troca da
da qual, e no sentido do norte, fica o planalto gar essa informação a Lisboa, como chegaram protecção ou da licença portuguesa de livre
do Decão. Até à segunda metade do século muitas outras. circulação. Para além disso, a teia de espiões
XV a região esteve sob o domínio do Império que tinha em toda Índia eram uma fonte su-
deVijayanagar,masfoitomadapelosultanato primeira entrada em Goa plementar de informações para os portugue-
ses: foi graças a ele que se soube da esquadra
de Bijapur, na altura em que subia ao poder do rumes em Diu, em 1508, e foi também ele
a dinastia Adil Shâh, cujo primeiro soberano As crónicas oficiais dão-nos conta que, no que negociou a passividade de Malik Ayas
ainda chegou aos tempos de Albuquerque, início do ano de 1510, o governador prepara- (governador de Diu) para atacar os turcos em
ficando conhecido dos portugueses como o va uma Armada para ir ao Golfo Pérsico zar- 1509. Digamos pois que era um personagem
Sabaio. As duas barras que circundam a ilha pando de Cochim em direcção ao norte. Pas- bem colocado nos meandros da guerra maríti-
permitiam a entrada a navios de porte razoá- sou por Cananor sem ir a terra e, ao largo do ma, que tirava grandes vantagens da amizade
vel, e o porto era abrigado dos temporais da Monte de Eli, reuniu os capitães em conselho portuguesa e que sabia pagar esses favores da
monção de sudoeste, como, de resto, já aconte- para lhes colocar duas alternativas à expedi- melhor forma. Parece-me lógico e pro-
cia com o de Cochim, onde fora construí- vável que em 1510 Albuquerque tivesse
da a primeira fortaleza nacional. ouvido os seus argumentos para atacar
Sabe-se que em 1509, quando o Ma- Goa, tanto mais que era um homem bem
rechal Coutinho esteve na Índia, tinha informado sobre o contexto local e sobre
instruções de D. Manuel para recolher o papel que a cidade podia desempenhar,
informações ou sondar a entrada do se passasse para as mãos dos portugue-
porto e averiguar da capacidade de ali ses. Aliás, se Timoja argumentou com o
entrarem navios de grande porte, le- negócio dos cavalos, foi ao encontro de
vando a supor de outras intenções da outras informações que o governador
coroa quanto ao local. Mas a abundante também tinha, depois da sua estadia em
correspondência que foi trocada entre o Ormuz. Tudo se conjugava, portanto: Ti-
rei e D. Francisco de Almeida ou Afon- moja e Albuquerque sabiam como fun-
so deAlbuquerque, não nos dá mais ne- cionava o comércio desses animais, sa-
nhuma pista sobre o assunto. Não custa biam que Goa era importante e sabiam
a crer, contudo, que alguma comunica- que era aquela a altura para o ataque,
ção tivesse havido, tendo em conta que porque a fraqueza do poder local o favo-
Goa era a principal porta de entrada na recia.Aaliança parece-me óbvia, mesmo
Índia dos cavalos importados daArábia que permanecesse rodeada das descon-
e da Pérsia, em grande parte pela via de fianças e cuidados que uma figura deste
Ormuz, ondeAlbuquerque estivera nos tipo sempre inspiraria.
anos anteriores. A percepção da impor- Uma empresa para tomar Goa, contu-
tância desse comércio estratégico certa- Goa - Sé Patriarcal. do, tinha uma característica diferente de todas
as que, até aí, tinham sido levadas a cabo pelos
mente não escapou ao Grande Capitão, tanto ção prevista: uma era ir ao Mar Vermelho e portugueses no Oriente: implicava a ocupação
mais que os cavalos eram necessários para a tentar alcançar Suez, onde os turcos procu- de um território que ficaria sob administração
guerra e era difícil a sua procriação nas con- ravam renovar a armada que fora destruída nacional, mobilizando vários meios próprios
dições climatéricas da Índia. Os reinos conti- em Diu, no ano anterior; e outra era a de que para o conseguir manter. E o espectro de um
nentais que se digladiavam em campos de ba- se dirigissem a Goa, que seria fácil de tomar,
talha tradicionais, usando elefantes e cavalos porqueosoberanodoBijapurtinhafalecidore-
14 JULHo 2010 • Revista da aRmada