Page 19 - Revista da Armada
P. 19
vais. Um novo impulso fora, entretanto, dado trutor Naval), Tancredo de Morais (Admi- ele assiste-se a um novo e notável aumento da
em 1902, com a criação da Liga Naval Portu- nistração Naval) e António dos Santos Júnior produção escrita da oficialidade marinheira.
guesa (por iniciativa do Clube Militar Naval), (Administração Naval). Na segunda metade
a qual tinha por principal objectivo promover daquele século começam também a brilhar al- Nos Dias de Hoje
o desenvolvimento da Marinha nacional nas guns Médicos Navais, como é o caso de José de
suas diversas vertentes: de guerra, de pesca, Vasconcelos e Meneses. Naturalmente, alguns Nos finais do Século XX, a História Maríti-
mercante e de recreio. Além de promover pa- destes oficiais abordaram a História do ponto ma começa a ganhar maior espaço fora da Ma-
lestras, debates e conferências, a Liga publica- de vista específico da sua formação profissio- rinha, sobretudo após a criação, pela Faculdade
va, ainda, um boletim oficial, o Boletim Maríti- nal, sendo Estanislau de Barros, com os seus de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL),
mo, em que os sócios, muitos deles oficiais de trabalhos sobre Construção Naval o exemplo do Mestrado em História dos Descobrimentos
Marinha expunham as suas teorias e os seus mais flagrante. Santos Júnior e Vasconcelos e e da Expansão. No entanto, e não obstante as
pontos de vista. Menezes abordaram a história das respectivas críticas de alguns académicos, que lhes apon-
Nasdécadasde30e40doSéculoXXomote classes,masapresentamumrepertóriodeestu- tam a falta de formação de base em História e a
é dado pelas comemorações do Duplo Cente- dos mais alargado. falta de disponibilidade para se dedicarem to-
nário (Fundação e Restauração). talmente à investigação, é inegável o papel pio-
Embora o Estado Novo imprima
um tom propagandístico a estas ce- neiro desempenhado pelos oficiais
lebrações, é inegável o valor cientí- de Marinha no desenvolvimento da
fico dos estudos desenvolvidos por História Marítima em Portugal. Pro-
homens da craveira de Fontoura da fundos conhecedores da realidade
Costa, Quirino da Fonseca ou Gago dos navios e do ambiente marítimo
Coutinho na área da Náutica dos – qualidade que falta a muitos dos
Descobrimentos. seus detractores – e, por norma, bas-
Abra-se aqui um pequeno parên- tante familiarizados com o impacte
tesis para explicar que temos estado do Mar nas populações costeiras e
a falar, essencialmente, em oficiais nas economias dos estados ribei-
da classe de Marinha. Claro que es- rinhos, constituem um ilustrativo
tes, à partida, já levavam uma con- exemplo da interdisciplinaridade
siderável vantagem pelo facto de a Marques Esparteiro Sarmento Rodrigues hoje considerada indispensável ao
maior parte das outras classes técni- (1898-1976) (1899-1979) estudo da História. Estas competên-
cias, aliadas a uma cada vez maior
cas terem surgido bastante mais tar- procura de habilitações académicas,
de, nomeadamente a de Engenhei- foi, aliás, recentemente reconhecida
ros Maquinistas Navais, em 1868, e a pelo mundo universitário, quando,
de Administração Naval, em 1887 (o em 2007, a FLUL estabeleceu com
mesmo já não sucedia, porém, com a Escola Naval uma parceria para
os Médicos e com os Engenheiros o estabelecimento do Mestrado em
Construtores Navais, que tinham os História Marítima.
respectivos quadros estabelecidos
desde a segunda metade do Século O início do Século XXI encontra
XVIII). Além disso, enquanto as ou- na Marinha de Guerra quase duas
tras classes se debruçam sobre áreas dezenas de autores activos, vários
técnicas muito específicas, a classe dos quais detentores de licenciatu-
de Marinha tem uma formação mais ras e pós-graduações universitárias
abrangente, com uma visão mais Vasconcelos e Menezes Teixeira da Mota na área da História. E, com a de-
ampla da vivência naval. E, mais (1916-1994) (1920-1982) mocratização do acesso aos cursos
superiores, até já fora da categoria
importante de tudo, a sua formação de base A década de 1960 traz as Comemorações de Oficial se começam a aventurar alguns en-
é a mais completa do ponto de vista náutico, Henriquinas, as quais iniciam um período cele- tusiastas. É provável que a História Marítima
passando pela Marinharia, Navegação e brativodosquinhentosanosdosDescobrimen- continue, durante muitos e bons anos, a usu-
Oceanografia, sem esquecer o Armamento e tos. Neste período do Pós-Guerra sobressaem fruir do valioso contributo dos “historiadores
a Táctica, áreas essenciais para a compreensão grandes vultos como Marques Esparteiro, Sar- marinheiros”.
da História Naval. Não é, assim, de estranhar mentoRodriguesouTeixeiradaMota,osquais
que os oficiais de Marinha constituam 82% dos estão ligados à fundação, em 1969, do Grupo Jorge Moreira Silva
“historiadores marinheiros”. No entanto, a pri- de Estudos de História Marítima, que estará na
meira metade do Século XX vê surgir algumas origem da Academia de Marinha, nove mais CTEN
boas contribuições de oficiais de outras classes, tarde. Neste grupo, onde pela primeira vez em
como Estanislau de Barros (Engenheiro Cons- Portugal a História Marítima é tratada como Nota
um todo (na boa tradição da escola O presente artigo nasceu da colaboração do autor com
dos Annales, iniciada 30 anos antes), a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa no
os oficiais de Marinha partilham, já, projecto “Dicionário on-line de História Marítima”,
o palco com reputados historiadores sob a coordenação do Prof. Francisco Contente Do-
civis, como Virgínia Rau, Luís de Al- mingues, que pode ser consultado em http://www.fl.ul.
buquerque e Armando Cortesão. pt/DHM/. Embora as estatísticas apresentadas incluam
Em 1986 inicia-se um novo ciclo “marinheiros historiadores” ainda activos, optámos por
de comemorações dos Descobrimen- mencionar especificamente apenas nomes de autores/
tos, que se prolongará até 2002. Com académicos já falecidos.
Evolução do número de autores activos (por década) 1-Vamos estabelecer aqui a distinção entre “História
entre os oficiais de Marinha. Naval”, que se ocupa exclusivamente da parte dos
navios e das navegações, e “História Marítima”, que
aborda o Mar numa perspectiva mais alargada (náu-
tica, militar, industrial, económica, sociológica, etc.).
19REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2011