Page 21 - Revista da Armada
P. 21
A VIAGEM DE CIRCUM-NAVEGAÇÃO
DO CURSO D. LOURENÇO DE ALMEIDA
Conferência realizada na Academia de Marinha em 14 de Dezembro de 2010
por ocasião da evocação das Comemorações Henriquinas
Aquele ano de 1960 tinha Lisboa NRP "Afonso de Albuquerque" Não vou relatar mais por-
começado normalmen- 18 de Março de 1960 menores do que se passou neste
te. Os cadetes do Curso Ponta Delgada período, mas em 18 de Março,
D. Lourenço de Almeida prepa- Baldeação com o navio fundeado frente ao
ravam-se para concluir o 3º se- Terreiro do Paço, embarcaram o
mestre do seu curso, o que deveria Ministro da Marinha, Almirante
acontecer até ao fim de Fevereiro. Quintanilha Mendonça Dias, o
Todos nós sabíamos que no pro- Comandante da Escola Naval,
grama de ensino da Escola Naval, Almirante Sarmento Rodrigues, e
o 4º semestre correspondia a uma muitos oficiais para se despedirem
viagem de instrução. No entanto, da guarnição e dos 48 cadetes do
apesar de nos aproximarmos rapi- LA, acompanhados do CTEN Eu-
damente de Março, confesso que génio Gameiro e dos Tenentes Oli-
não notei que houvesse grande veira Lemos e António Jonet, que
dramatismo com o caso, correndo constituíam a equipa de instrução.
às vezes notícias desencontradas a que se não Das palavras do Ministro retivemos o
dava grande importância. objectivo da viagem – Divulgação da figu-
ra do Infante D. Henrique e dos Descobri-
Até que numa tarde, quase no fim de mentos Portugueses, aproveitando para
Fevereiro, encontrando-nos a jogar futebol praticar o treino de mar e o conhecimento
no campo da Base Naval, vejo descer a cor- da vida de bordo e contactar terras longín-
rer pela rampa do topo sul o meu primo, quas, civilizações diferentes e outros povos
1TEN Martins Salvador, nosso professor e levar um abraço fraternal a todos os por-
na Escola Naval, gritando “Luís, Luís-vocês tugueses e seus descendentes que por todo
vão dar a volta ao Mundo!” Não sei nesta o lado nos iriam procurar.
altura descrever exactamente o que aconte- E assim nos fizemos ao mar tendo como
ceu, mas o treino terminou imediatamente, primeiro porto Ponta Delgada, na Ilha de
e entre um misto de espanto, admiração e S. Miguel, numa estadia curta, onde visitá-
uma certa incredibilidade corremos para a mos os pontos mais importantes da ilha e
Escola para tentar confirmar a notícia. Era onde nos foi oferecido um almoço oficial
verdade, e uma onda de grande alegria no Hotel das Furnas.
perpassou por todos nós, excepto para A partir daí atravessámos o Atlântico, a
aqueles cadetes que ainda não tinham aca- caminho das Caraíbas, e nestes percursos
bado os exames e que se agarraram aos li- maiores foi-se procedendo ao conheci-
vros desesperadamente. mento do navio e acompanhando a vida
de bordo, como adjuntos dos elementos
Efectivamente, aproveitando as Co- da guarnição nos diversos postos. Esta
memorações do V Centenário da Morte viagem constituía, por assim dizer, a pri-
do Infante D. Henrique que ocorriam meira grande experiência de mar do nos-
em 1960, era proporcionado aos cadetes so curso. Alojados em espaço apertado, 24
do curso D. Lourenço de Almeida uma cadetes ocupavam a câmara dos Guarda-
viagem de circum-navegação. -Marinhas, 12 em beliches e os outros 12 a
riscar, os restantes 24 estavam instalados
As três semanas que faltavam para a em ½ coberta em situação semelhante, 12
largada foram consumidas na preparação em beliche e os restantes a riscar.
da viagem, nomeadamente na aquisição/ Para além dos quartos que fazíamos,
execução de mais duas fardas brancas. tínhamos aulas de instrução, educação
física e participávamos na baldeação ao
O aviso de 1ª classe “Afonso de Albu- navio.
querque”, a terminar fabricos no Arsenal O primeiro porto estrangeiro que vi-
do Alfeite, para seguir para uma longa co- sitámos foi S. Juan de Porto Rico. Burgo
missão de serviço na Índia, foi o navio de- antigo em que se destacava a fortaleza
signado para efectuar a 1ª parte da viagem de S. Felipe. Um contraste enorme com a
e também nele a vida não foi fácil: terminar zona dos hotéis de grande luxo, onde os
as provas finais, embarcar uma guarnição americanos passavam férias e que eu tive
praticamente nova para uma comissão oportunidade de visitar.
superior a 24 meses e abastecer o navio de
todo o material necessário, não esquecen-
do as cartas de navegação, que neste caso
eram bastantes...
21REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2011