Page 25 - Revista da Armada
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No trajecto, passámos em Chaul,             Arco dos Vice-Reis                 Velha Goa   – Portugal, Albuquerque e fazendo um
local onde em 1508 morreu em comba-                                NRP "Bartolomeu Dias"      gesto da mão sobre o pescoço, como uma
te com os mamelucos, D. Lourenço de            Enseada de Sagres                              espada, desatou a correr, não parando
Almeida, o patrono do nosso curso. Na          19 Julho de 1960                         Aden  mais ... Estávamos em 1960, 450 anos de-
ocasião, o cadete chefe do curso, leu um       Sagres                  Pirâmides de Gizeh     pois do grande Governador da Índia ter
texto evocativo do acontecimento, que         BNL                                             andado por ali!...
marcou a nossa homenagem ao insigne
filho de D. Francisco de Almeida, que                                                            Depois, bom depois, foi navegar no
exercia o lugar de capitão-mor-do-mar.                                                        Mar Vermelho a caminho de Suez à en-
                                                                                              trada do Canal e percorrer as suas oitenta
   O Índico, naquelas bandas, não esta-                                                       milhas para atingirmos Port Said. Aqui
va bom e assim passámos por Damão e                                                           já não vimos a estátua do seu construtor,
fundeámos durante 24 horas frente a Diu,                                                      Ferdinand de Lesseps, pois esta tinha sido
sem hipótese de desembarcar. As auto-                                                         destruída e lançada para o fundo do mar
ridades de Diu, numa atitude simpática                                                        em Dezembro de 1956.
iluminaram as vetustas muralhas duran-
te a noite, o que fez levar o nosso pensa-                                                       Alguns cadetes foram em excursão ao
mento para D. João de Castro e para to-                                                       Cairo, que incluiu uma passagem pelo
dos os heróis que ali defenderam o nome                                                       Museu, uma ida a um grande Bazar no
de Portugal.                                                                                  meio de ruelas estreitas e mal cheirosas e a
                                                                                              deslocação às Pirâmides de Gizeh.
   Com forte calema, devido à Monção,
cruzámos o Índico até Aden, melhorando                                                           A entrada no Mediterrâneo trouxe-nos
o mar só na proximidade deste porto.                                                          à mente a ideia de que Portugal era já ali.
                                                                                              O Mar calmo deu para reflectir sobre toda
   Naquele tempo, Aden era um protec-                                                         a viagem e a imensidade das coisas que vi-
torado inglês. Atracámos na Base inglesa.                                                     mos, as dificuldades ultrapassadas, a con-
A cidade não era muito grande, com ca-                                                        firmação de situações que tínhamos ou-
sas tipicamente árabes.                                                                       vido falar mas que depois de observadas
                                                                                              tinham outro peso e acima de tudo, sentir
   No “briefing” que os oficiais ingleses                                                     como os portugueses estão espalhados por
nos fizeram à chegada, afirmaram que a                                                        todo o mundo e dos testemunhos que os
situação era perigosa e só se responsabili-                                                   nossos antepassados deixaram, perpe-
zavam pelo que acontecia dentro da Base.                                                      tuando o nome de Portugal para sempre.
Aconselharam que, se quiséssemos sair
para o exterior, devíamos fazê-lo em gru-                                                        Na nossa frente tínhamos agora a ilha
pos de 4 e de táxi. Por todo o lado havia                                                     de Malta. Fundeámos em La Valleta, jun-
cartazes com o retrato de Nasser e propa-                                                     to à fortaleza de Sto Angelo, que visitámos,
ganda da coca-cola.                                                                           assim como os Palácios dos Grão-Mestres
                                                                                              da Ordem de Malta. Até deu para ver uma
   Para andar de camelo e fazer compras                                                       ópera numa esplanada ao ar livre.
era preciso ir às montanhas que ficavam
por trás da cidade. Escusado será dizer                                                          Chegámos a Sagres a 19 de Julho, 120
que foi aí que fomos. Depois da fotografia                                                    dias depois de termos largado de Lisboa,
oficial de camelo, a maior parte dos cade-                                                    tendo percorrido 25.000 milhas.
tes foi até àquelas “cantinas” no intuito de
adquirir alguns “souvenirs” com o pou-                                                           A alegria do regresso, o encontro com
co dinheiro que ainda restava. Julgo que                                                      os cadetes dos outros cursos da Escola
foi aí que comprámos um transistor para                                                       Naval e a participação nas cerimónias de
oferecer ao João Rocha, o nosso treinador                                                     homenagem ao Infante D. Henrique, pre-
de remo na Escola Naval.                                                                      sididas pelo Ministro da Marinha com a
                                                                                              presença do Comandante e Professores da
   Eu, como não queria comprar nada                                                           Escola Naval e ainda a entrega a cada ca-
e já tinha tirado a foto no camelo, fiquei                                                    dete de um exemplar dos Lusíadas, numa
cá fora. Aconteceu então um caso que                                                          edição muito cuidada da Marinha, ficarão
vou contar. Aproximou-se de mim um                                                            para sempre na nossa memória.
beduíno, rapaz de vinte e tal anos, de pé
descalço, falando uma língua mesclada,                                                           Cinquenta anos passados, pode afir-
de que se entendia alguma coisa e come-                                                       mar-se que a Volta ao Mundo constituiu,
çou por avançar com palavras tentando                                                         para os cadetes do Curso D. Lourenço
identificar a minha nacionalidade e en-                                                       de Almeida, uma enorme referência e o
tão ia dizendo Marrocos, Itália, Grécia,                                                      elemento aglutinador da união que tem
Turquia, etc, etc, ao que eu ia dizendo                                                       caracterizado o nosso curso, sintetizado
não com a cabeça. Mas atendendo ao avi-                                                       na fotografia do Aviso “Afonso de Albu-
so dos ingleses, achei por bem avançar                                                        querque” à entrada de San Diego com as
com a minha nacionalidade, antes que a                                                        assinaturas dos 48 cadetes do LA.
conversa tomasse outro caminho e disse
Portugal. Nesta altura o rapaz abriu mui-                                                            LUÍS ROQUE MARTINS
to os olhos e repetiu Portugal e depois                                                                                  CALM EMQ

                                                                                              25REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2011
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