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A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (18)

                                    A cidade do Rio de Janeiro
Na Marinha de D. João III (24) falou-se
            da retomada da baía de Guanabara    No final do ano de 1559, chegou uma Armada     organização francesa e fosse espalhando a sua
            ou do Rio de Janeiro, por parte de  comandada por Bartolomeu de Vasconcelos,       influência nas comunidades índias. Mas para
                                                de forma que, em Janeiro do ano seguinte par-  isso era indispensável a intervenção da coroa
                                                                                               que, no final desse ano conseguiu enviar uma
Mem de Sá, no ano de 1561. E estamos recor- tiu para o sul e deu ordens para concentrar as     outraarmada,sob ocomandodeEstáciodeSá
                                                                                               (sobrinho do governador), com o objectivo de
dados que os franceses tinham ocupado uma forças disponíveis em Guanabara.                     colonizar o local onde ainda estavam vários
                                                                                               grupos de franceses. Os navios concentraram-
das ilhas da Baía e, numa aliança com os ín-    Villegagnon tinha vindo à Europa e a co-
                                                                                                                -se na Baía de Todos os San-
dios locais, ali se estabeleceram com um pro- lónia tinha problemas graves de governo que                       tos e, mais uma vez, partiram
                                                                                                                para o sul, procurando levar
jecto político a que chamaram de França An- dificultavam um comando organizado e faci-                          a cabo nova acção concertada
                                                                                                                que não permitisse qualquer
tárctida, cujos objectivos sociais                                                                              resistência. De facto, em finais
                                                                                                                de Fevereiro foi possível en-
– para além da colonização                                                                                      trar na baía, onde, logo após
                                                                                                                o desembarque começaram
de um território que se adivi-                                                                                  os trabalhos para construir a
                                                                                                                pequena cidade que receberia
nhava promissor – tinham um                                                                                     o nome de S. Sebastião (do Rio
                                                                                                                de Janeiro), em homenagem
fundo religioso e moral utópi-                                                                                  ao santo protector do jovem
                                                                                                                monarca português.
co calvinista, como referi na al-
                                                                                                                    Estácio de Sá esteve à fren-
tura. À frente da expedição es-                                                                                 te daquela pequena colónia
                                                                                                                durante quase dois anos e con-
tava o vice-almirante Nicolas                                                                                   seguiu repelir vários ataques
                                                                                                                vindos de terra, levados a cabo
de Villegagnon, que construiu                                                                  pelos tamoios e por alguns naturais franceses
                                                                                               que por ali se mantinham. Bem provido de
um forte na ilha onde hoje está                                                                artilharia e meios navais, manteve afastados
                                                                                               os navios que de França ali se deslocavam, na
instalada a Escola Naval brasi-                                                                esperança de surpreenderem a colónia, ou de
                                                                                               obterem algum comércio com os índios, mas
leira, e ali se alojou com cerca                                                               a situação não era segura. Com o conselho de
                                                                                               José de Anchieta, um dos padres jesuítas que
de seiscentos franceses, prote-                                                                vivia no Brasil há bastante tempo, voltou a
                                                                                               pedir auxílio a Lisboa e organizou nova expe-
gidos contra qualquer investi-                                                                 dição a Guanabara. Desta vez desembarcou
                                                                                               junto ao rio Carioca e conseguiu destruir a
da portuguesa pelas condições                                                                  tranqueira inimiga, desalojando os franceses
                                                                                               da região continental e da ilha de Paranapecu
da própria baía.                                                                               (hoje ilha do Governador). Os combates fo-
                                                                                               ram particularmente difíceis e custaram a vida
O centro do governo por-                                                                       ao próprio Estácio de Sá, mas a colónia por-
                                                                                               tuguesa teve, finalmente, condições para se
tuguês no Brasil estava, nessa                                                                 desenvolver com segurança e consistência. O
                                                                                               domínio do território permitiu-lhe melhorar
altura, na cidade da Baía, e                                                                   a posição do pequeno núcleo de S. Sebastião,
a escolha tinha a ver com as Rio de Janeiro – Baía de Guanabara, nos dias de hoje.             deslocando-o para o morro de S. Januário ou
                                                                                               do Castelo (terraplanado no século XX) onde
condições físicas do Atlântico Sul e dos ventos litavam a acção dos portugueses. Mem de Sá     hoje é o centro nevrálgico do Rio de Janeiro.
                                                                                               Na mesma altura em que decaía progressiva-
dominantes. Dali, o acesso ao sul faz-se sem- decidiu entrar e atacar o forte Coligny, como    mente o poder português no Oriente, ganha-
                                                                                               va expressão o domínio do Atlântico sul e a
pre em boas condições e, ao norte, apesar de fora denominado em homenagem ao almi-             presença no Brasil.

difícil, também é possível com uma volta rela- rante de França e líder protestante (Gaspar                           J. Semedo de Matos

tivamente curta entre os meses de Novembro de Coligny) que patrocinara superiormente                                                   CFR FZ

e Janeiro ou Fevereiro. Quer isto dizer que a empresa da França Antárctica. Os navios

uma posição inimiga em Guanabara, com a foram recebidos pela artilharia francesa, mas

possibilidade de ali estabelecerem uma coló- ripostaram com energia e foi possível lançar

nia próspera, era uma ameaça terrível para os um ataque de surpresa, com um desembar-

interesses portugueses nas terras brasileiras. que nocturno na parte sul da ilha, que conse-

Basicamente, significava a ocupação de um guiu desalojar os inimigos. Apesar de tudo, os

ponto importante, onde os navios inimigos sobreviventes franceses retiraram-se para o

tinham condições para receber informações e continente com os seus aliados tamoios, fixan-

sair para o combate em vantagem táctica sem- do-se no local onde hoje é o morro da Glória,

pre que quisessem. A relação entre a sede do internando-se na selva e construindo, mais

governo e as capitanias do sul, em franco de- tarde, uma pequena tranqueira de protecção.

senvolvimento, estava profundamente com- Apesar de tudo, não ficavam lá navios ini-

prometida e, com ela, a ligação e a união de migos e a possibilidade de se reforçarem em

todo o espaço de soberania portuguesa. Aliás, pouco tempo não era fácil, mas urgia voltar

a posição francesa só tinha sido possível pela aquele local e criar as condições para formar

escassez de meios navais na costa brasileira uma colónia portuguesa.

e pela incúria do governador Duarte Costa,      Mem de Sá rumou ao sul, em direcção a

como foi dito na altura.                        S. Vicente, onde a comunidade portuguesa

Mem de Sá foi nomeado governador ain- crescera muito e precisava de ser reorgani-

da no tempo de D. João III, e teve alguma di- zada. Foi um ano de intensa acção adminis-

ficuldade em reunir as condições necessárias trativa em todo o território brasileiro, com o

para desalojar os franceses. Para o fazer ne- governador a passar quase todo o tempo no

cessitava de reforços vindos de Lisboa e lan- mar viajando entre capitanias. Mas continua-

çar uma acção concertada com as capitanias va pendente a limpeza de Guanabara, que só

do sul, reunindo todos os esforços para entrar seria possível com o estabelecimento de uma

na posição fortificada e quase inexpugnável. colónia portuguesa sólida, que impedisse a re-

16 ABRIL 2011 • REVISTA DA ARMADA
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