Page 27 - Revista da Armada
P. 27
Em primeiro lugar, o instrumento de da aeronave, que implica que os cálculos alcance próximo da distância a percorrer. O
observação dos astros. Na época, usava-se sejam efectuados rapidamente. Se no mar objectivo que pretendiam alcançar era uma
essencialmente o sextante clássico de mari- se pode demorar bastante tempo a calcular ilhano meio daimensidão do oceano. Noano
nha. Este apresentava alguns inconvenientes. uma posição, pois o navio tem velocidade seguinte, na viagem para o Brasil, tinham que
Conforme o avião ia subindo em altitude baixa e nunca percorrerá uma distância conseguir «acertar» com um objectivo ainda
tornava-se mais complicado definir com ri- grande no tempo que se demorar a fazer mais pequeno, os Rochedos de São Pedro e
gor a linha do horizonte, fundamental para o cálculo; no caso dos aviões a situação é São Paulo. Mas conseguir alcançar uma ilha,
obtenção das alturas dos astros. Além disso, diferente. Se o tempo de cálculo for eleva- como a Madeira, ao fim de várias centenas de
poderia ser necessário observar astros duran- do, pode acontecer que quando se conhe- milhas sobre o oceano, era um excelente tes-
te a noite, quando essa linha não está visível. cer a posição, e se ela estiver muito errada, te para o método de navegação. E com esta
Para obviar essa limitação, Gago viagem ficou provada a sua
eficácia. O percurso directo e
Coutinho desenvolveu um os ventos favoráveis permi-
tiram que o avião chegasse
sextante de horizonte artificial à Madeira com combustível
ainda suficiente para alcançar
e com sistema de iluminação as Canárias.
nocturna, para permitir observar A viagem
as alturas em quaisquer circuns- O voo para o Funchal co-
meçou quando passavam
tâncias e ler os respectivos valo- exactamente vinte e cinco
minutos das dez horas da
res. Por outro lado, este sextante manhã, no dia 22 de Mar-
ço de 1921. Estavam poucas
permitia ainda ultrapassar outro pessoas a despedir-se dos
quatro aventureiros, quando
problema, que era a necessida- estes partiram do rio Tejo.
Sacadura Cabral explica o
de de conhecer a elevação do motivo porque tal aconteceu.
Ele desejava fazer a viagem
observador em relação ao nível com o hidroavião totalmente
carregado de combustível e
do mar. Este valor é necessário com vento favorável. Só as-
sim poderia garantir que com
para os cálculos. Apesar de estar combustível para cerca de
nove horas e meia de viagem
preparado para todas as eventu- conseguiria chegar ao seu des-
tino. Na época não existiam
alidades, Gago Coutinho dava processos de previsão meteo-
rológica como aqueles de que
preferência ao uso do sextante dispomos hoje em dia. A solu-
ção era observar o vento, pela
no seu modo clássico, isto é com manhã, e caso estivesse favo-
rável partir. Assim garantia-se
horizonte de mar. Desenvolveu pelo menos que a parte inicial da viagem se
fazia a favor do vento. Depois, era ir avalian-
inclusivamente um processo do as condições que se iam encontrando, ter
fé que estas não se alterassem muito e ter
para determinar a altitude de planos alternativos, para o caso de elas se
complicarem. A opção de verificar o tempo
voo, observando a sombra do no início da manhã tinha a ver com o facto
de eles desejarem fazer a viagem toda du-
avião sobre a água e resolvendo rante o período diurno, pelo que teriam que
largar de manhã.
um problema trigonométrico. Dez minutos depois de descolarem pas-
saram sobre o Bugio, altura em que Gago
Por outro lado, qualquer Coutinho assumiu as funções de navegador,
confinado ao seu pequeno espaço e rodeado
aeronave é bastante influen- de aparelhos e instrumentos que ajudariam
os quatro aventureiros a permanecer no
ciada pelo efeito do vento. rumo certo. As condições meteorológicas
apresentavam-se favoráveis e a terra deixou
Em termos gerais, o vento de ser visível às 11 horas.
Os comandos do hidroavião foram en-
terá dois efeitos sobre a aero- tregues ao tenente Bettencourt, enquanto
nave. Por um lado, um efeito 27REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2011
segundo o sentido em que ela
está a seguir, e que implica um
aumento ou uma redução da
velocidade, consoante o vento Finalizando a manobra de amarar.
esteja a favor ou contra. Além
disso, existe um movimento lateral, conhe- já não seja possível tomar medidas para a
cido por deriva ou abatimento, e que terá compensar. Para obviar este inconveniente,
como consequência que o avião siga ao Gago Coutinho calculava antecipadamen-
longo de uma direcção diferente daquela te tudo aquilo que poderia ser calculado
antes do voo. As cartas usadas na navega-
para onde está a apontar.
Para conhecer qual o efeito real do vento ção marítima, na projecção de Mercator,
sobre o hidroavião, Gago Coutinho imagi- têm escala variável. Gago Coutinho dese-
nou o seguinte procedimento. Traçou na nhou num cartão o percurso a percorrer,
cauda do aparelho umas marcas que per- usando uma projecção cónica secante, que
mitiam conhecer o ângulo entre a direcção permitia uma escala constante. Gago Cou-
para onde o avião apontava e o caminho tinho escolhia os cruzamentos de parale-
que ele realmente seguia. Lançando umas los e meridianos que ficavam próximos
bombas de fumo à água, observava o valor do percurso a percorrer e para esses pon-
desse ângulo. Seguidamente alterava-se a tos calculava alguns dados que colocava
direcção do voo em 45º e repetia-se o pro- numa tabela para usar quando no ar.
Faltava apenas testar estas inovações,
cedimento. Para conhecer o efeito do vento
usava-se um instrumento construído com a numa viagem mais curta. Daí que tenha sur-
colaboração de Sacadura Cabral, a que de- gido a ideia de levar a cabo a ligação com o
ram o nome de «Plaqué de abatimento» ou Funchal. Esta viagem experimental apresen-
tava todas as características que iriam encon-
«corrector de rumos».
Existia ainda o problema da velocidade trar na viagem maior! O hidroavião tinha um