Page 26 - Revista da Armada
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mento. Para conhecerem a sua posição ce-se o facto de ele ser uma pessoa com esta adaptação não consistia na simples
utilização dos instrumentos e métodos de
recorreram a navios que estavam afasta- uma enorme experiência no campo do cálculo da navegação marítima para a aé-
rea. Ele próprio alerta para esse facto, num
dos 60 milhas uns dos outros, sobre um posicionamento. Desde os seus primeiros pequeno texto que publicou no nº 14 da
revista O Automóvel, no qual explica a sua
percurso previamente combinado. Bas- tempos de jovem oficial embarcado que proposta de navegação aérea:
tava aos hidroaviões seguir um caminho ele escrevia textos sobre assuntos relacio- «O navegar um aeroplano
que passasse sobre esses navios, para nados com a navegação. Mas foi em terra por cima do mar não é pro-
atingirem o seu objectivo. firme que ele mais desenvolveu essas blema tão fácil, como a muita
Em Portugal, no ano de gente poderá parecer, mesmo
1920, também se tentou voar que haja boas condições de
pela primeira vez para o Fun- tempo, e não falte o Sol para
chal. Foram protagonistas as observações astronómicas,
desta aventura outros dois nem os instrumentos pró-
pioneiros da nossa aviação: prios para o observar.
Brito Pais e Sarmento de Bei- Não se julgue que basta
res. Usaram um avião que convidar, como se fosse para
tinha combatido na Primeira um passeio a Setúbal, um ofi-
Guerra Mundial e que ne- cial da marinha ou um capi-
cessitou de uma profunda tão da marinha mercante, que
reparação para ter condições embarcaria no aeroplano com
para voar. Não se sabe exac- um cronómetro, um sextante
tamente quanto tempo voa- vulgar, tábuas náuticas e al-
ram e acabaram por amarar manaque, e, é claro, a sua muita experiência
de emergência, por falta de de navegação astronómica em navios».
combustível. A distância que O hidroavião Felixstowe F.3.
Quais foram efectivamente esses contri-
percorreram daria para eventualmente che- capacidades. Participou em trabalhos de butos de Gago Coutinho para a navegação
aérea? Este assunto está amplamente divul-
garem ao Funchal. No entanto, o principal levantamentos geodésicos em diversas gado, uma vez que os autores da proeza de
1922 deixaram imensos textos, nos quais
problema que levou a que a sua missão não colónias portuguesas de África, assim explicam o método que usaram e o funcio-
namento dos instrumentos que desenvol-
tivesse sido bem sucedida foi a falta de um como em Timor. Tratava-se de trabalhos veram para o efeito. A título de exemplo,
refira-se que nos Anais do Clube Militar Naval
processo fiável de navegação. extremamente exigentes. Os locais onde publicaram um mesmo artigo, sobre nave-
gação aérea, em quatro línguas diferentes:
Sacadura Cabral, o grande obreiro da efectuavam os levantamentos situavam- português, francês, inglês e alemão. Estes
relatórios dos protagonistas têm sido repro-
viagem Lisboa-Rio de Janeiro, preocupou- -se, em muitos casos, em zonas inóspitas duzidos inúmeras vezes, pelo que são de
consulta fácil para quem pretenda conhecer
-se com todos os detalhes de planeamento. e sem qualquer possibilidade de apoio em detalhe as principais inovações introdu-
zidas na navegação.
Estudou as tentativas anteriores de realizar para fazer face aos problemas que sur-
Apesar do que ficou escrito no pará-
viagens oceânicas mais longas. Procurou giam. O sucesso dessas missões dependia grafo antecedente, não queremos dei-
xar de mencionar aqui, resumidamente,
conhecer em detalhe as características das muitas vezes da perícia dos participantes quais foram esses contributos. Em tra-
ços gerais, os problemas colocados pela
aeronaves disponíveis, para perceber se es- para resolver os problemas técnicos que navegação aérea são os que se indicam
em seguida.
tas apresentavam capacidade para percorrer os instrumentos apresentavam. Por esse
os percursos que permitiriam o sucesso da motivo, Gago Coutinho tornou-se um es-
sua viagem. Para que tudo corresse bem, ele pecialista em instrumentos de observação
entendeu, desde o primeiro momento, que astronómica. Por outro lado, era necessá-
precisava do apoio de alguém com capaci- rio encontrar, muitas vezes no próprio
dade para desenvolver um processo rigoro- terreno das observações, solução para os
so de posicionamento. Conforme afirmado desafios científicos que surgiam.
anteriormente, ele conhecia bem as capaci- Com esta experiência, não admira que
dades intelectuais de Gago Coutinho. Por Gago Coutinho fosse um conhecedor expe-
esse motivo, decidiu convidar o seu antigo rimentado dos procedimentos de posicio-
companheiro das missões geodésicas em namento em terra e no mar. O seu principal
África para colaborar no seu projecto. contributo consistiu «simplesmente» em
Gago Coutinho foi o grande obreiro adaptar as técnicas que ele tão bem domi-
desse método de navegação aérea. Real- nava para o novo meio, o ar. No entanto,
Na Baía do Funchal.
26 JUNHO 2011 • REVISTA DA ARMADA