Page 12 - Revista da Armada
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A MARINHA NO FINAL DA DINASTIA DE AVIS (4)

          D. PAULO LIMA PEREIRA
          PORTUGUÊS, SOLDADO E MARINHEIRO
D. Paulo de Lima Pereira não é outra coi-
         sa que o exemplo do fidalgo português    Referi em artigos anteriores a crise do Esta-     da capitania de uma fortaleza, que lhe seria tão
         aventureiro, que se habituou à dureza   do da Índia, ocorrida na segunda metade da         útil para compor a sua fazenda. O incidente
                                                 década de sessenta, suprida apenas depois da       de Dabul, que referi na passada Revista da Ar-
dos costumes e das guerras da Índia, onde teve chegada do conde de Atouguia, D. Luís de mada, foi outra ocasião para demonstrar a sua
a ventura de virtuosas vitórias, mas que nunca   Ataíde. E foi com ele que voltou ao mar, de        capacidade como grande capitão. O tanadar
conseguiu colher os frutos de uma vida esforça-  novo a bordo da “S. João Baptista”, para outros    Malik Tojar, que fora afastado na sequência da
da que terminou de forma inglória. Não fosse     tantos sucessos semelhantes ao de Baticalá. Ao     traição que preparara aos portugueses, voltava
o fascínio que exerceu junto do cronista Diogo   governo de D. Luís sucedeu o de D. António         ao seu cargo, numa clara afronta ao poder de
do Couto, provavelmente não passaria de mais     de Noronha, a quem sobrava aptidão diplo-          Goa, motivando nova expedição de represália
um nome, entre os muitos que cruzaram as ro- mática e particular jeito para os jogos políticos. de que seria encarregado D. Paulo de Lima
tas quinhentistas do Oriente Português.          A diplomacia no século XVI não se fazia sem Pereira. Devia entrar no rio e destruir uma nau
Nasceu a 5 de Dezembro de 1538, filho na- um sustentáculo poderoso na força militar, que preparada para a viagem para Meca e fazer a
tural de D. António de Lima e de Anna                                                                   guerra como lhe fosse possível à cidade,
de Sousa, e partiu para a Índia na nau                                                                  onde (como disse) não havia nenhuma
Santa Maria da Barca, da Armada de D.                                                                   fortaleza ou guarnição nacional. Dabul
Fernando de Meneses, no ano de 1557.                                                                    recebeu reforços do Malabar e os por-
A viagem revelar-se-ia atribulada desde                                                                 tugueses ficaram fechados na barra, sem
o momento da partida porque o navio                                                                     possibilidade de desembarque nem de
fazia muita água e teve de ser reparado                                                                 sair para o mar, sem travar um combate
ainda no rio, com atrasos que poderiam                                                                  que parecia desesperado, dada a despro-
ter sido fatais. Só conseguiram zarpar a 2                                                              porção de forças: uma batalha impossí-
de Maio, quando o resto da Armada já                                                                    vel que, nos dizeres de Diogo do Couto,
navegava há mais de um mês e tiveram                                                                    só foi viável e vitoriosa graças ao génio
de arribar à Baía de S. Salvador, porque                                                                combatente do capitão.
seria impossível passar à Índia em tempo.                                                               Em 1583 tomou posse da fortaleza de
Chegou a Goa em Dezembro de 1558,                                                                       Chaul, onde esteve durante três anos, e,
com 20 anos de idade recém-completa-                                                                    quando regressou a Goa pensou em em-
dos, partindo de imediato para a campa-                                                                 barcar para o reino. Assim o faria se a sua
nha de Cananor, referida na Marinha de                                                                  presença não fosse requisitada para uma
D. Sebastião (2) e (5), combatendo nas                                                                  expedição a Malaca que resultou em no-
ruas da cidade ao lado do veterano Luís                                                                 vos sucessos de armas. Embarcou, final-
de Mello da Sylva. O Malabar estava a                                                                   mente, para Lisboa, com a sua mulher e
ferro e fogo contra os portugueses e o                                                                  uma vasta fazenda que juntara na Índia,
seu primeiro ano de serviço na Índia foi                                                                em Janeiro de 1589, na nau S. Tomé. Mas
passado com a espada na mão, travando        Nau Sta Maria da Barca, em que embarcou D. Paulo de Lima   quis a fortuna que não viesse a chegar a
batalhas no mar contra navios do Samo-      Pereira, para a Índia, no ano de 1557 – Livro das Armadas.  Portugal. Por perto da Terra dos Fumos, a

rim ou desembarcando nas praias para acudir, passava pelas demonstrações de força bem sul de Inhaca e do rio que Lourenço Marques
sobretudo, à fortaleza de Cananor, onde teve planeadas e dissuasoras. D. Paulo de Lima Pe- descobriu, o navio começou a fazer água e
de voltar em 1559. De tal forma se distinguiu reira teve ocasião de integrar a imensa armada afundou-se. Salvaram-se cerca de uma centena
como valoroso soldado e marinheiro que, em que em Damão exibiu a sua força, com cinco de pessoas que chegaram a terra e foram assis-
1560, lhe foi dado o comando de um pequeno       esplendorosos galeões, 16 galés e mais de 60       tidas pelos nativos, com alguma hospitalidade
navio, na expedição conduzida por D. Cons-       fustas, referida na Marinha de D. Sebastião (30).  mas com poucas condições de sobrevivência.
tantino de Bragança contra o reino de Jaffna. E                                                     Alguns conseguiram chegar a Sofala, mas D.
em 1565 era capitão de uma armada de remo,        Em 1572, o nosso herói tinha 34 anos de           Paulo de Lima Pereira conformou-se com a
embarcado na galeota “S. João Baptista”, com     idade e estava pela Índia há quase 15, sempre      sorte e ficou numa ilha da baía de Maputo,
                                                 empenhado em guerras, na maioria dos casos
a qual iria conhecer muitas glórias. Em Feverei- no mar. Não casara ainda, mas era prodigioso onde faleceu a 2 de Agosto desse ano. Acaba-
ro desse ano, partiu de Goa, navegando para o de aventuras amorosas, nem sempre pacíficas va sem brilho a vida de um herói da Índia, um
sul, ao encontro da armada da Índia reforçan- e inofensivas. Pelo que nos diz Diogo do Cou- soldado e marinheiro como tantos outros, vito-
do-a na acção contra a pirataria do Malabar. to, envolveu-se na relação com uma mulher rioso de dezenas de combates e sobrevivente
Na sequência desta missão viria a disputar um casada com um rico mercador e a paixão cer- de centenas de perigos, cujo nome a História
violento combate contra o poderoso corsário cou-o num sarilho de que só saiu a golpes de só guardou porque nele reparou a virtuosa
Canatale, referido na Marinha de D. Sebastião espada e com o exílio em Ormuz por alguns pena de Diogo do Couto.
(13). O combate foi desigual e a vitória só foi anos. Ali casou com a jovem Dª Beatriz, filha
possível graças à determinação do jovem ca- de Fernão Montaroy, fidalgo de Portalegre que
pitão, que foi ferido de uma “bombardada”        lhe concedeu dote apreciável e lhe abriu o ca-                  J. Semedo de Matos
numa perna. Em Goa se curou, assistido em        minho para recompor a sua vida. Voltou a Goa                                CFR FZ
casa de Martim Afonso de Mello Pereira, onde     quando do regresso de D. Luís de Ataíde, em
foi visitado pelo vice-rei D. Antão de Noronha. 1578, entendendo eu que a presença do novo
Durou cerca de três anos o seu total restabele- vice-rei criou as circunstâncias favoráveis à ob-   N.R.
cimento.                                         tenção do perdão absoluto e até à concessão        O autor não adota o novo acordo ortográfico.

12 MAIO 2013 • REVISTA DA ARMADA
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