Page 8 - Revista da Armada
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UMA EXPERIÊNCIA FALHADA

E m 1 de fevereiro de 1968 reali-         Curiosamente já tinha havido uma          no bordo do lado do mar da Maga-
       zou-se uma reforma nas forças     tentativa semelhante no final da I         lhães Corrêa, que estava atracada ao
       armadas do Canadá extrema-        Guerra Mundial, mas foi abandonada         Huron. Os oficiais canadianos não
 mente ousada.                           após a II Guerra Mundial.                  deram por nada, mas não acharam
                                                                                    graça ao sucedido, até porque foi en-
  Em resultado da persistência e da       A Marinha foi o Ramo que mais re-         carado como uma falha de segurança
 vontade política do Ministro Paul       sistiu, o que conduziu a várias exo-       pouco desculpável.
 Hellyer, antigo oficial da Força Aérea  nerações, dos que não aceitaram a
 Canadiana, a Marinha, o Exército e a    mudança, nomeadamente o muito res-          Depois de várias diligências, e pas-
 Força Aérea deixaram de existir como    peitado Contra-almirante Landymore,        sados um ou dois dias, lá foi organi-
 entidades independentes.                o mais antigo dos comandantes ope-         zada uma escolta, que transportou
                                         racionais. Vendo-se impotentes para        o índio em marcha militar pelo cais,
  Perante a surpresa do mundo oci-       resistir à vontade política, os oficiais,  recuperando-o do navio alemão onde
 dental, foi criada uma organização      sargentos e praças sob o comando do        estava guardado. Claro que as cerve-
 única intitulada “Canadian Armed        CALM Landymore, juntamente com             jas e o vinho tinto alimentaram as gar-
 Forces”, sem distinção de Ramos.        outros, resolveram manifestar-lhe pu-      galhadas e faziam tirar a conclusão de
                                         blicamente o seu apreço. Formaram
  O conceito parecia simples e foi en-   duas extensas alas de militares para a                           que a ocorrência só
 tendido como van-                       passagem do Almirante à saída do co-                             foi possível porque
 tajoso pelo Gover-                      mando e ovacionaram-no longamen-                                 eles não eram ver-
 no do Canadá, após                      te, com muitas lágrimas à mistura.                               dadeiros marujos.
 aturadas discussões
 a vários níveis. A                       Estando embarcado na fragata Ma-                                  Quais foram os re-
 unificação dos três                     galhães Corrêa, tive ocasião de parti-                           sultados da reforma,
 Ramos pouparia                          cipar na STANAVFORLANT em 1976,                                  certamente muito
 dinheiro para com-                      que contava também com um navio                                  bem intencionada?
 prar melhor equi-                       canadiano, o DDG Huron. Lembro-
 pamento. Por outro                      -me bem da simpatia dos oficiais do                                As poupanças nunca
 lado, seria uma for-                    Canadá, mas era visível o desconten-                             existiram e os novos
 ma de acabar com                        tamento por usarem um uniforme tão                               equipamentos não
 as rivalidades entre                    diferente das outras marinhas e já te-                           foram comprados,
 os serviços. Os Ra-                     rem pessoal a bordo indiferenciado.                              nos termos em que se
 mos poderiam as-                        Quem conhece este ambiente pode                                  preconizavam. A des-
 sim treinar e com-                      imaginar o gozo e as piadas constan-                             moralização da ex-
 bater em conjunto                       tes por parte dos britânicos, america-                           Marinha foi enorme,
 e usar equipamento DDG Huron.           nos, alemães e, evidentemente, dos                               mas também afetou os
 semelhante, esquecendo-se as enor-      portugueses.                                                     outros ex-Ramos.
 mes diferenças que havia nestes aspe-                                               Passados alguns anos foram restaura-
 tos. No caso específico da Marinha,      O divertimento atingiu o auge quan-       dos os postos tradicionais na Marinha
 pretendia-se também dissolver os re-    do foi organizada uma operação mul-        e, em 1985 (17 anos após o início da
 síduos de influência britânica, com     tinacional (julgo que liderada por ale-    reforma), foram também recuperados
 raízes históricas, que até se notava    mães) para “roubar” um enorme índio        os uniformes habituais da Marinha.
 na sua designação – Royal Canadian      de madeira que estava orgulhosamen-        Em 2010, os oficiais puderam usar
 Navy.                                   te colocado na câmara de oficiais no       novamente o óculo nos seus galões.
                                         navio canadiano. Um grupo provocou         Finalmente, em Agosto de 2011, os
  Foi criado um Comando de Instrução     uma distração e outro grupo pegou no       Ramos readquiriram a sua individua-
 para recrutar e dar a formação inicial  índio e fê-lo arriar para uma embar-       lidade. Renasceu a “Royal Canadian
 a todo o pessoal militar. O Comando     cação que, silenciosamente, encostou       Navy”. Os veteranos tinham lutado
 do Material passou a ser responsável                                               muitos anos para o conseguir, sob o
 pela aquisição, armazenamento e dis-                                               lema: RESTORE THE HONOUR!
 tribuição de sobressalentes para todas                                              Recentemente fizeram-se vários
 as unidades.                                                                       ajustamentos à organização da Mari-
                                                                                    nha, no sentido inverso ao que tinha
  Todos os militares passaram a usar                                                sido feito a partir de 1968 e é possível
 os mesmos uniformes (verdes, do                                                    que a tendência continue.
 Exército) e a adotar os mesmos postos                                               Como foi possível que isto aconte-
 (do Exército).                                                                     cesse num país que é dos mais desen-
                                                                                    volvidos e dos mais respeitados do
  Pensava-se que os Ramos individua-                                                mundo pelo elevado nível educacio-
 lizados não eram capazes de enfrentar                                              nal e cultural? Os custos desta experi-
 os desafios do futuro. Apenas um co-                                               ência podem ser determinados?
 mando unificado, apoiado num staff                                                  Talvez se possa encontrar alguma
 que pudesse controlar todo o planea-                                               explicação, fazendo um paralelo
 mento e as operações, subordinado a                                                com alguns dos princípios que apren-
 um Conselho Superior de Defesa, di-                                                demos na teoria geral da estratégia,
 rigido pelo Ministro da Defesa Nacio-                                              usando um raciocínio semelhante.
 nal, poderia atuar com uma visão na-                                                Dos três grandes princípios com
 cional e formular soluções unificadas
 para os problemas de defesa nacional.
8 MAIO 2013 • REVISTA DA ARMADA
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