Page 25 - Revista da Armada
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colmatar lacunas do discurso expositi- nenhum museu deve negligenciar. Foto Rui SaltaNo caso vertente, reportando para a ne-
vo, seja em virtude de restrições na per- Centrados no presente e com o futuro cessidade de envolver todos os interve-
cepção sensorial (visual, auditiva), no nientes no processo (decisores/directores,
processo cognitivo (nas designadas defi- no horizonte, defendemos que este é o profissionais e visitantes) como agentes de
ciências mentais, que abrangem um es- tempo de ampliar este conceito de aces- transformação e intervenção para, colec-
pectro alargado de variações), restrições sibilidade no Museu, não deixando que tivamente, derrubarmos as barreiras (as
em comunicar-se socialmente através da este se limite à eliminação das barreiras físicas, mas também todas as outras) que
fala (deficiências na produção linguísti- físicas. Atender a uma crescente diversi- constituem factores de exclusão social,
ca), restrições na realização de activida- dade de públicos é um desafio que ultra- factores que por via de uma qualquer
des físico-motoras (coordenação motora, passa os limites da acessibilidade espa- forma de discriminação, mais ou menos
precisão ou mobilidade), mas também cial, quando a inclusão está na agenda explícita, vedam ou dificultam a participa-
outras restrições, como as que são do das nossas preocupações. ção das pessoas na vida dos museus.
foro sociocultural, como aquelas que en-
frentam determinados grupos das nossas Do ponto de vista teórico é relativamen- A acessibilidade no Museu é ainda uma
comunidades, como sejam as minorias te simples e (quase!) consensual esta aber- provocação, um desafio sem limites e um
étnicas, os imigrantes, ou ainda outros, tura à diversidade nos museus, porém, processo em permanente construção.
alvo de segregação social/moral, como no que diz respeito às práticas efectivas, Defendê-la é uma das missões essenciais
pessoas reclusas, ou pessoas sem-abrigo verificamos que são longos os caminhos do Serviço Educativo, num compromisso
por exemplo. ainda a percorrer. Nestes percursos, as com o futuro e de mãos dadas com a se-
componentes físicas apresentam-se como cular divisa da Marinha Portuguesa: «Ta-
Para o efeito, estas visitas requerem prepa- aquelas de solução mais simples: rampas, lant de bien faire» – é esta mesma «von-
ração prévia, preferencialmente envolvendo elevadores, legendagem em braille, áudio tade de bem-fazer» que norteia hoje o
docentes de ensino espe- guias e todos os recursos que a tecnologia,
cial e técnicos de serviço os orçamentos e a imaginação nos permi- rumo das acessibilidades
social. Para cada caso e tam operacionalizar, para tornar o museu no Museu de Marinha.
em função das característi- num lugar fruível por um leque cada vez
cas especificas dos visitan- mais alargado de pessoas, com as mais di- Olímpia Gordon Pinto
tes em causa, são planea- versas características. Técnica de Serviço
das formas de abordagem, Educativo
delineados circuitos e for- Com efeito, as barreiras mais difíceis de
matos de visita, disponibi- transpor não são as físicas, mas aquelas Notas:
lizados materiais. que se prendem com as mentalidades –
são o preconceito e a discriminação os 1 "Acessibilidade é uma ca-
Com vista ao alarga- principais responsáveis por uma boa parte racterística do ambiente ou
mento desta oferta, o Mu- das inacessibilidades intelectuais, sociais, de um objecto que permite
seu tem também investi- lúdicas, tanto nos museus, como noutros a qualquer pessoa estabele-
do na produção de novos espaços. Face a esta constatação importa cer um relacionamento com
recursos. Um bom exem- traçar o diagnóstico e definir que nível de esse ambiente ou objecto,
plo disso é o modelo de acessibilidade efectivamente almejamos e utilizá-los de uma forma
caravela (vd foto) recen- para o Museu de Marinha. amigável, cuidada e segura.
temente produzido pelas (…) Portanto a acessibilida-
Oficinas de modelismo Abrir o Museu, torná-lo mais acessível de promove a igualdade de
do Museu e que brevemente integrará o num exercício constante e permanente, oportunidades e não a uniformização da popu-
circuito da exposição permanente. rompe provocatoriamente com as cons- lação em termos de cultura, costumes ou hábi-
tantes de um universo há tanto tempo tos (…)" in: Conceito Europeu de Acessibilida-
Sabemos no entanto que nem todas submetido a unidades redutoras e a uma de - Relatório do Grupo de Peritos criado pela
as pessoas com necessidades especiais suposta “ordem natural das coisas”. Esta Comissão Europeia - 2003
visitam o Museu com o apoio da equi- mudança de paradigma implica neces- 2 Tal como é apresentado por Chris Barker Vd
pa do Serviço Educativo, da mesma sariamente uma nova visão do Museu e (BARKER, 2005, P. 448)
forma, estamos também certos que as daquilo para que este serve, naquilo que
acessibilidades no Museu não dizem gostamos de designar por uma museo- Bibliografia:
apenas respeito, muito menos se esgo- logia de agência, tomando a liberdade
tam, nos públicos portadores de defi- de importar para a museologia o con- AA. VV.; (2004); Museus e Acessibilidade;
ciência, muitas vezes referidos como ceito de agência, das ciências sociais.2 [Temas de Museologia]; Lisboa: Instituto Portu-
“minorias”. Padrões reducionistas da guês de Museus; ISBN 972-776-229-8.
designada normalidade não nos devem
fazer esquecer que os ditos “normais” AA. VV.; (1991); Museums Without Barriers
(e suposta “maioria”) terão ao longo da – A new deal for the disabled: Fondation de
sua vida momentos em que saem do pa- France / ICOM / Routledge; ISBN 0-415-06994 .
drão: ou por acidente, ou porque têm
filhos pequenos (ao colo ou em carrinho BARKER, Chris; Cultural Studies: Theory and
de bebé), por vicissitudes diversas, ou Pratice; (2005); London; SAGE; ISBN: 0 761
tão-somente e inevitavelmente, porque 95774 X.
envelhecem – os mais recentes dados
demográficos evidenciam um crescen- HOOPER-GREENHILL, Eilean; The Educa-
te envelhecimento da população euro- tional Role of the Museum; (2006); [2nd ed.
peia. A ligação óbvia entre o processo 1999]; s. l.: Routledge, ISBN – z13: 978-0-415-
de envelhecimento e algumas das ditas 19827-1.
deficiências não pode ser esquecida nos
Museus, muito menos quando sabemos INSTITUTO NACIONAL PARA A REABILI-
que o turismo (e o turismo sénior está TAÇÃO, I. P.; (2007); Plano Nacional de Pro-
em desenvolvimento) é um sector que moção da Acessibilidade; Lisboa: Instituto
Nacional Para a Reabilitação, I. P.; ISBN: 978-
989-8051-06-6.
VALE, José Augusto da Costa Picas do; Mu-
seu de Marinha. Contributos para a defini-
ção de um projecto cultural (2009); Lisboa:
tese de mestrado em Museologia, Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas, Universidade
Nova de Lisboa.
REVISTA DA ARMADA • JULHO 2013 25