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REVISTA DA ARMADA | 482

  A preocupação em defender a frontei-         Mapa 2 – Rotas comerciais genovesas e venezianas na Idade Média.
ra marítima está, aliás, bem presente nas
preocupações do Rei quando este manda          poderia, de modo algum, ser negligen-                         D. Affonso II; Terceiro Rey de Portugal; Cronicha do Muito
comunicar ao Papa, em 1219, na bem-su-         ciado pelos nossos primeiros reis, que lhe                    Alto e Muito Esclarecido Príncipe D. Sancho II, Quarto Rey
cedida tentativa de evitar a extinção dos      souberam dar a devida atenção e incluí-lo,                    de Portugal; Cronicha do Muito Alto e Muito Esclarecido
Templários em Portugal, a intenção de          com especial destaque, na orientação das                      Príncipe D. Affonso III, Quinto Rey de Portugal; Cronicha
atribuir à ordem “huũ Castro muy forte,        suas políticas internas e externas.                           do Muito Alto e Muito Esclarecido Príncipe D. Diniz, Sex-
que dizião Crasto Marim, que era na fron-                                                                    to Rey de Portugal, segundo os manuscritos da Torre do
teira dos Mouros Despanha, e Dafriqua”.                                                   Moreira Silva      Tombo, prefácios e notas de Miguel Lopes Ferreyra, Lis-
Definida a dimensão continental do Reino                                                              CFR    boa, Lisboa Occidental, Officina Ferreyrana, 1727-1729;
e o seu limite a Sul, o Mar apresenta-se                                                                     Cronicha de El-Rei Dom Afonso o Qvarto, segundo o ma-
como um espaço de continuação da luta          N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico              nuscrito da Torre do Tombo e conforme a 1ª ed. de 1653,
contra o Infiel. Não está bem documenta-                                                                     prefácio e notas de Paulo Craesbeek, Lisboa, Edições
do o envolvimento, neste âmbito, daque-        Notas                                                         Bíblion, 1936
la que será a novíssima Ordem de Cristo,       1 Onde, segundo Alexandre Herculano, se terá registado a      . PORTUGALIAE MONUMENTA HISTORICA, Scriptores, I,
mas não falta quem lhe atribua, já neste       participação de embarcações e tripulações de guerra. O        org. de Alexandre Herculano, Lisboa, Academia das Ciên-
período, o papel de “cavaleiros do mar”,       seu modo de emprego não nos parece muito claro, mas           cias de Lisboa, 1856
guardando, desta vez, as estradas marí-        será, possivelmente, de supor que terão sido utilizadas       . PORTUGALIAE MONUMENTA HISTORICA, Nova série, vol.
timas para a Cidade Santa, com especial        para transportar homens e material pelo Guadiana acima,       II, Lisboa, Academia das Ciências de Lisboa, 1856
incidência na zona do Estreito. Pelo me-       ao mesmo tempo que bloqueariam a sua barra à vinda de
nos a intenção estaria implícita na doa-       eventuais reforços inimigos.                                  Bibliografia
ção daquele castelo algarvio. Paralisada       2 Um documento de 1237 menciona a expressão “pala-            . COSTA, Paula Maria Pinto, “Ordens Militares e Frontei-
que está a guerra de conquista, a nobreza      tium navigiorum regis”, provável referência à existência de   ra: um Desempenho militar Jurisdicional e Político em
portuguesa parece procurar novos cam-          taracenas reais (eventualmente recuperadas a partir das       Tempos Medievais”, História, Revista da Faculdade de
pos de batalha onde possa exercitar o seu      antigas taracenas muçulmanas). Claro que, como atrás re-      Letras, III série, vol. 7, Porto, 2006, pp. 79-91
braço guerreiro. Embora, com D. Dinis, o       ferimos, isto não invalida a possibilidade de estas terem     . DAEHNHARDT, Rainer, Alguns Segredos da História Lu-
tempo pareça ser mais de mercadores do         sido reactivadas muito antes, embora não haja documen-        so-Alemã (Einige Geheimnisse der Deutsche-Portuguie-
que de guerreiros, estão consolidadas as       tos que apontem claramente nesse sentido. Também é re-        sischen Geschichte), edição bilingue, Lisboa, Edição Pes-
bases que, aliadas a uma conjuntura inter-     ferido o facto de, cada vez que uma galé era armada, ser      quisa Histórica, 1990
nacional favorável e a uma situação inter-     cobrado aos judeus o foro de uma âncora e um calavre          . FONSECA, Henrique Quirino da, Os Portugueses no Mar
na propícia, permitirão à Marinha nacio-       de 60 braças.                                                 – Memórias Históricas e Arqueológicas das Naus de Por-
nal, um século mais tarde, ser o vector de     3 Um documento dessa data refere uma doação do Rei a          tugal, vol. I, 2ª edição (reedição), Lisboa, Ementa Históri-
projecção de Portugal no Mundo.                um tal “Domingos Martinz dicto almirãte”.                     ca das Naus Portuguesas, 1926
                                                                                                             . GODINHO, Vitorino Magalhães, A Expansão Quatrocen-
Conclusão                                      Fontes                                                        tista Portuguesa, 2ª ed., Lisboa, Publicações D. Quixo-
                                               . BRANDÃO, António, Monarquia Lusitana, partes tercei-        te, 2008
  Da análise efetuada ao longo deste ar-       ra e quarta, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda,         . HERCULANO, Alexandre, História de Portugal, vol. III,
tigo poderemos extrair as seguintes con-       1973-74                                                       colecção Oitocentos Anos de História, 1ª ed., Lisboa, Ul-
clusões:                                       . BRANDÃO, Francisco, Monarquia Lusitana, partes quin-        meiro, Fevereiro de 1983
                                               ta e sexta, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda,          . MENEZES, José de Vasconcelos e, Os Marinheiros e o
  1. O modo como se procedeu à conquis-        1976-80                                                       Almirantado – Elementos para a História da Marinha
ta do território português implica, por si     . DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES, Publ. e prefácio João           (Século XII – Século XVI), colecção Armadas Portuguesas,
só, a existência de uma estratégia maríti-     Martins da Silva Marques, vol. I e supl., reprod. fac-simi-   Lisboa, Academia de Marinha, 1989
ma, pelo facto de procurar obter a posse       lada, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica,  . MORENO, Humberto Baquero (coord.), História da Ma-
dos principais portos da costa ocidental da    1988                                                          rinha Portuguesa, vol. II – Homens, Doutrinas e Organi-
Península, garantia da abertura de Portu-      . GALVÃO, Duarte, Cronicha de El-Rei D. Affonso Henri-        zação (1139-1414), Lisboa, Academia de Marinha, 1998
gal ao comércio e abastecimento externo;       ques, segundo o manuscrito da Torre do Tombo e con-           . MONTEIRO, Armando da Silva Saturnino, Batalhas e
                                               forme a 1ª ed. de 1726, prefácio e notas de G. Pereira,       Combates da Marinha Portuguesa, vol. I (1139-1521), 1ª
  2. Limitando-se, nos seus primeiros tem-     Bibliotheca de Classicos Portuguezes, vol. LI, Lisboa, Mello  ed., Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1989
pos, a dar resposta aos ataques dos pira-      D’Azevedo, 1906                                               . PORTELLA, Cristina, “Geraldo Sem Pavor, o Guerrilheiro
tas sarracenos e a apoiar, por mar, as ope-    . MONUMENTA HENRICINA, Vol. 1, Coimbra, Comissão              do Rei”, Factos Desconhecidos da História de Portugal, 1ª
rações terrestres, há indícios de que já em    Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte           ed., Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, Abril de 2004
finais do século XII se estariam a edificar e  do Infante D. Henrique, 1960                                  . QUINTELLA, Inácio da Costa, Annaes da Marinha Portu-
a organizar forças navais com capacidade       . PINA, Ruy de, Cronicha do Muit o Alto e Muito Escla-        guesa, tomo I, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1893
para efectuar incursões longe da sua base,     recido Príncipe D. Sancho I, Segundo Rey de Portugal;         . SELVAGEM, Carlos, Portugal Militar – Compêndio de
de modo a isolar a retaguarda inimiga e a      Cronicha do Muito Alto e Muito Esclarecido Príncipe           História Militar e Naval de Portugal Desde as Origens do
criar pressão em zonas estratégicas como                                                                     Estado Portucalense até ao Fim da Dinastia de Bragança,
o Estreito de Gibraltar;                                                                                     colecção Temas Portugueses, Lisboa, Imprensa Nacional
                                                                                                             Casa da Moeda, Setembro de 1991
  3. Após uma reorganização progressiva
efectuada entre os reinados de D. Sancho
II e D. Dinis, e uma vez definidos os limites
continentais do País, a Marinha liberta-se,
pelo menos em parte, do seu papel secun-
dário em relação às forças terrestres, vi-
rando-se, essencialmente, para a defesa
em profundidade, com a projecção de for-
ça a longa distância: acções de flagelação
de costa e combates oceânicos com frotas
mouras e castelhanas.

  Face ao exposto, parece-nos lícito afir-
mar que o Mar foi, desde sempre, um fac-
tor incontornável na afirmação da sobera-
nia nacional, desempenhando um papel
fundamental na definição da orientação
estratégica do País. Por esse facto, não

                                                                                                                 FEVEREIRO 2014 19
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