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REVISTA DA ARMADA | 482

definitiva do Algarve, culminando com a       Fig. 7 - Galés genovesas no Mediterrâneo (pintura do séc. XIX).
deposição do soberano e a ascensão ao
trono de D. Afonso III. Será, pois, este rei  internas castelhanas, a pretexto das quais    em 1307 encontramos o cargo de Almi-
a colher os louros do completamento da        conduziu algumas incursões no reino vi-       rante formalmente atribuído (não obstan-
conquista do território nacional, embora      zinho. Quando o rei castelhano ripostou       te referências anteriores que recuam até
o grosso do trabalho tenha sido desenvol-     enviando para Lisboa as suas galés e co-      12853) a Nuno Fernandes Cogominho, a
vido pelo seu infeliz antecessor.             locando a ferro e fogo a foz do Tejo, a fro-  quem Pessanha sucederá, assegurando,
                                              ta portuguesa terá sido aparelhada ainda      por força do contrato, o preenchimento
  É, no entanto, de mencionar, no proces-     a tempo de as perseguir e de lhes infligir    do lugar por si e pelos seus descendentes.
so de conquista do Algarve, o notável fei-    uma severa derrota em alto-mar.
to marítimo que constituiu a tomada de                                                        Não terá sido, decerto, com os genove-
Faro (1250), onde, pela primeira vez na         O Tratado de Alcanizes, celebrado em        ses que os portugueses terão aprendido
História de Portugal, se menciona explici-    1297 com cedências de ambas as partes         a combater no mar (embora possamos
tamente o recurso ao bloqueio naval.          e o estabelecimento de uma paz de 40          admitir o “beber” de alguma tradição da
                                              anos, definiu os limites das terras de Ri-    esquadra de galés do arcebispo Xelmírez,
  Em 1253, um acordo com Afonso X de          ba-Coa e garantiu a posse de importan-        que recorreu, efectivamente, aos serviços
Castela resolverá a questão da posse do       tes praças no Alentejo, junto ao Guadiana     daquele povo marítimo), mas em finais do
Algarve e das praças ao longo do Guadia-      (como Serpa e Moura), constituindo, por       século XIII, com o fim do movimento das
na, que o Tratado de Alcanizes, 45 anos       isso, um importante marco no reinado          Cruzadas e a estabilização das relações
mais tarde (com alguns ajustes face a lití-   deste monarca. Fixadas que estavam as         com o Levante, é Génova a estabelecer
gios posteriores), apenas confirmará.         fronteiras meridional e oriental, D. Dinis    carreiras regulares com o Norte da Euro-
                                              podia, finalmente, dedicar-se em pleno à      pa (sobretudo a partir de 1277), pelo que
  O rei castelhano, pelo seu lado, prosse-    reorganização administrativa do Reino e       não é de estranhar um acentuado aumen-
guia, também, para Sul, empreendendo          ao fomento do seu desenvolvimento eco-        to da presença de marinheiros genoveses
a conquista de Huelva e de Cádiz (1262),      nómico e cultural.                            em portos nacionais e, consequentemen-
onde, pela primeira vez, conforme atrás                                                     te, uma chamada de atenção da Coroa
referido, a frota de Castela terá tido ver-     Sob a sua batuta, protegeu-se o tráfico     para os seus talentos e experiência em
dadeiro protagonismo. Embora abdican-         marítimo (como sucedeu no Porto, cujos        assuntos de mar. Também Castela, que já
do da posse do Algarve, Afonso X marca-       mercadores organizaram uma bolsa de           recorrera aos préstimos da frota genove-
va claramente a sua fronteira ocidental e,    seguros) e fomentaram-se as exportações       sa durante a primeira tomada de Almeria
mais importante, fazia a sua aproximação      (principalmente de sal e peixe salgado),      (1147) saberá aproveitar a passagem des-
ao Estreito de Gibraltar.                     tendo sido fortalecidas as relações comer-    tes estrangeiros, de que seriam exemplo
                                              ciais com o Norte da Europa. As relações      os almirantes da família Boccanegra, con-
  Em 1265 os mouros reagem aos avan-          comerciais com a Liga Hanseática e com        traponto da “dinastia” Pessanha.
ços castelhanos e empreendem uma in-          a Inglaterra (tratado celebrado em 1308)
cursão no Sul. D. Afonso III envia, então,    revelar-se-iam bastante proveitosas para        A criação de uma esquadra de carácter
uma hoste (onde se incluía o infante D. Di-   Portugal, não só pela expansão da econo-      permanente seria posterior à contratação
nis, de tenra idade) e grandes forças por     mia e por uma estratégica abertura de ho-     de Pessanha, com o Papa a conceder ao
mar (desconhecem-se os efectivos) em          rizontes, mas também pelo impulso dado        Rei, em 1320, a dízima de todas as rendas
auxílio de Castela. Em carta de 16 de Feve-   à indústria naval, com a entrada de ma-       eclesiásticas do Reino durante 3 anos para
reiro de 1267, Afonso X entrega definitiva-   deiras do Norte da Europa, eventualmen-       as despesas de uma armada de galés. Ape-
mente a D. Afonso III e a seus descenden-     te mais adequadas para a navegação em         sar deste reinado ser referido como um pe-
tes o Reino do Algarve “por la ayuda que      mar alto.                                     ríodo de intensa actividade na guerra naval
nos fiziestes en nuestra guerra por mar e                                                   contra a mourama, não se registam grandes
por terra”. Além dos hipotéticos ataques        Neste contexto, a marinha militar foi       acções, excepto no que se refere à presen-
a Ceuta por D. Fuas Roupinho, regista-se,     alvo de especial atenção por parte deste      ça constante de corsários mouros, que fla-
pela primeira vez, o emprego expedicio-       monarca, sendo exemplo paradigmático a        gelavam a navegação e atacavam os portos.
nário da Marinha portuguesa. No entan-        contratação, em 1317, do genovês Emma-        Terá sido para dar resposta a esta sempre
to, o principal objectivo desta utilização –  nuelle di Pezagna (ou Manuel Pessanha)        presente ameaça, numa altura em que se
além das inegáveis vantagens da “defesa       para a comandar e dar formação às guar-       procurava fomentar a actividade marítima
em profundidade” contra as forças muçul-      nições. Como atrás referimos, já encon-       do Reino, que se procedeu à constituição
manas, detendo, no início, uma possível       tramos indícios da existência de uma ma-      de uma esquadra de guarda-costas com 3
invasão – seria essencialmente diplomá-       rinha de certo modo organizada desde          galés e 5 navios grandes redondos.
tico, visando o reconhecimento da pos-        o reinado de D. Sancho I. No entanto, só
se do Algarve por Castela. O domínio do
Estreito por Norte estaria, já, de uma vez
por todas, afastado das intenções do rei
português… Ou não?

Organização da
Marinha

  Quando D. Dinis sobe ao trono, em
1279, estava já plenamente envolvido
pelo pai nos assuntos da governação do
Reino. Com a conquista do Algarve consu-
mada, tomava as rédeas de um país ple-
namente expandido para Sul. Só a Leste
permaneciam litígios com Castela, em re-
lação aos quais cedo se apercebeu de que
dificilmente conseguiria atingir os seus in-
tentos por outra via que não a da nego-
ciação. Mas para negociar em força, even-
tualmente obtendo alguns acréscimos em
relação aos acordos de 1253, o sobera-
no não hesitou em intervir nas questões

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