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REVISTA DA ARMADA | 482
Desenho técnico original para a produção do sextante países aliados. Neste sentido, Sacadura encontrar um volume considerável de cor-
de horizonte artificial, da autoria do Almirante Gago Cabral desenvolveu todos os esforços ne- respondência trocada entre o Comandan-
Coutinho. cessários para manter, senão mesmo am- te Sacadura Cabral e diversos fabricantes
pliar o Serviço da Aeronáutica Naval, pro- aeronáuticos com vista à selecção e ob-
É precisamente um desses aparelhos, movendo a aquisição de novos aparelhos tenção do aparelho mais indicado para o
o FBA com o número “2” de matrícula da e a formação de mais pilotos aviadores efeito. Mas, para além desta, possui tam-
Aviação Naval e o número “203” de série navais. bém este Centro diversa documentação
de fabrico, que se encontra exposto no relativa aos preparativos para a viagem:
Museu de Marinha, no Pavilhão das Ga- Mas o fim da Primeira Guerra Mundial tabelas de distâncias, informações me-
leotas. Em rigor, tratar-se-á de um híbri- marca também o início de uma nova era teorológicas no Atlântico para o período
do constituído pela “coque” ou casco do para a aviação. A disponibilidade de apa- previsto para a viagem, inúmeros cálculos
número “2” e pelas asas do número “1”, relhos, decorrente do excedente de ma- e apontamentos relativos à rota a seguir
uma vez que em Abril de 1918, Sacadu- terial aeronáutico, e o grande número de e ainda esboços e desenhos técnicos para
ra Cabral sofreu um aparatoso aciden- pilotos militares formados durante o con- a produção do instrumento de navegação
te num destes hidroaviões ao amarar no flito originam a multiplicação de eventos que viria revolucionar as viagens aéreas
Tejo, com consequências apenas para o e demonstrações aéreas por entre a maio- a longa distância: o sextante de horizon-
aparelho que ficou irremediavelmente ria dos países com aviação. Sucedem-se te artificial da autoria do Almirante Gago
danificado. O FBA conservado no Museu os raids aéreos e os recordes de distância Coutinho.
de Marinha será então o resultado do tra- e velocidade com aeronaves.
balho das oficinas do CAN de Lisboa que Com efeito, a principal originalidade
em Julho desse mesmo ano conseguiram Em 1919, a visita oficial do Presidente que Gago Coutinho e Sacadura Cabral
recuperar este hidroavião2. Após ter sido do Brasil, Dr. Epitácio Pessoa, a Portugal pretendiam introduzir no seu projecto
abatido ao serviço de voo, foi mantido nos proporcionou a oportunidade para o Co- não consistia em quebrar recordes de dis-
hangares do CAN do Bom Sucesso, tendo mandante Sacadura Cabral apresentar ao tância ou velocidade, mas antes demons-
em Junho 1935 participado, ao lado do Governo Português o seu projecto para a trar a eficácia dos métodos de navegação
hidroavião “Santa Cruz”, na 1ª Exposição realização da primeira travessia aérea do aérea que pretendiam desenvolver e que
Internacional Aeronáutica de Lisboa, pro- Atlântico Sul. O primeiro centenário da permitissem conduzir em segurança a ae-
movida pelo Aero-Club de Portugal3. Des- independência do Brasil, em 1922, seria ronave sobre a imensidão do oceano. O
de 1962, ano da abertura do Museu de então o pretexto para a realização de tão Almirante Gago Coutinho desenvolveu
Marinha ao público no Mosteiro dos Je- ambiciosa viagem que ligaria Lisboa ao esse processo. Conhecedor experimenta-
rónimos, que o FBA “Shreck” número “2” Rio de Janeiro naquele ano. No entanto, do dos procedimentos de posicionamento
se encontra em exposição no Pavilhão das ainda em 1919, concretizava-se a primei- em terra e no mar, adaptou aquelas técni-
Galeotas, sendo actualmente a aeronave ra travessia aérea do Atlântico Norte, rea- cas para a sua utilização no novo meio, o
mais antiga existente em Portugal4. lizada pela Marinha Americana. Partindo ar. Para que tudo corresse bem na viagem
da Terra Nova, os hidroaviões americanos ao Brasil, era importante testar o novo
Os Raids Aéreos de 1921 alcançam os Açores, em Ponta Delgada, método numa viagem mais curta. Esta
e 1922: de Lisboa ao Fun- não sem terem registado algumas perdas, ocorreu em 22 de Março de 1921, com
chal e ao Rio de Janeiro e graças ao apoio de uma linha contínua a primeira ligação aérea entre Lisboa e a
de navios de guerra que, de 60 em 60 mi- ilha da Madeira, registada em dois álbuns
Terminada a Grande Guerra, havia ago- lhas, indicavam a direcção a seguir aos pi- fotográficos, da autoria do estúdio de fo-
ra que desenvolver os esforços necessá- lotos dos aparelhos. O trajecto entre os tografia madeirense Perestrelos, existen-
rios para a manutenção da Aeronáutica Açores e Lisboa é realizado pelo Tenente tes no arquivo fotográfico do Museu de
Naval. Essencialmente, pretendia-se que, Reed, com o qual Sacadura Cabral contac- Marinha. Concluída a viagem após cerca
após o conflito, a aviação naval portugue- ta pessoalmente no CAN do Bom Sucesso. de sete horas e meia de voo, ficou efecti-
sa não se extinguisse, finda a ameaça no vamente demonstrada a precisão dos ino-
mar e o propósito que levou à sua criação, Corrector de rumos ou “plaquê” de abatimento. vadores instrumentos de navegação uti-
à semelhança do que sucedia entre alguns lizados, os quais iriam ser determinantes
A travessia do Atlântico Norte pela Ma- no sucesso da travessia aérea do Atlântico
rinha Americana terá acelerado os prepa- Sul – Lisboa/Rio de Janeiro, realizada en-
rativos para a concretização da travessia tre 30 de Março e 17 de Junho de 19225.
do Atlântico Sul, para o qual Sacadura Ca-
bral começou imediatamente a estudar Estes instrumentos, o sextante de hori-
e delinear o projecto para a viagem. O zonte artificial desenhado por Gago Cou-
Governo Português concedeu-lhe todo o tinho e o “corrector de rumos” ou “pla-
apoio, político, logístico e financeiro, no- quê de abatimento” desenvolvido em
meando-o adido aeronáutico junto das conjunto com Sacadura Cabral, utiliza-
Legações de Portugal em Paris, Londres e dos na viagem de teste Lisboa-Funchal
Washington, enquanto durasse a comis- em 1921, e consagrados na primeira
são de serviço para organizar a tentativa travessia aérea do Atlântico Sul, no ano
de travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro. seguinte, ocupam lugar de destaque no
acervo relativo à Aviação Naval, em ex-
Uma vez mais, no Centro de Documen- posição no Pavilhão das Galeotas do Mu-
tação do Museu de Marinha, podemos seu de Marinha. Mas, para além destes,
outras peças ajudam a contar a história
desta perigosa viagem. Os fragmentos
dos flutuadores e alguns manómetros
do hidroavião “Lusitânia”, o primeiro uti-
lizado para a viagem e irremediavelmen-
te perdido ao tentar amarar junto aos
penedos de S. Pedro e S. Paulo, em ple-
no oceano Atlântico, representam de for-
ma expressiva os riscos que sempre esti-
veram associados a tamanha empresa e
que, por diversas vezes, quase ditaram o
seu fim6. Mas encontra-se também em
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