Page 11 - Revista da Armada
P. 11

REVISTA DA ARMADA | 488

Pirataria marítima

da ficção à realidade

O iate de luxo francês Le Ponant, com 30 tripulantes a bordo, foi sequestrado no Golfo de Adem por piratas somalis. Estávamos
a 4 de abril de 2008 quando o mundo acordou, através deste sequestro, para a pirataria marítima contemporânea. Foi o des-
pertar para uma nova realidade, que muitos pensavam extinta. Seguiram-se muitos outros sequestros, alguns deles bastan-
te mediáticos, dos quais destaco o caso do navio ucraniano Faina ocorrido no dia 25 de setembro de 2008, a cerca de 280 mi-
lhas náuticas a leste de Mogadíscio, a capital da Somália, quando transportava, entre outro material, 33 tanques T-72, de fa-
brico russo, lançadores de granadas e munições. Durante semanas, este caso foi notícia de relevo em todos os telejornais.

Na verdade a pirataria nunca nos abandonou, esteve, sim, ador-           Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
     mecida durante décadas. Esta prolongada ausência contribuiu       Mar, só podemos considerar como sendo “pirataria marítima” os atos
seriamente para que fosse praticamente esquecida e ignorada, a         ilícitos2 cometidos fora do mar territorial3, sendo que todos os outros
ponto de ter desaparecido da moldura penal da grande maioria dos       do mesmo género, cometidos dentro desse ou em águas interiores,
países, ou seja, há muito que tinha sido considerada como não re-      e de acordo com a Resolução da IMO A.1025(26)4, são classificados
presentando qualquer tipo de perigo para a humanidade. Desen-          como “assaltos à mão armada contra navios”. No entanto, neste ar-
ganem-se aqueles que julgam que esta moderna versão apareceu           tigo, por conveniência, vai ser utilizada genericamente a expressão
subitamente em 2008, porque isso não corresponde à verdade. Ela        “pirataria marítima” ou apenas “pirataria” para ambas as situações.
foi aumentando paulatinamente desde 1994, tendo no ano 2000,
segundo o IMB1, ocorrido 469 atos de pirataria marítima, o maior       A Pirataria na Somália está controlada.
número deste tipo de atos ilícitos dos últimos 25 anos. Desde então,   É necessário preservar essa conquista
o número de ocorrências tem variado de ano para ano, ora aumen-
tando ora decrescendo, sem nunca, contudo, baixar dos 230 atos           O número de atos de pirataria marítima nas águas da Somália
por ano.                                                               tem vindo a diminuir nos últimos anos devido a uma conjuga-
                                                                       ção de fatores de diversa ordem. Entre eles destacam-se a apli-
   Esta atividade ilícita tem vindo a afetar em larga escala o comér-  cação de melhores práticas antipirataria por parte das tripula-
cio marítimo global e a onerar em milhões de dólares a comunida-       ções dos navios, a existência de equipas de segurança armadas
de internacional. Em apenas 3 décadas passou da mera ficção dos        a bordo, a contínua presença de forças navais internacionais no
livros e dos filmes, para notícia de abertura dos telejornais e para   mar e a atuação mais efetiva da justiça a nível internacional, a
manchete dos jornais. A pirataria tornou-se assim num negócio,
permitindo aos seus atores, em alguns casos, arrecadarem milha-
res de dólares por cada ataque pirata. Ela assume atualmente uma
posição de relevância no vasto espetro do crime transnacional em
ambiente marítimo, do qual fazem parte os tráficos humano, de
drogas e de armas, o transporte de lixo tóxico e o terrorismo ma-
rítimo (com pouca expressão até à presente data), entre outros.

                                                                       AGOSTO 2014 11
   6   7   8   9   10   11   12   13   14   15   16