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          Marinha,









          700 ANOS A SERVIR PORTUGAL NO MAR




            Marinha Portuguesa foi formalmente   tempo, criando assim as condições para o   que se iniciou o Grande Cisma do Ocidente,
         A criada em 1 de fevereiro de 1317. Este   desenvolvimento naval que Portugal veio a   com a existência simultânea de dois Papas,
          assunto já foi abordado num breve, mas bas-  conhecer nos séculos seguintes.  que também teve grande influência nas re-
          tante elucidativo, texto publicado na Revista   Os descendentes de Pessanha serviram   lações entre os diferentes estados europeus.
          da Armada de fevereiro do corrente ano. O   como Almirantes de Portugal durante mais   Além  disso,  D.  Fernando  participou  ainda
          objetivo do presente artigo, assim como de   de um século. A sucessão na família foi inter-  nalgumas lutas de sucessão em Castela. Esta
          outros que se seguem, é explicar, com um   rompida porque um deles não deixou des-  conjuntura levou Portugal a envolver-se por
          pouco mais de detalhe, a génese da Marinha,   cendentes. O cargo de Almirante de Portugal,   diversas vezes em guerra contra este último
          assim como realçar alguns dos momentos da   manteve-se ao longo dos séculos, embora   reino. Nestes conflitos ocorreram várias ba-
          vida nacional nos quais a Marinha desem-  com o decorrer do tempo se tenha tornado   talhas no mar, tendo Portugal perdido parte
          penhou um papel de relevo. Muitos outros   num cargo honorífico. No entanto, as raízes   dos seus meios navais de combate.
          factos poderiam ter sido escolhidos, no en-  estavam lançadas, desde o reinado de D. Di-  A resolução de conflitos naquela época im-
          tanto,  aqueles  que  aqui  são  apresentados   nis, e os frutos foram surgindo. D. Afonso IV,   plicava geralmente a celebração de casamen-
          permitem perceber a importância da Mari-  filho de D. Dinis, fomentou as atividades náu-  tos entre membros das várias casas reinantes.
          nha, mesmo em períodos durante os quais o   ticas, existindo referências à participação de   Em 1383, com a morte de D. Fernando I, o rei
          Mar não era a principal prioridade de quem   navios e marinheiros portugueses em expe-  de Castela reivindicou o trono de Portugal,
          governava o país.                 dição até às Canárias, durante o seu reinado.  pois era casado com a filha de D. Fernando.
           A Marinha nasceu oficialmente com a as-  D.  Fernando  I,  o  último  monarca  da  pri-  Iniciou-se um período de conflito contra Cas-
          sinatura de um contrato entre D. Dinis e o   meira dinastia, também tomou um conjunto   tela,  que  militarmente  ficou  resolvido  em
          genovês Manuel Pessanha. Através do con-  de  medidas  relevantes  para  o  desenvolvi-  agosto de 1385, na Batalha de Aljubarrota,
          trato este último é nomeado Almirante do   mento  da  construção  naval  e  da  utilização   mas a paz só chegou com a assinatura do Tra-
          Reino  de  Portugal.  O  texto  estabelece  os   dos  navios,  nomeadamente  em  atividades   tado de Ayllón, em 1411. Em 1383, o Mestre
          direitos  e  obrigações  de  ambas  as  partes,   económicas. De entre as medidas tomadas   de Avis, D. João, filho bastardo de D. Pedro I,
          estipulando que o cargo de Almirante seria   é de realçar a fundação da Companhia das   logo meio-irmão de D. Fernando, assumiu o
          hereditário. Os seus descendentes ficavam   Naus, para permitir a proteção mútua dos   papel de Regedor e Defensor do Reino, contra
          obrigados a servir os sucessivos monarcas,   marítimos  portugueses  incentivando  deste   a ameaça de Castela. Em 1385, foi escolhido
          nas mesmas condições e com os mesmos   modo o comércio por mar. A criação desta   para rei de Portugal.
          direitos e privilégios que eram atribuídos a   Companhia  das  Naus  surge  dentro  de  um   No conflito entre Portugal e Castela, as tro-
          Manuel Pessanha.                  conjunto mais alargado de medidas de apoio   pas castelhanas invadiram o território portu-
           Note-se que o cargo de Almirante não sur-  e proteção ao comércio por mar. De entre   guês por duas vezes. A primeira ocorreu em
          giu em Portugal com a assinatura deste con-  estas são de destacar a isenção de taxas na   1384 e o rei de Castela cercou Lisboa, defen-
          trato. Conhecem-se referências ao mesmo,   primeira  viagem,  fornecimento  gratuito  de   dida  pelo  Mestre  de  Avis.  Sabia-se  que  se
          pelo menos desde o final do século anterior,   madeiras, redução de impostos nas viagens   esta cidade caísse nas mãos dos castelhanos,
          e a partir de 1307 a função passou a ser de-  seguintes.  Quanto  à  dita  Companhia  tinha   dificilmente  Portugal  conseguiria  manter  a
          sempenhada por Nuno Fernandes Cogomi-  como  objetivo  a  proteção  mútua  dos  pro-  sua  independência,  pois  já  naquela  época
          nho. No entanto, este tinha competências   prietários de navios. Funcionava em moldes   Lisboa era o centro nevrálgico do reino.
          essencialmente  administrativas,  não  exer-  semelhantes aos atuais seguros. Em caso de   O cerco durou meses, como era comum na
          cendo funções de comando. Pelo contrário,   perda de algum navio por mau tempo ou ata-  época. O objetivo era levar os sitiados a ren-
          na sequência do contrato com Pessanha, o   que, esse prejuízo seria dividido por todos os   derem-se, pela impossibilidade de reabaste-
          monarca passou a dispor de uma Marinha   elementos da Companhia. Os navios do rei   cimento da cidade. Preparou-se no norte do
          de Guerra ao serviço do reino. Pessanha   também pertenciam à Companhia o que lhe   país uma frota de apoio às tropas sitiadas.
          possuía grande experiência de mar, já de-  dava uma importância acrescida.  Por seu lado, os castelhanos dispunham de
          monstrada em diferentes locais, e foi para   O reinado de D. Fernando decorre numa   uma considerável esquadra que controlava
          aproveitar  essa  experiência  de  comando   época de crise, tanto a nível nacional como   os movimentos no Tejo. Alguns dos navios
          que D. Dinis o contratou. O Almirante tinha   europeu.  Começou  a  reinar  pouco  depois   portugueses,  comandados  por  Rui  Pereira,
          ainda a obrigação de trazer, de Génova, vinte   da grande epidemia da Peste Negra, que di-  tio de Nuno Álvares Pereira, enfrentaram os
          «homens sabedores de mar», que ficavam   zimara quase metade da população portu-  navios de Castela, permitindo assim a passa-
          responsáveis pela chefia das tripulações das   guesa e cujas consequências se prolongaram   gem dos restantes. No combate morreram
          galés que seriam usadas na defesa dos in-  por décadas. Reinou durante a Guerra dos   diversos portugueses, incluindo o próprio Rui
          teresses de Portugal, contra todos os seus   Cem Anos, conflito entre França e Inglaterra,   Pereira. Em termos práticos, o apoio que che-
          inimigos. Com este processo, D. Dinis trouxe   mas que envolveu diversos outros reinos   gou a Lisboa, foi pequeno. Mas o sacrifício
          para Portugal homens detentores dos mais   europeus, que se aliaram a um ou outro dos   não foi em vão, pois ficou demonstrado que
          avançados conhecimentos náuticos do seu   contendores. Foi ainda durante o seu reinado   era possível furar o bloqueio, o que permitiu


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