Page 24 - Revista da Armada
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12 MAR TERRITORIAL
PARTE 5*
A JURISDIÇÃO PENAL A BORDO
DE NAVIOS ESTRANGEIROS
á havíamos feito referência, em artigo anterior, que o em âmbitos em que a textura legal que estabelece o(s)
Jquadro de intervenção de autoridades do Estado Cos- acto(s) a executar tem que ser muito precisa. Vem isto a
teiro, ou do Porto, a bordo de navios com bandeira não propósito da utilização de fórmulas demasiado amplas nas
nacional se constitui como uma condicionante ao facto alíneas a) e b), do nº 1, do preceito, embora se entenda
da soberania em espaços marítimos territoriais não ser de que a expressão da alínea b) tem como base um enquadra-
exercício pleno. Importa, pois, perceber as especificidades mento prévio que consta do nº 2, do artigo 19º da Conven-
DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
deste regime que consta do artigo 27º da Convenção de ção. Assim, “…consequências para o Estado costeiro” pode,
Montego Bay de 1982. consoante a terminologia específica de segurança em uso
Em termos teóricos, aquela intervenção perante um ilícito em determinado Estado, ter uma conotação mais restritiva
de tipo penal que tenha sido cometido a bordo de navio do que a que for assumida noutros ordenamentos jurídicos.
está restringida a um conjunto de actuações muito precisas Não cabe aqui desenvolver esta matéria, que exigirá ade-
que as autoridades podem assumir, sendo apenas quatro quado desenvolvimento.
as situações em que pode existir uma acção perante um Deve referir-se, contudo, que a Convenção tem, neste
navio com pavilhão não nacional: 1) se estiver em causa um âmbito, e na Parte II – Mar Territorial e Zona Contígua – ,
ilícito criminal que tenha consequências para o Estado Cos- dois preceitos que se constituem como a moldura de exer-
teiro; 2) se for um ilícito de uma natureza tal que perturbe cício dos poderes do Estado Costeiro e que, de uma forma
a paz do Estado ou a ordem no Mar Territorial (MT); 3) se expressiva, complementam o entendimento algo abstracto
a assistência das autoridades for solicitada pelo capitão do que consta da supramencionada alínea a), do nº 1, do artigo
navio ou pelo representante diplomático ou pelo funcioná- 27º; são eles o artigo 25º, sob epígrafe Deveres de Proteção
rio consular do Estado de Bandeira (Flag State) do navio; 4) do Estado costeiro, e o artigo 39º, que determina os Deveres
se a intervenção for necessária para a repressão do tráfico dos navios e aeronaves durante a passagem em trânsito.
ilícito de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas . Mas vem aquela questão, igualmente, a propósito da
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Esta expressão normativa, reflectida no nº 1, do artigo forma como está preceituado o nº 2, do mencionado artigo
27º, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do 27º, e da sua relação com o estabelecido no seu nº 3. Rege
Mar (CNUDM), impõe, à partida, duas clarificações. A pri- o nº 2 que “As disposições precedentes não afectam o
meira, fundamental – que é sempre a título de excepção, direito do Estado costeiro de tomar as medidas autorizadas
face ao princípio do Flag State –, é que toda a intervenção pelo seu direito interno, a fim de proceder a apresamento e
das autoridades de terra só será admissível se o objectivo investigações a bordo de navio estrangeiro que passe pelo
for salvaguardar um bem superior, designadamente no seu mar territorial procedente de águas interiores.”. O legis-
âmbito da defesa e da segurança do próprio Estado Cos- lador internacional introduz no normativo dois elementos
teiro, ou impedir a realização de um crime internacional importantes: 1) o preceito salvaguarda a situação de um
que tenha repercussões no seu espaço soberano, em espe- navio que saia das águas interiores do Estado Costeiro (do
cial o tráfico de estupefacientes. Uma segunda clarificação porto, por exemplo), facto que tem, desde logo, uma impli-
prende-se com a ressalva da assistência das
autoridades ter sido solicitada pelo capitão do
navio ou por autoridades diplomáticas ou con-
sulares do seu Estado; isto é, a salvaguarda do
princípio do regime da Bandeira a bordo dos
navios nela registados, uma vez que, neste caso
previsto na alínea c), do nº 1, do artigo 27º, as
autoridades de terra não intervêm por sua ini-
ciativa mas apenas quando tal lhes é solicitado
pela autoridade do navio ou pelas autoridades
do seu Estado.
Sabemos que toda esta codificação aprovada
em Montego Bay em 1982 conheceu um longo
processo de discussão, acerto e progressiva
alteração e configuração de vontades e de arti-
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culados , de que resultaram, em variadas maté-
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rias, conjuntos expressivos por vezes de difícil
apreensão, facto que tem um especial impacto DR