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REVISTA DA ARMADA | 523












          cação óbvia se os seus responsáveis prati-
          caram, eventualmente, um ilícito criminal
          naquele espaço soberano, podendo ficar
          sujeitos à legislação penal do Estado do
          Porto ; 2) a ressalva de que o regime do
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          nº 1 não é limitativo da intervenção das
          autoridades do Estado Costeiro, podendo
          estas proceder a investigações a bordo e
          a  medidas  de  apresamento,  o  que  até
          salvaguarda, no aplicável, uma lógica de
          execução de medidas cautelares.
           Os nºs 3 e 4 do artigo 27º são de cariz
          processual, mas de extrema importância
          material. Com efeito, a Convenção prevê
          uma ressalva procedimental antes que as
          autoridades  do  Estado  Costeiro  possam   DR
          materializar  a  sua  intervenção  a  bordo.
          Estatui-se no nº 3 que “Nos casos previstos nos nºs 1 e 2, o Estado   artigo 27º da Convenção, a reforma efectuada em 2002 no âmbito da
          costeiro deverá, a pedido do capitão, notificar o representante   legislação respeitante à Autoridade Marítima propiciou um conjunto
          diplomático ou consular do Estado de bandeira antes de tomar   normativo  que  reestruturou  as  responsabilidades  da  Autoridade
          quaisquer medidas e facilitar o contacto entre esse representante   Marítima Local (AML). Assim, define-se na alínea k), do nº 2, do artigo
          ou funcionário  e  a tripulação do navio.  Em caso de urgência,   13º, do Decreto-Lei nº 44/2002, de 2 de Março, que compete ao capi-
          essa  notificação  poderá  ser  feita  enquanto  as  medidas  estive-  tão do porto (…) “k) Exercer a autoridade do Estado a bordo de navios
          rem sendo tomadas.”. Devido à urgência de casos especiais de   ou embarcações comunitárias e estrangeiros, observados os requi-
          intervenção a bordo (sequestro de tripulante, tomada de reféns ,   sitos preceituados no artigo 27º da Convenção das Nações Unidas
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          agressões  físicas  a  oficiais,  sabotagem  de  máquinas,  e  outros   sobre o Direito do Mar, quando se verifiquem alterações da ordem
          tipos criminais de igual gravidade), aquela comunicação que a   pública, ocorrência de indícios criminais ou quando os mesmos se
          lei estabelece é efectuada, já durante a acção das autoridades a   encontrem sem capitão ou em processo de abandono.”. Usando uma
          bordo, ao cônsul da Bandeira do navio, sendo este um procedi-  lógica jurídica que articula o regime do nº 1 do mencionado artigo
          mento imprescindível uma vez que lhe estão cometidas funções   27º com a necessidade de enquadrar a intervenção da AML a bordo,
          de autoridade marítima.                             o legislador incluiu, ainda, a previsão de acção interventiva quando
           O nº 4 introduz uma ressalva expressa quanto aos interesses da   o navio estiver sem capitão ou em processo de abandono, situação
          navegação, se estiver em causa a necessidade de apresamento   que tem, num significativo número de vezes, consequências nefastas
          do navio e a forma de o executar. A Convenção usa este tipo de   para os regimes da navegação e do porto do Estado Costeiro.
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          ressalvas  noutros  normativos ,  visando  evitar  abusos  de  inter-                               
          venção ou acções desnecessariamente prolongadas que interfi-                          Dr. Luís da Costa Diogo
          ram directamente com as obrigações mercantis de armadores,                 CHEFE DO GABINETE JURÍDICO DA DGAM
          proprietários, gestores náuticos e carregadores.    * A Parte 4 foi publicada na RA nº 520 de julho de 2017.
           O nº 5 prevê uma restrição à intervenção das autoridades do
          Estado  Costeiro  no  caso  de  infracção  penal  cometida  antes  do
          navio entrar no MT; essa restrição prende-se com o facto do navio,   Notas
                                                                 Não obstante não residir nesta Convenção a regulação internacional da matéria
          se proceder de um porto não nacional, apenas navegar pelo MT   1 respeitante à intervenção perante o tráfico de estupefacientes – que é enquadrada
          em passagem sem entrar em águas interiores. Neste caso, a Con-  e regulada pela Convenção de Viena de 1988, aprovada pelo Decreto do Presidente
          venção  proíbe  qualquer  intervenção  quer  seja  para  proceder  a   nº 45/91, de 06SET –,  encontramos, num conjunto relevante de preceitos, referên-
          uma investigação, quer seja com o fim de deter algum membro   cias expressas a esta matéria; os mais significativos são precisamente esta alínea d),
                                                               do nº 1, do artigo 27º, a alínea g), do nº 2, do artigo 19º e o artigo 108º.
          da tripulação. Esta matéria impõe, contudo, duas clarificações: 1)   2  Ver análise evolutiva sobre a III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito
          Exceptuam-se da proibição as situações em que se torna necessá-  do Mar (1973-1882), em “Direito do Mar”, Armando Marques Guedes, 2ª Edição,
          rio aplicar o regime dos artigos 55º a 75º (Parte V), e o regime da   COIMBRA Editora, 1998.
                                                                 Ver desenvolvimentos em “Direito Internacional do Mar e temas de Direito Marí-
          protecção do meio marinho, enquadrado e estabelecido na Parte   3 timo”, Luís da Costa Diogo e Rui Januário, ÁREAS EDITORA, 2000.
          XII, na qual se permite a intervenção do Estado Costeiro nas águas   4  Dependendo, entre outros elementos, da aplicação das regras de direito interna-
          sob sua jurisdição, consoante o tipo de ilícitos em causa; 2) Em   cional privado e do regime da qualificação do ilícito.
          termos de matriz aplicável, e não obstante a estatuição do nº 5,   5  Na última década e meia, ocorreram pelo menos 5 situações em que estiveram
          é útil ressalvar aquelas situações em que do quadro do ilícito pra-  em causa estes dois primeiros tipos criminais e que propiciaram uma intervenção
                                                               a bordo da Autoridade Marítima, e da Polícia Marítima em particular, tendo em 3
          ticado a bordo existam consequências para o espaço jurisdicional   delas a sua intervenção sido expressamente solicitada pelo capitão do navio.
          do Estado Costeiro, em especial atento o preceituado, na forma   6  Entre outros, na alínea a), do nº1, e no nº2, ambos do artigo 226º, existindo suce-
          conjugada, nos artigos 33º, 73º e 292º da Convenção.  dâneos desta preocupação na alínea a), do nº1, do artigo 25º, e no âmbito material
                                                               da Parte XII da Convenção, designadamente no final do nº3 do artigo 218º.
            No quadro do direito interno, e em observância ao estatuído no

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