Page 25 - Revista da Armada
P. 25
REVISTA DA ARMADA | 523
cação óbvia se os seus responsáveis prati-
caram, eventualmente, um ilícito criminal
naquele espaço soberano, podendo ficar
sujeitos à legislação penal do Estado do
Porto ; 2) a ressalva de que o regime do
4
nº 1 não é limitativo da intervenção das
autoridades do Estado Costeiro, podendo
estas proceder a investigações a bordo e
a medidas de apresamento, o que até
salvaguarda, no aplicável, uma lógica de
execução de medidas cautelares.
Os nºs 3 e 4 do artigo 27º são de cariz
processual, mas de extrema importância
material. Com efeito, a Convenção prevê
uma ressalva procedimental antes que as
autoridades do Estado Costeiro possam DR
materializar a sua intervenção a bordo.
Estatui-se no nº 3 que “Nos casos previstos nos nºs 1 e 2, o Estado artigo 27º da Convenção, a reforma efectuada em 2002 no âmbito da
costeiro deverá, a pedido do capitão, notificar o representante legislação respeitante à Autoridade Marítima propiciou um conjunto
diplomático ou consular do Estado de bandeira antes de tomar normativo que reestruturou as responsabilidades da Autoridade
quaisquer medidas e facilitar o contacto entre esse representante Marítima Local (AML). Assim, define-se na alínea k), do nº 2, do artigo
ou funcionário e a tripulação do navio. Em caso de urgência, 13º, do Decreto-Lei nº 44/2002, de 2 de Março, que compete ao capi-
essa notificação poderá ser feita enquanto as medidas estive- tão do porto (…) “k) Exercer a autoridade do Estado a bordo de navios
rem sendo tomadas.”. Devido à urgência de casos especiais de ou embarcações comunitárias e estrangeiros, observados os requi-
intervenção a bordo (sequestro de tripulante, tomada de reféns , sitos preceituados no artigo 27º da Convenção das Nações Unidas
5
agressões físicas a oficiais, sabotagem de máquinas, e outros sobre o Direito do Mar, quando se verifiquem alterações da ordem
tipos criminais de igual gravidade), aquela comunicação que a pública, ocorrência de indícios criminais ou quando os mesmos se
lei estabelece é efectuada, já durante a acção das autoridades a encontrem sem capitão ou em processo de abandono.”. Usando uma
bordo, ao cônsul da Bandeira do navio, sendo este um procedi- lógica jurídica que articula o regime do nº 1 do mencionado artigo
mento imprescindível uma vez que lhe estão cometidas funções 27º com a necessidade de enquadrar a intervenção da AML a bordo,
de autoridade marítima. o legislador incluiu, ainda, a previsão de acção interventiva quando
O nº 4 introduz uma ressalva expressa quanto aos interesses da o navio estiver sem capitão ou em processo de abandono, situação
navegação, se estiver em causa a necessidade de apresamento que tem, num significativo número de vezes, consequências nefastas
do navio e a forma de o executar. A Convenção usa este tipo de para os regimes da navegação e do porto do Estado Costeiro.
6
ressalvas noutros normativos , visando evitar abusos de inter-
venção ou acções desnecessariamente prolongadas que interfi- Dr. Luís da Costa Diogo
ram directamente com as obrigações mercantis de armadores, CHEFE DO GABINETE JURÍDICO DA DGAM
proprietários, gestores náuticos e carregadores. * A Parte 4 foi publicada na RA nº 520 de julho de 2017.
O nº 5 prevê uma restrição à intervenção das autoridades do
Estado Costeiro no caso de infracção penal cometida antes do
navio entrar no MT; essa restrição prende-se com o facto do navio, Notas
Não obstante não residir nesta Convenção a regulação internacional da matéria
se proceder de um porto não nacional, apenas navegar pelo MT 1 respeitante à intervenção perante o tráfico de estupefacientes – que é enquadrada
em passagem sem entrar em águas interiores. Neste caso, a Con- e regulada pela Convenção de Viena de 1988, aprovada pelo Decreto do Presidente
venção proíbe qualquer intervenção quer seja para proceder a nº 45/91, de 06SET –, encontramos, num conjunto relevante de preceitos, referên-
uma investigação, quer seja com o fim de deter algum membro cias expressas a esta matéria; os mais significativos são precisamente esta alínea d),
do nº 1, do artigo 27º, a alínea g), do nº 2, do artigo 19º e o artigo 108º.
da tripulação. Esta matéria impõe, contudo, duas clarificações: 1) 2 Ver análise evolutiva sobre a III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito
Exceptuam-se da proibição as situações em que se torna necessá- do Mar (1973-1882), em “Direito do Mar”, Armando Marques Guedes, 2ª Edição,
rio aplicar o regime dos artigos 55º a 75º (Parte V), e o regime da COIMBRA Editora, 1998.
Ver desenvolvimentos em “Direito Internacional do Mar e temas de Direito Marí-
protecção do meio marinho, enquadrado e estabelecido na Parte 3 timo”, Luís da Costa Diogo e Rui Januário, ÁREAS EDITORA, 2000.
XII, na qual se permite a intervenção do Estado Costeiro nas águas 4 Dependendo, entre outros elementos, da aplicação das regras de direito interna-
sob sua jurisdição, consoante o tipo de ilícitos em causa; 2) Em cional privado e do regime da qualificação do ilícito.
termos de matriz aplicável, e não obstante a estatuição do nº 5, 5 Na última década e meia, ocorreram pelo menos 5 situações em que estiveram
é útil ressalvar aquelas situações em que do quadro do ilícito pra- em causa estes dois primeiros tipos criminais e que propiciaram uma intervenção
a bordo da Autoridade Marítima, e da Polícia Marítima em particular, tendo em 3
ticado a bordo existam consequências para o espaço jurisdicional delas a sua intervenção sido expressamente solicitada pelo capitão do navio.
do Estado Costeiro, em especial atento o preceituado, na forma 6 Entre outros, na alínea a), do nº1, e no nº2, ambos do artigo 226º, existindo suce-
conjugada, nos artigos 33º, 73º e 292º da Convenção. dâneos desta preocupação na alínea a), do nº1, do artigo 25º, e no âmbito material
da Parte XII da Convenção, designadamente no final do nº3 do artigo 218º.
No quadro do direito interno, e em observância ao estatuído no
NOVEMBRO 2017 25