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REVISTA DA ARMADA | 523
mento pelos princípios da ética e da honra. Isso implica compo- para adquirirem experiência marinheira, respeitando os elemen-
nentes específicas de formação, que contribuem para a “condição tos, sem medo, mas com absoluta consciência do que é necessário
militar”. Dentre essas componentes, aquela que verdadeiramente para serem praticantes competentes da navegação, garantindo o
distingue os militares dos outros cidadãos é o conjunto de valores cumprimento da missão.
que devem enformar o seu ideal de trabalho e sentido do dever,
bem como a consciência cívica e o comportamento social. A FORMAÇÃO CIENTÍFICA
São valores como a abnegação, a disciplina, a franqueza, a inicia-
tiva e a lealdade. E, também, a camaradagem, a coragem, a honra, o Finalmente, é fundamental que os cadetes tenham adequada for-
sentido de justiça, a obediência e a tenacidade. Por se tratar de futu- mação científica, equilibrando as ciências exatas com as ciências
ros oficiais, deve, ainda, ser concedida particular atenção ao desen- sociais e as humanidades, de forma a dominarem, com solidez, os
volvimento de boas capacidades de comando, que lhes permitam saberes necessários ao seu ofício de oficiais da Armada.
destacar-se pelo caráter, pelo espírito, pela educação, pela cultura e Num mundo cada vez mais evoluído tecnologicamente, as ciências
pelo exercício do dever de tutela. exatas são fundamentais para permitir, aos futuros oficiais, poten-
O cultivo e a prática destes valores potenciarão as qualidades de ciar a exploração operacional das plataformas, sistemas e equipa-
liderança dos futuros oficiais, fomentando o seu patriotismo, o seu mentos que lhes são disponibilizados.
espírito de sacrifício e a sua capacidade de adaptação a novas situa- Contudo, considero que a instrução dos nossos cadetes não poderá
ções, bem como a capacidade para inspirar os outros a pensar e a agir. descurar as ciências sociais e as humanidades, designadamente o
estudo da história marítima e militar, das relações internacionais,
A FORMAÇÃO MARINHEIRA da estratégia, do comportamento organizacional e da liderança,
assim enriquecendo a formação humanística dos futuros oficiais da
Já no século XVI o Padre Fernando Oliveira afirmava que “o ofí- Armada e preparando-os para superar desafios com astúcia e arrojo.
cio dos marinheiros … requer muito uso; se for possível devem ser Dessa forma, um adequado equilíbrio entre as ciências exatas, as
criados de meninos entre as cordas e os aparelhos”. Com efeito, ciências sociais e as humanidades, permitirá, seguramente, desen-
nenhum oficial da Armada poderá dispensar a formação mari- volver saberes multidisciplinares sólidos, que lhes permitam enfren-
nheira, pois as marinhas existem para andar no mar. E isso, como tar o presente, moldando o futuro da Marinha.
bem disse o navegador francês Eric Tabarly, “não é para imposto-
res, pois se, nalgumas profissões é possível enganar as circunstân- CONCLUSÃO
cias impunemente, no mar, ou se sabe, ou não se sabe”.
E porque os saberes marinheiros, além da base teórica impres- O reconhecimento das vertentes militar, marinheira e científica
cindível, têm muito de empírico, só embarcando é que se apren- da formação dos futuros oficiais da Armada, deve ter uma tradução
dem as habilidades necessárias para andar no mar em segurança. direta na estrutura orgânica da Escola Naval. Foi, por isso mesmo,
Por isso, é fundamental que os cadetes embarquem muito e bem, que já se implementou um órgão de conselho responsável por
cada uma dessas vertentes. Assim, além das comissões científica
e pedagógica, foram recentemente instituídos órgãos de conselho
para a formação militar e para a formação marinheira, de forma
a dar orientações e a propor medidas conducentes ao reforço de
cada uma das vertentes em apreço, conferindo-lhes também, dessa
forma, maior dignidade institucional e académica.
Espero que, da adequada conjugação destas três vertentes essen-
ciais à formação dos futuros oficiais da Armada, resulte a experiên-
cia náutica e os conhecimentos técnicos necessários às operações
navais e marítimas, ao mesmo tempo que produza uma matriz com-
portamental e ética capaz de fortalecer as suas raízes e de potenciar
o seu sentido de serviço. Em suma, que o aperfeiçoamento orgânico
da Escola Naval habilite os jovens oficiais a servir Portugal no mar, de
forma eficaz, competente e esclarecida.
António Silva Ribeiro
Almirante
NOVEMBRO 2017 7