Page 193 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS bE MARINHEIROs/96
Algo faltava ainda ...
sta uma velha história de
muitos anos, ocorrida a bordo
Ede um aviso de 2." classe,
por ocasião de uma longa comissão
de serviço no Oriente.
Decorridos largos meses, a guar-
nição era como se fosse uma grande
família. A convivência forçada nos !i-
mites estreitos de uma caixa de fe"o,
obrigando a uma vivência comum e
permanente, acabara por criar laços
de amizade que a todos envolvia
numa espessa trama.
Pouco a pouco, ao longo do tem-
po, nos actos de serviço e nas horas
de folga, oficiais, sargentos e praças
foram-se conhecendo mutuamente.
Não havia qualidade que não se re-
conhecesse, ou delelL 1I .... "or que
não acabasse por ser tolerado, na-
quela sábia transigência tão neces-
sária à pacífica harmonia da vida de
bordo.
Sabiam-se as terras de origem, a
composição das familias e até, quan- maçáo corajosa que, a seus olhos, toa, chegou a bordo, intempestiva-
ta vez, os projectos futuros. as circunstâncias impunham. mente, uma mensagem de Lisboa
Irmanava-os a todos a saudade Encontrando·se o navio em Ti- que o tenente, nosso conhecido,
profunda do pars distante, na incerte- mor, recebeu ordens, finalmente, dentro das suas funções, fez presen-
za da hora do regresso, ainda inde- para regressar à metrópole, tocando te, decifrada, ao comandante.
terminada. em Moçambique. Nela se continha, simplesmente,
O comandante do navio era um Apresentavam-se duas alternati- uma ordem seca e terminante. Nada
homem simples, franco e directo. Ti- vas: ou a viagem directa, através do menos que a negação frontal da de-
nha, apenas, o fraco de se gabar, índico, numa SÓ tirada, ou sucessi· cisão que o comandante tomara
com frequência, das sólidas relações vas escalas, menos fatigante decer- quanto às sucessivas escalas da via-
que mantinha nas altas esferas da to, por portos asiáticos. gem, intimando a travessia directa
Corporação. Gostava mesmo de as Já o navio se encontrava em Ba- do índico:
fundamentar. E, assim, recordava lávia, nas índias Holandesas de en- «Siga paralelo 3 graus sul».
velhas camaradagens da Escola Na- tão, quando o comandante, por ini- O comandante, retendo nas
val, comissões trabalhosas em cli- ciativa própria, se decidiu pela se- mãos trémulas a mensagem inopina-
mas hostis, ou referia, até, temporais gunda alternativa. Ao fazê-lo, e em da, parecia não acreditar no que lia.
no mar alto, onde a solidariedade no conversas com os oficiais, não dei- Sentia desmoronar, de repente, den-
perigo cimenta amizades para a vida xou de salientar a certeza do apoio tro de si, a convicção profunda dos
inteira. tácito das altas autoridades de Mari- apoios seguros que só a sua imagi-
Os oficiais, jovens na sua maio- nha à resolução tomada. E, como fa- nação entretivera durante tanto
ria, constitufam um grupo equitibrado zia tantas vezes, resumiu, numa fra- tempo.
e coeso. Apenas um tenente sobres- se habitual, a realidade do apoio que E o tenente, impiedoso, não
saía entre todos por uma personali- tanto o envaidecia: resistiu em comentar:
dade mais vincada. Inteligente, bom - «Eles» dáo-me toda a lati- - Ar está a latitude, senhor
profissionat - era o chefe do Serviço tude ... comandante ...
de Comunicações -, jamais se coi· Largou. assim, o navio de Batá-
bia, junto do comandante ou do ime- via, rumo a Colombo, na ilha de Cei- Silva Braga,
diato, do comentário duro ou da afir- lão, quando. já pelo través do Kraka· v/sIm.
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