Page 262 - Revista da Armada
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António Botto Pelo cap.-frag.  Cristóvão Moreira

                     Ant6nio Bolto é  um estel8 grego nascido
                     num exílio longínquo.  Ama a Pátria perdida
                     com a devoção  violenta de quem não poderá
                     "Ditar a ela.  Dai o que na sua obra há de
                     estrangeiro,  de saud()S(l  e de triste. É  como,
                     nas noites sem lua,  aquele brilho ténue,
                     vindo do  céu,  não se sabe de onde, que toca
                     de prata negra  ii solidão inquieta do mar.
                                           (Fernando  Pessoa)

                   asceu em Concavada (Abrantes) a J I de Agoslo
                   de  1897.  Ou depois disso. em  1902, como sus-
                   tentava o próprio António Tomaz Botto, o An-
           N tónio  80tto que  ficaria  na  história  da  poesia
           portuguesa como uma das mais discutidas e nOláveis figu-
           ras,  à  posteridade  deixou  uma  obra sem idade, que de
           seus versos se estendeu à prosa e ao teatro.
              Sua  vida  roi  toda ela a criação literária, salvo ao de-
           sempenhar acidentalmente o cargo de chefe de repartição
           política e civil do Zaire, quando o general Norton de Ma-
           tos foi alto-comissário em Angola. Colaborador em revis-
           tas literárias da vanguarda (<<Contemporânea», «Athena»
           e «Águia») como inúmeros magazines e jornais, foi o pri-
           meiro  livro que aos 21  anos publicou, (<<Canções», com
           um estudo crítico de Manuel Teixeira Gomes) que acele-
           rou a notoriedade do jovem poeta, ao ser apreendido em
           1924 pelas autoridades, porque desafiava a regra estabe-
           lecida,  a  moral  que  tantos  dizem  obrigatória,  quantos
           como disfarce  para  não a cumprirem.  Mas esse desafio
           não  é em  Batia deliberado ou  provocatório, brota dos
           versos, das canções como dos sonetos, com uma candura   drugada, cobertos de orvalho»; Guerra Junqueiro enten-
           que transparece da sua rara musicalidade, da sua invulgar   deu que António Batia .. não ficará como poeta admirá-
           condição de esteta. Como escreveu o grande Pessoa (que   vel, mas como príncipe de ritmos subtilíssimos e artista
           traduziu  para inglês as _Canções»), .. António Batia é o   inimitável»; Raul  Brandão encontrou nos «Contos» .. en-
           único  poeta português, dos que sabemos que existem, a   sinamentos de  mestre,  páginas de um  grande escritor»;
           quem a designação de esteta se pode aplicar distintamen-  para Miguel de Unamuno, as .. Cartas que Me Foram De-
           te,  isto é, como definição bastante, sem acréscimo nem   volvidas» são «um grande livro de amor»; Aquilino Ribei-
           restrição».                                         ro classificou-o de «artista genial, que atravessou todos os
              Não se fica em Pessoa a admiração pelo poeta: ela es-  caminhos e todas as fronteiras da alma e da inteligência»;
           tende-se a inúmeras outras figuras literárias do seu tem-  para Pirandello, António Botto foi  «um caso novo e ge-
           po: José Régio destaca «a naturalidade com que BailO se   nial».
           exprime, cativo de amores maisou menos condenados pe-  Pois este poeta, rejeitado pela sociedade do seu país,
           los que o ouvem, fazendo com que a vida revista em seus   dele teve de partir: no Brasil se exilou em 1947, ali  viveu
           poemas novas formas de beleza»;  para Manuel Teixeira   amargurado e pobre, parte do tempo doente, consumin-
           Gomes, são «versos de uma tão ingénua pureza, tão lim-  do, como escreveu ao seu amigo João VilIaret (que lhe re-
           pos  de  retórica,  tão  castos  e  virginais  (mesmo  quando   citaria a «Julieta do Beco das Cruzes» e «História de Uma
           rompem as  tréguas) que parecem, como as flores da ma-  Boneca de Trapos») «os restos da vida que pertence aos

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