Page 271 - Revista da Armada
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trezentos  homens  bem  armados,  e,   Cantes, incluindo aquele que o Samo-  presente  que  D. Manuel  enviara  ao
         além disso, era muito maior e mais al-  rim cobiçava, dos quais um fora mor-  Samorim e da forma como os Portu-
         terosa que a de Pero de Ataíde, não   to durante o combate. À custa da sua   gueses pagavam prontamente as suas
         se  deixou  atemorizar e  respondeu  à   carne  tiveram  os  portugueses  refei-  compras  com  dinheiro  ou  mercado-
         intimação  com  apupos  acompanha-  ções de bifes durante vários dias!   rias valiosas, iam-se espalhando pela
         dos duma chuva de flechas e de tiros   A  tomada  da  nau  dos  elefantes,  costa do Malabar Cazendo nascer em
         de bombarda, ao que os portugueses   nas  circunstâncias  em  que  ocorreu,  diversas  cidades  o  desejo  de  terem
         ripostaram  prontamente disparando   causou  grande  sensação  em  toda  a  aqueles  como  parceiros  comerciais.
         toda a sua artilharia.             costa  do  Malabar e contribuiu gran-  Cananor e Coulão enviaram emissá-
            A grande maioria das naus india-  demente  para consolidar o  prestígio   rios a Cochim convidando Pedro Ál-
         nas  eram de construção muito  fraca   militar dos Portugueses.      vares Cabral a visitá-las.
         por  serem  «cosidas»  com  cabos  de   Quem não ficou satisfeito foi o Sa-  Encontrando-se praticamente con-
         cairo e não pregadas como as da Eu-  morim. Embora tenha recebido o ele-  cluída  a  carga  das  nossas  naus,  teve
         ropa.  Além  disso,  estavam  armadas   fante  que  ambicionava  e  lavado  a   Pedro Álvares Cabral informação de
         com  bombardas de  ferro  muito  me-  afronta dos  mercadores de Cochim,  que  se  aproximava  uma  armada  de
         nos potentes do que as bombardas de   apercebeu-se de que os  Portugueses  Calecute composta por vinte  e cinco
         bronze dos ocidentais. Por isso, os ti-  eram  muito  mais  perigosos  do  que   naus  e  muitos  paraus,  guarnecidos
         ros dos  navios  indianos, regra geral,   inicialmente  supusera  e  começou  a   por cerca de quinze mil  homens, que
         pouco deito faziam nos portugueses,   recear que lhe quisessem  tirar o rei-  o Samorim enviara contra ele para se
         ao passo que os tiros destes eram sus-  no.  Daí para diante,  as  dificuldades   vingar das destruições que tinha feito
         ceptíveis de provocar graves avarias   postas  ao  carregamento  das  nossas   na sua capital.
         tanto nos cascos como nas superstru-  naus e os conflitos com a nossa gente   Pedro Álvares Cabral fez-se logo
         turasdaqueles.                     multiplicaram-se.  Por  fim ,  na  se-  ao mar com todos os seus navios mas,
            Foi  o  que  aconteceu  neste  caso.   quência duma intriga por eles urdida,   por  se  encontrar  a  sotavento,  nâo
         Ao fim de pouco tempo de combate,   os  «mouros»  assaltaram  a  feitoria   conseguiu  aproximar-se  do  inimigo.
         a nau de Cochim , já com muitos mor-  portuguesa e mataram o feitor Aires   Os indianos também não se chegaram
         tos  e  feridos  e  numerosas  avarias,   Correia e cerca  de  cinquenta  portu-  aos  Portugueses,  com  receio da sua
         vendo que não conseguia fazer qual-  gueses  que estavam  com  ele ou que   artilharia,  limitando-se a  segui-los  à
         quer estrago na nau de Pera de Ataí-  andavam descuidados pela cidade.   distância, à espera duma oportunida-
         de  resolveu  refugiar-se em  Cananor   Pedro Álvares Cabral ainda espe-  de. Perante esta situação de impasse,
         indo fundear no meio de outras qua-  rou durante um dia por qualquer ex-  Cabral decidiu  seguir  para  Cananor
         tro  naus de  «mouros» que ali  se  en-  plicação do Samorim. Como ela  não   onde também foi muito bem recebido
         contravam e que logo se aprontaram   viesse, mandou, em represália, tomar   pelo respectivo rei. Completou a car-
         para a  proteger.  Foi  Pero de  Ataíde   dez  naus de  mouros que estavam  no   ga das suas naus com algum gengibre
         em seu seguimento e, dentro do por-  porto.  Os  seus  ocupantes  defende-  e,  tendo-as  abarrotadas  a  mais  não
         to, travou  novo  combate com  a nau   ram-se  valentemente  mas  acabaram   poder,  iniciou o  regresso a Portugal
         de Cochim e as outras quatro causan-  por  fugir  para  terra,  deixando  seis-  em3! deJaneirode 1501.
         do-lhes muitas avarias, mortos e feri-  centos  mortos  e  muitos  cativos  nas   Ainda  perto da  costa  indiana,  a
         dos sem, pela sua parte, sofrer dano   mãos dos Portugueses. Estes baldea-  armada  portuguesa  capturou  uma
         de  maior.  Nessa  altura,  apareceram   ram a carga das naus dos mouros para   rica nau de Cambaia que Pedro Álva-
         alguns paraus (espécie de fustas) do   as  suas  e,  depois  de  terem  metido   res Cabral deixou seguir viagem com
         rei de Cananor numa tentativa de ex-  dentro daquelas os cativos,  amarra-  o pedido de que dissesse  por toda a
         pulsar os portugueses.  Mas foram fa-  dos  de  pés  e  mãos,  puseram-lhes   parte que os  Portugueses só deseja-
         cilmente repelidos pelo fogo da nossa   fogo.  Ao outro dia, após ter mudado   vam  comerciar em  paz e  que o  que
         artilharia,  sendo obrigados  a  retirar   o  fundeadouro dos seus navios  para   acontecera  em  Calecute  fora  da  ex-
         muito destroçados.                 mais  junto de  terra ,  Pedro  Álvares   clusiva  responsab.ilidade  do  Samo-
            Entretanto caíra a noite e Pero de   Cabral  bombardeou a cidade, desde   rim .
         Ataíde afastou-se para o mar com re-  o nascer ao pôr do Sol, matando mui-  Apesar  de  ainda  se  ter  perdido
         ceio  de  que  os  inimigos  pudessem   ta  gente,  destruindo  muitas  casas  e   mais  um  navio  na  torna-viagem,  as
         aproveitar a escuridão para pôr fogo   obrigando o Samorim a fugir  para o   especiarias  trazidas  pela  armada  de
         à sua nau. Ao outro dia, pela manhã ,   interior.  Feito  isto,  deixou  Calecute   Cabral deram um  lucro considerável
         voltou a tomar posição próximo das   dirigindo-se para Cochim.       à  coroa  portuguesa  e  reforçaram  o
         cinco  naus  e  recomeçou  a  bombar-  O rei desta cidade, embora vassa-  empenho  de  D. Manuel  em  prosse-
         deá-Ias. Em dado momento, mandou   lo do Samorim  de Calecute,  andava   guir com a empresa da índia.
         também fazer fogo  sobre a multidão   constantemente em guerra com ele e.
         que  se  juntara  na  praia  para  ver  o   por  isso,  estava  desejoso  de  ter  os
         combateeque fugiu espavorida. Pou-  Portugueses como aliados.  Recebeu
         co  tempo depois,  os  tripulantes das   muito bem Pedro Álvares Cabral, au-  CANANOR (31  de Dezembro
         naus adversas  lançaram-se  à  água e   torizou-o  a  deixar  uma  feitoria  em   de  1501  a  2 de Janeiro de 1502)
         fugiram a nado para terra.        Cochim  e forneceu-lhe grande quan-
            Pero  de  Ataíde  guarneceu  com   tidadede pimenta.
         gente sua a nau de Cochim e levou-a   Entretanto, as notícias do que se   Convencido de  que  Pedro  Álva-
         para Calecute. Dentro, tinha sete ele-  passara  em  Calecute,  do  riquíssimo   res Cabral  teria conseguido assentar
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