Page 273 - Revista da Armada
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da Nação. As instituições estavam amea- Armada portuguesa para o Brasil (1807) e dente: o treino das guarnições japonesas, o
çadas, a prova foi a breve mas significativa acentua-se profundamente com a separação estado de manutenção e prontidão dos
revolta de 31 de Janeiro de 1891, a primeira do Brasil do Reino de Portugal, porque nos navios, a própria qualidade superior da
que visava substituir a monarquia pela re- faltava então o suporte necessário para uma pólvora empregue, foram factores decisivos.
pública. armada de combate eficiente: os recursos. Os cruzadores, bem armados, rápidos e
O rei era Carlos de Bragança, o 32º Com efeito, sempre se tem observado, com grande autonomia, desempenharam
monarca de Portugal em 19 de Outubro de através da nossa história, que à decadência papel importante nas acções navais do con-
1889, por morte do seu pai D. Luís I. Tinha económica e financeira corresponde o flito. Entre eles encontrava-se o “Yoshino”,
26 anos e era casado, desde 1886 com declínio do nosso poder naval, como ao de 4150 toneladas, construído em Inglaterra
Maria Amélia de Orleãs, filha do conde de nosso desafogo financeiro e económico em 1892, e que haveria de servir ao Estado
Paris. A modéstia das cerimónias e das mani- sempre correspondeu um visível ressurgi- Maior português e ao estaleiro construtor
festações da sua sagração mostram uma mento do nosso poder marítimo. …. Ainda como referência para a fixação das carac-
corte relativamente austera, dotada de uma no mesmo texto se refere a significativa terísticas do cruzador D. Carlos I.
lista civil que tornava os Braganças os reis inexistência, desde o início do século XIX,
mais mal pagos da Europa, certamente como de forças navais organizadas com carácter O PROGRAMA NAVAL
reflexo da pobreza geral do país. O seu endi- permanente, e a concomitante ausência de DE JACINTO CÂNDIDO
vidamento ao tesouro Público viria mesmo a comandos de oficiais generais no mar. A
tornar-se numa questão política de impor- marinha era… bem insignificante, muito O então Ministro da Marinha, Dr.
tância uns anos mais tarde. abaixo das nossas necessidades como Jacinto Cândido da Silva, propôs um pro-
D. Carlos reinou numa época em que não grande nação marítimo colonial …. grama naval que incluía, como navios de
teria sido fácil ser bom rei. Na memória po- No início do reinado de D. Carlos, a linha, 4 cruzadores protegidos (2 de 3.600
pular talvez pouco mais reste do que a recor- Marinha era constituída pela corveta e 2 de 2.600 toneladas), 2 couraçados de
dação da sua morte trágica; na Marinha é couraçada “Vasco da Gama” com 2.400 2.300 toneladas e 2 corvetas de 1.000 a
recordado pela sua he- 1.300 toneladas (para
rança cultural e científica além de um numeroso
ligada ao mar e pela sua conjunto de canhonei-
actividade de pintor ama- ras, vedetas e torpedei-
dor. Monarca constitu- ros). O programa, que
cional e respeitador da poderia parecer ambi-
divisão de poderes que cioso, estava no entanto
lhe fixava a Carta herdada longe de poder respon-
do seu bisavô D. Pedro der com eficácia às
IV, de espírito liberal, ameaças a que o país
deixou a política para o estava sujeito, se pre-
governo e o parlamento tendia afirmar-se como
quase até ao fim do seu potência autónoma (am-
reinado, dedicando a sua bição que os países do-
vida às pesquisas ocea- minantes e a sua situa-
nográficas e naturalistas. ção económica e social
lhe negavam).
QUE MARINHA Em 1895, integrado
PARA PORTUGAL? O cruzador protegido “Yoshino” que serviu com brilho a Marinha Imperial Japonesa. A maior no estudo do desen-
diferença em relação ao “D. Carlos I” estava na instalação propulsora. O “Yoshino” tinha volvimento daquele
caldeiras cilíndricas gastubulares.
De que Marinha neces- programa naval, a firma
sitava então o país? Por- inglesa Sir W. G. Arms-
tugal tinha interesses a defender no conti- toneladas (lançada ao mar em 1876), por trong, Mitchell & Company Limited, então
nente europeu, onde persistia alguma inse- outras três corvetas mistas (propulsão a um dos maiores estaleiros do mundo,
gurança relativamente a uma Espanha vapor, auxiliar da vela) ainda de menores propunha a construção, nos seus estaleiros
maior, mais populosa, mais rica e bem dimensões e por uma vintena de canho- Elswick Works, em Newcastle, de um
armada, nas suas ilhas atlânticas (Açores, neiras com deslocamento entre 100 e 800 cruzador idêntico ao japonês “Yoshino”,
principalmente, mas também Cabo Verde), toneladas, sem qualquer valor militar. Esta que tão bom papel havia desempenhado
de que as potências (Inglaterra, Alemanha, triste situação a que tinha chegado o nosso na guerra sino-japonesa, e que era da
os EUA depois) queriam assegurar o contro- poder naval foi motivo, ainda com o mesma classe de outros cruzadores tam-
lo para seu uso directo ou para a sua Ultimato bem presente, de uma subscrição bém por eles construídos: os argentinos “9
negação ao adversário. No ultramar, igual- pública, para iniciar com urgência o de Julio” e “25 de Mayo” e o italiano
mente se impunha a necessidade de afirmar reequipamento da esquadra (3). “Piemonte”. A proposta valia 333.000
a soberania para além do simbólico. Índia, Transportemo-nos, entretanto, para o libras e tinha um prazo de construção de
Macau e Timor absorviam também parte longínquo Oriente, para encontrar o conflito 18 meses. A desconfiança relativamente
importante das preocupações e recursos. que serviria de campo de ensaio de equipa- aos ingleses, fresca do Ultimato, terá justi-
Tão dispersos e vastos territórios, tão mento, estratégias e tácticas navais, portanto ficado que se tivesse perguntado ao Japão,
diversas e fluidas as ameaças, tão escassos inspirador dos estados maiores no projecto através de discretas vias diplomáticas, que
os recursos nacionais, pareciam justificar das suas esquadras. Na guerra sino-japonesa preço tinham pago pelo “Yoshino”: a
uma Marinha diversificada, capaz de acudir (1894-1895) defrontaram-se, em batalhas resposta confirmou, no essencial, o valor
a todos e a cada um daqueles factores. sucessivas, as esquadras de ambos os países. proposto pelo estaleiro inglês.
Na Marinha portuguesa, então a Armada Em combates de artilharia, combóios de O Naval Annual (inglês) de 1895 refere-
Real, tinha-se então atingido mais um “zero transporte de tropas, bombardeamentos a -se ao programa naval em curso, classifi-
naval”. Segundo a análise do Almirante Pe- fortalezas costeiras, o estado da arte foi tes- cando-o de “rather curious arrangement”,
reira da Silva (2) a decadência tinha come- tado, com sucessivas vitórias do Japão. caracterizado pela intenção (4) do governo
çado… desde a partida da melhor parte da Ambos possuíam navios construídos no oci- português de contratar não apenas a cons-
18 AGOSTO 99 • REVISTA DA ARMADA