Page 348 - Revista da Armada
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vertente particular da História, muito em especial na História da
expansão e dos séculos de ouro, bem como um conjunto de
autores notáveis na narrativa de viagens e na literatura popular
e de divulgação científica de finais do século XIX. Foto do arquivo do Museu de Marinha.
COMÉRCIO E FOMENTO
Um sexto campo diz respeito à acção da Armada no comércio
marítimo e no fomento. Na Época Contemporânea o comércio
marítimo multiplica-se muitas vezes, tendo por exemplo mais do
que decuplicado entre 1860 e 1900. A Armada foi chamada a
organizar e coordenar esta actividade central em termos de uma
sociedade moderna. Será ela a lançar em meados do século XIX a
divisão da costa em departamentos e capitanias, a organizar os
marítimos, a disciplinar as pescas, a coordenar a actividade por-
tuária e a incentivar o desenvolvimento de instalações portuárias
adaptadas. Para além disso, a Armada irá organizar as funções
necessárias a garantir a segurança do comércio marítimo, desde a
farolagem das costas aos serviços de socorros a náufragos, sem O contra-torpedeiro Lima (1933-1965) tornou-se famoso pelas operações de salvamento
esquecer o levantamento hidrográfico e a instalação das mais de náufragos britânicos nos mares dos Açores durante a 2ª Guerra Mundial. Vemos
na foto o seu comandante, CTEN Sarmento Rodrigues, a observar, juntamente com
diversas ajudas à navegação, desde sistemas de bóias e luzes até os comandantes de navios torpedeados, alguns dos estragos que resultaram do mau
ao LORAN e à recepção de satélites. tempo que se enfrentou numa destas operações, quando o Lima registou nos aparelhos
uma inclinação extraordinária de 67º.
em direcção ao Brasil e à América e torna-se uma das mais mar-
cantes características da maneira portuguesa de estar no mundo.
A Armada é chamada a organizar, coordenar e apoiar este fluxo
desde o primeiro momento. A emigração para o Brasil, por exem-
plo, era controlada pelos capitães de porto e os navios da
Armada tinham a missão concreta de reprimir a emigração clan-
destina. Eram eles também que faziam périplos tão regulares
quanto possível pelos principais portos de destino dos emi-
grantes, para apoiar as comunidades portuguesas e desenvolver
a sua identidade. Nas alturas de crise – e muitas houve devido a
desastres naturais, revoluções, golpes ou guerras - era a Armada
a primeira chamada a actuar para proteger as comunidades
nacionais, fosse na revolução no Brasil em 1890, nas guerras da
América do Sul ou na Guerra Civil Espanhola em 1936, quando
os avisos e contra-torpedeiros da Armada asseguram a retirada
Edifício da Capitania de Porto Santo. A rede de Departamentos Marítimos e Capitanias dos portugueses nos principais portos do país vizinho.
foi uma contribuição importante da Armada para fomentar e organizar a actividade
marítima, garantindo nomeadamente a segurança da navegação, o fomento das pescas
e a organização dos marítimos, essencial para o recrutamento moderno.
Depois do que ficou dito penso que é inevitável concluir que o
poder naval foi muito importante na formação do Portugal contem-
Durante grande parte de Época Contemporânea é a própria porâneo e isto justamente porque o país é um pequeno estado que
Armada que assegura directamente o transporte para certas não pode ter a veleidade de exercer um controlo dos oceanos. O
zonas do Império não servidas por carreiras regulares nacionais, poder naval moldou a evolução política interna, valorizou as
como Moçambique (até começos do século XX), a Índia ou posições atlânticas, foi um veículo privilegiado de contacto com os
Timor. É igualmente a Armada a responsável pelo correio maríti- grandes poderes, permitiu os sonhos do “novo Brasil”, foi uma
mo até muito tarde. É ainda o Ministério da Marinha que organi- importante via de modernização da sociedade portuguesa, con-
za e fomenta o desenvolvimento da marinha de comércio e de tribuiu para o seu fomento e apoiou a diáspora. Podemos dizer
cabotagem. A Armada é igualmente chamada desde muito cedo que, ao contrário das aparências, o poder naval foi especialmente
a defender o espaço marítimo, tanto contra o contrabando, como importante no Portugal contemporâneo justamente quando desa-
contra as actividades de pesca não permitidas ou a emigração pareceu, pelo menos quando desapareceu em termos dos conceitos
clandestina, para o que organiza de forma permanente usados pelos grandes poderes. Voltamos assim ao ponto de partida
esquadrilhas de fiscalização nas zonas de fronteira marítima (as quando referimos que quem tentar analisar o caso de Portugal com
mais regulares são as do Algarve e do Rio Minho). A Marinha a aplicação dos conceitos dos grandes poderes só prova que não
desempenhou ainda certas funções de fomento pouco normais, entende o fundamental. A realidade é o contrário da aparência
como sejam a criação da primeira rede de comunicações rádio neste caso, como, aliás, na maior parte dos outros. A dificuldade
nacional em termos da Europa, do espaço insular e do Império. está em usar os instrumentos do saber para ver para além do
nevoeiro do “senso comum”.
DIÁSPORA E EMIGRAÇÃO
Prof. Dr. António José Telo
Finalmente podemos distinguir um sétimo campo essencial
para um país como Portugal, que se afirma e se defende secular-
mente através da diáspora pelos quatro cantos do mundo. É um
movimento associado desde o primeiro momento à formação de Nota:
Este pequeno artigo resume muito brevemente pontos e teses desenvolvidos no livro
Portugal, mas especialmente intenso na Época Contemporânea. do autor sobre História da Marinha Portuguesa em 1824 – 1974, publicado pela
A emigração em larga escala arranca em meados do século XIX Academia da Marinha
REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 99 21