Page 345 - Revista da Armada
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Numa perspectiva pessoal, penso que a Armada cumpriu um aconteceu na Época Contemporânea em Portugal foi vermos insta-
importante papel na formação e evolução do Portugal contemporâ- lar-se e adquirir estabilidade um regime que não fosse capaz de
neo. Este pode ser resumido em 7 pontos gerais, que, embora se garantir o controlo da costa, função que implica o uso de uma força
refiram a vertentes muito diferentes se mantém como uma cons- naval apropriada, muito diferente das esquadras de controlo dos
tante nos dois últimos séculos. O peso relativo de um ou outro va- oceanos. Damos só um exemplo: os pequenos cruzadores que eram
ria de acordo com os períodos consideradas, mas todos eles estão os principais navios da Armada em 1910 de pouco serviriam se
presentes em maior ou menor grau. tivessem de enfrentar a marinha espanhola, mas eram vitais para
controlar Lisboa e o Tejo e foram usados com essas funções muitas
A ACÇÃO INTERNA vezes nos golpes e contra-golpes de 1910-1919.
Um primeiro ponto está ligado à criação e estabilidade da estru- O ESPAÇO ATLÂNTICO
tura política interna. A formação e defesa de um determinado
regime político é uma das mais importantes funções dos militares Um segundo ponto está ligado à valorização que a Armada per-
num pequeno poder como Portugal, embora geralmente os analis- mite das posições Atlânticas portuguesas e, a partir daí, da forma
tas apressados a ignorem ou prefiram não a mencionar. Basta recor- como facilita as relações com os poderes que dominam o Atlântico.
dar neste campo que todas as mudanças de regime no Portugal
contemporâneo se fizeram através dos militares, ou seja, que eles
foram o grande factor de modernização das estruturas políticas
nacionais, independentemente da adjectivação ideológica da
mudança. Em termos simples, podemos dizer que nenhum poder
político se forma ou consolida em Portugal sem garantir previa-
mente o domínio da costa, o que é normal tendo em conta que este
é o caminho obrigatório para as relações com o mundo atlântico, de
onde chega em regra o apoio político, económico, diplomático,
financeiro e militar. Um excelente exemplo é a guerra civil entre
liberais e absolutistas, onde os primeiros acabam por vencer,
apesar de terem quando desembarcam no Mindelo um exército
Fotos do arquivo do Museu de Marinha (3). A base aeronaval do Montijo numa foto aérea da sua primeira fase (1949-1952).
O Montijo foi desenvolvido de acordo com os planos NATO e, em caso de guerra,
devia albergar mais de 10 esquadrões de aviões de luta anti-submarina e patrulha
aliados, dos quais 2 seriam portugueses.
Mais uma vez é uma função em que os historiadores portugueses
pouco falam, mas é vital para formar o país tal como se desen-
volveu nos dois últimos séculos. A ligação privilegiada à Inglaterra
até 1945 e, depois disso, aos EUA foi o segredo que permitiu garan-
tir simultaneamente a defesa do Império e a dualidade Peninsular.
Sem ela não se compreende que um pequeno poder tenha mantido
um Império tão grande como o alemão no período da “corrida à
Gravura do desembarque do exército de D. Pedro no Mindelo, a 8 de Julho de 1832.
A grande vantagem dos liberais na guerra civil, que acabaria por lhes dar a vitória, foi África”. Não se compreende igualmente que, por exemplo, se tenha
a forma como improvisaram em pouco tempo uma marinha operacional, tendo exercido sempre contado com o apoio financeiro e técnico dos poderes men-
um efectivo controlo do Atântico português e da costa nos momentos decisivos. cionados para modernizar as Forças Armadas e, em parte, a econo-
mia. Esta ligação privilegiada essencial foi mantida em grande
de somente 7000 homens, contra os mais de 80000 homens que medida devido à importância das posições atlânticas nacionais e à
D. Miguel mantinha em armas. O factor isolado que mais contribui forma como a Armada as valorizou. Entre 1898 e 1918, por exem-
para a vitória liberal foi, sem dúvida, a compreensão da importân- plo, a Inglaterra pedia garantias secretas de que não seriam feitas
cia do controlo da costa e a capacidade de criar uma força naval concessões estratégicas nos portos Atlânticos portugueses a um
que a garantisse. Também em 1910, por exemplo, os republicanos poder rival em troca do seu apoio em África e na Europa. Este facto
se conseguem impor e mudar o regime em larga medida pelo era de tal modo importante que pouco depois destas garantias
apoio que angariaram na terem sido dadas pela pri-
Armada, apesar de terem meira vez (em 1898), Lon-
contra si a maioria do corpo dres renova o compromisso
de oficiais do Exército. Nou- de defender o Império pelo
tras mudanças de regime, Tratado de Windsor de
como em 1926 ou em 1974, 1899. Depois de 1945, para
o papel da Armada não foi citar só outro exemplo, foi
tão evidente, mas foi sem- por causa da importância
pre necessária a sua passivi- dos Açores que o país se
dade ou colaboração em pe- tornou a única ditadura
quena escala para assegurar convidada a ser membro
a vitória da facção que que- fundador da NATO. Em to-
ria impor um novo regime – das estas circunstâncias a
foi o caso da Regeneração O cruzador Almirante Reis (ex-D. Carlos) (1898-1925), com 4100 t, era um dos dois únicos Armada funcionou como
que merecia essa classificação e foi o mais importante navio de combate da Armada no primeiro
de 1850, do golpe de 1926 quartel do século. Seria usado principalmente nas lutas internas, no dispositivo de defesa de instrumento de valorização
ou de 1974. O que nunca Lisboa e para assegurar missões de representação e prestígio. das posições Atlânticas por-
18 NOVEMBRO 99 • REVISTA DA ARMADA