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A MARINHA JOANINA (12)


                                 Os almanaques
                                 Os almanaques



                                      do século XV
                                      do século XV




             alámos no número anterior na relação directa entre a altura do  latitude) a partir da fórmula sen δ = sen λ x sen ε (onde λ é a longi-
             sol ao meio dia e a latitude do lugar da observação, contudo  tude do sol na eclíptica, ε a inclinação dessa eclíptica em relação ao
         Fnão avançámos nessa técnica que pressupõe o conhecimento  equador celeste e δ a declinação do sol). Naturalmente que este cálcu-
         do lugar do sol na esfera celeste, na data em que se pretende fazer o  lo só era acessível a conhecedores e não era possível fazê-lo a bordo,
         cálculo. Quer dizer, enquanto a terra gira sobre si própria em 24  por isso as tabelas tinham uma maneira de ler o valor da declinação,
         horas, nós temos a noção do dia e da noite, do nascer e pôr do sol, do  em função da longitude do sol na eclíptica. (Normalmente era dada a
         meio dia. Mas esse percurso aparente do sol, provocado pelo movi-  posição do sol dentro do signo zodiacal em que se encontrava). Segu-
         mento diário da terra, não é sempre igual. Aliás referimos no número  ramente que as primeiras tabelas de declinação, necessárias aos nave-
         anterior que o sol tem uma variação de posição anual que determina  gadores do final do século XV foram elaboradas pelos astrónomos a
         as estações do ano. Esse                                                             partir de tabelas que vi-
         facto deve-se ao movi-                                                               nham de tempos remotos,
         mento de translação da                                                               introduzindo-lhe factores
         terra e da inclinação do                                                             de correcção que, natu-
         seu eixo de rotação. As-                                                             ralmente, não tinham
         sim, se no nosso período                                                             grande precisão. As pri-
         de Verão temos o sol                                                                 meiras eram tábuas so-
         mais no hemisfério norte,                                                            lares únicas, ou seja,
         no Inverno ele passa                                                                 tábuas elaboradas para
         mais baixo, deslocando-                                                              um ano que não tinham
         -se (aparentemente, por-                                                             em conta as variações
         que é a terra que altera a                                                           dos anos seguintes. É
         sua posição) para o he-                                                              compreensível que assim
         misfério sul.                                                                        fosse, porque os erros de
           Este fenómeno era ob-                                                              navegação que isso podia
         servado e registado pelos                                                            provocar eram inferiores
         astrónomos da antigui-                                                               aos que resultavam da
         dade e chegou à idade                                                                imprecisão dos pró-
         média europeia, normal-                                                              prios instrumentos. Es-
         mente, através dos ju-                                                               tou em crer que no tem-
         deus e árabes que tinham                                                             po de D. João II os mais
         registos da posição do sol  Tábua com os lugares do sol e as   Tábua das declinações do sol nos mêses   importantes colaborado-
         desde tempos muito an-   declinações durante o mês de Janeiro  de Janeiro, Fevereiro e Março do primeiro  res do projecto de elabo-
         tigos. esses registos tal-     dum ano bissexto.        ano que se segue a um bissexto.  rar tábuas solares para
         vez não fossem de gran-            Almanaque Português de Évora (Séc. XVI).          utilização dos marinhei-
         de precisão, mas, sobre-                                                             ros foram Mestre José
         tudo, não tinham uma                                                                 Vizinho, Mestre Rodrigo
         utilidade imediata, para além da própria prática da astrologia e da  e Diogo Ortiz. São exemplo de tábuas deste tipo, as que se encontram
         satisfação da curiosidade dos mais cultos. Contudo, havendo a noção  no chamado Almanaque de Munique, assim chamado por se encon-
         da esfericidade da terra e reconhecimento que a altura do sol ao meio  trar na biblioteca desta cidade alemã.
         dia varia com a latitude do lugar, com facilidade se chegou a um  Entretanto, em Salamanca, um outro astrónomo, de nome Abraão
         método de calculo que apenas tinha um problema: exigia que se co-  Zacuto elaborara um outro almanaque, que já tinha em conta as va-
         nhecesse a posição do sol em relação ao equador (declinação do sol)  riações do lugar do sol de ano comum para ano comum e o acerto
         no momento da observação. Foi a necessidade de saber este valor  impreciso que se fazia no ano bissexto. Elaborou, assim um
         que motivou a elaboração dos primeiros almanaques náuticos.  almanaque cujas tabelas indicavam os lugares do astro num
           Os astrónomos sabiam calcular a posição do sol na eclíptica, o círcu-  quadriénio base (uma sucessão de um ano bissexto e três anos
         lo do seu movimento aparente anual. Era esse cálculo que lhes permi-  comuns) e permitiam calculá-los nos quadriénios seguintes, me-
         tia saber a posição do sol em cada um dos doze lugares do Zodíaco.  diante a introdução de um pequeno factor de correcção que tem a ver
         Esse movimento anual do sol, como sabemos dura cerca de 365 dias,  com o facto do acerto dos anos bissextos não ser exacto e não con-
         cinco horas, 48 minutos e 46 segundos. É o valor exacto do que  seguir repor exactamente a situação do ano real ou trópico. Era, por
         chamamos de ano trópico. Antes da reforma gregoriana do calen-  assim dizer, um almanaque perpétuo e foi com esse mesmo nome
         dário, ocorrida em 1582, a contagem dos anos era a de sucessão de  que veio a ser conhecido, depois de traduzido para latim e castelhano
         três anos comuns seguidos de um bissexto, como se o ano trópico fos-  (a versão original era em hebreu) e utilizado para elaborar as tábuas
         se exactamente de 365 dias e seis horas, o que quer dizer que a posição  que acompanharam os portugueses em todas as viagens oceânicas
         do sol ia variando de ano comum para ano comum, voltando a ser  do final do século XV e século XVI.
         (quase) acertada no ano bissexto que se seguia. Existem almanaques
         deste tipo, muito antigos, que dão o lugar do sol na eclíptica em cada                   J. Semedo de Matos
         dia, permitindo o cálculo da declinação (necessária para determinar a                            CTEN FZ

         16 NOVEMBRO 99 • REVISTA DA ARMADA
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