Page 346 - Revista da Armada
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tuguesas, seja por assegurar minimamente a sua defesa contra cer- uma importante função e adaptou-se amplamente a um tipo de
tos tipos de ameaças, seja por se integrar num dispositivo mais conflito que desconhecia até aí. Ela seria, juntamente com a Força
geral de defesa do Atlântico, como aconteceu, para citar somente Aérea, o grande factor multiplicador de forças que permitiu a
dois exemplos na 1ª Guerra Mundial ou depois da criação da Portugal ser o país da Europa que aguentou durante mais anos
NATO. uma guerra subversiva e que mais investiu nela em termos rela-
tivos, enquanto o Exército se tornava o principal sustentáculo dos
O “NOVO BRASIL EM ÁFRICA” dispositivos montados em todos os teatros de operações. A
Armada que estava no Império e assegurava estas funções vitais
Um terceiro ponto diz respeito à importância da Armada em ter- para a estratégia nacional pouco tinha a ver com as esquadras que
mos da criação e aplicação possível de uma estratégica nacional. controlavam os oceanos. Era uma verdadeira “poeira naval”, de
Durante grande parte da Época Contemporânea essa estratégia navios que iam de poucas dezenas a poucas centenas de toneladas.
confundiu-se com o sonho de “um novo Brasil em África”. Não Os raros navios que tinham mais de mil toneladas (quase nada em
interessa aqui saber se esse sonho era viável ou não, se estava ou termos europeus) asseguravam normalmente a chefia das estações
não adaptado ás múltiplas realidades envolventes ao longo destas e funcionavam como bases móveis de apoio da poeira naval, que
desempenhava as reais funções.
Foto do arquivo do Museu de Marinha. de uma política militar nacional, mesmo quando pensamos
A DEFESA EXTERNA DO ESPAÇO EUROPEU
A Armada tem ainda grande significado em termos da definição
somente no espaço europeu. Para compreender as razões de tal é
preciso recordar que até 1974 o conceito básico por detrás da políti-
ca militar para defesa do espaço europeu era a estratégia das guer-
ras napoleónicas. O país não podia contornar o facto de que só
tinha uma única fronteira terrestre europeia e que esta o separava
de um vizinho bastante mais poderoso. Não havia profundidade
A lancha-canhoneira Carabina (1891-1908) de fabrico britânico e com apenas 53 toneladas estratégica do território nacional do lado do continente, pois todo o
é um exemplo da “poeira naval” que desempenhou um importante papel nas campanhas país era um rectângulo com cerca de 200 Km de largura e acesso
da pacificação dos fins do século XIX, usada no Zambeze e no Incomati.
relativamente fácil ao litoral. A profundidade estratégica só se
podia encontrar do lado do Oceano, onde o território se prolongava
dezenas de anos. O que interessa é que ele existiu, foi um elemento pelos espaços insulares criando a zona que desde finais do século
essencial na formação do Portugal contemporâneo, da sua econo- XIX se chamava o “triângulo estratégico” (Lisboa- Açores- Cabo
mia, mentalidades, política e ideologia. A Armada foi um instru- Verde). A política militar nacional em termos da Europa tinha sem-
mento vital para concretização possível desse sonho. Até 1895 a pre na sua base a noção que, em caso de ataque em força na fron-
Armada foi a principal presença no Império. Era um verdadeiro teira terrestre, a única defesa era retirar o mais lentamente possível
bombeiro barato, sempre pronto a apagar fogos e impedir desas- para o litoral e aguentar aí a investida do invasor o máximo de
tres. Era ela que abafava as rebeliões, apoiava a colonização, man- tempo, em posições defensivas preparadas à volta da capital. Era a
tinha a soberania possível contra o exterior, garantia grande parte noção do “campo entrincheirado de Lisboa”, que de várias formas
da administração, combatia o tráfico negreiro e explorava o interior.
Depois de 1895, quando as campanhas de pacificação se deslocam
para o interior, a Armada foi numericamente suplantada pelo
Exército como a principal presença militar europeia no Império, a
pontos de quase ter desaparecido entre 1918 e 1960. Simbolica-
mente a administração do Império e da Marinha pertencem a um Foto do arquivo do Museu de Marinha.
mesmo Ministério até quase à 1ª Guerra Mundial. Ao longo do
século XX, a Armada continua a ser um factor multiplicador de
forças no Império, o único ao dispor de Portugal até muito tarde e,
logo, o único capaz de garantir a soberania nas múltiplas crises. É a
Armada que, por exemplo, garante a defesa da presença em Macau
na guerra civil na China em 1927, ou que é enviada a reforçar
Angola na crise interna de 1931, ou que é chamada a reocupar
Timor em 1945. Mesmo nas guerras de 1961 – 1974 a Armada, em- A corveta-couraçada Vasco da Gama (1876-1936) veio para Portugal como o principal
bora estivesse longe de ser a arma mais numerosa, desempenhou elemento na defesa da frente naval do campo entrincheirado de Lisboa, mas cumpriu
múltiplas missões de outro tipo na sua extensa vida activa.
esteve no centro da política militar nacional até 1945. Era um
cenário que admitia duas variantes: ou Lisboa se defendia até
chegarem reforços por mar e era então possível passar à contra-
-ofensiva; ou tal não acontecia e os órgãos de soberania deviam reti-
rar para as ilhas, de modo a continuar aí a resistência com o apoio
dos Aliados. Em qualquer dos casos a Armada era chamada a
cumprir várias funções importantes: assegurar a defesa da capital
pelo lado do mar; assegurar a defesa mínima das ilhas; garantir a
possibilidade de retirada dos órgãos de soberania para a região
insular; garantir a cooperação com os Aliados e os reforços que vi-
nham necessariamente do mar. Estas eram as missões centrais da
Armada em termos da política militar nacional até 1945. Na reali-
A LFP Fomalhaut (1961-1975) pertencia à classe Bellatrix que, com 13 exemplares,
foi a mais numerosa do seu tipo usada nas guerras de 1961-1974. Feitas na RFA dade, como o perigo real de um ataque em força na fronteira
e em Portugal (o segundo lote) foram usadas nos três teatros de operações. europeia era remoto na maior parte das situações, enquanto as ✎
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