Page 347 - Revista da Armada
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restantes necessidades eram urgentes e prementes, esta função vai Portugal nos séculos XVIII e XIX, como até bem avançado o sécu-
permanecer como central nos planos navais, mas só muito parcial- lo XX o Arsenal da Marinha de Lisboa era a mais complexa e a
mente concretizada em termos de unidades e meios efectivos. maior instalação industrial existente no país. A máquina a vapor,
A partir de 1945 a situação muda. Pela primeira vez os respon- por exemplo (uma das técnicas básicas da primeira revolução
sáveis nacionais reconhecem que Portugal continental não se pode industrial) veio para Portugal aplicada à navegação (em 1820) e
defender na fronteira ou no campo entrincheirado de Lisboa, con- vulgarizou-se minimamente com as campanhas da guerra civil,
ceito obsoleto com os novos meios técnicos. A política militar que trazem a primeira geração de engenheiros maquinistas
nacional em termos da Europa passa a ter no centro a cooperação (ingleses) para o país. A primeira máquina a vapor nacional foi
do país em tempo de paz com os aliados, de modo a criar um dis- feita no Arsenal, tal como sairiam da Escola Naval os primeiros
suassor conjunto crível. Até 1961 essa cooperação era vista princi-
palmente como um esforço conjunto com a Espanha para a defesa
dos Pirinéus. A partir de 1949, a tendência, porém, era para dar um
peso crescente à colaboração no seio da NATO. Depois de 1974,
essa foi, sem dúvida, a referência primordial. A Armada desem-
penhava um papel importante nesta cooperação, a pontos de ser a
arma mais beneficiada com a ajuda externa nos primeiros dez anos
de inserção na NATO. Entre 1960 e 1974 as guerras de África alte-
ram a divisão de recursos e a defesa do espaço europeu passa clara-
mente para segundo plano, com o abandono relativo das tarefas
NATO e da cooperação militar com a Espanha. No entanto, nestes
anos é a Armada que, com a formação do IBERLANT, se torna o
principal elo de ligação operacional à NATO, assegurando a pre-
sença portuguesa nos exercícios e treinos comuns, em conjunto com
as unidades aéreas do Montijo, herdeiras directas da aeronáutica
naval. O fim das guerras de África em 1974/75 altera por completo
de novo as prioridades da política militar, com um retorno às po- O navio hidrográfico D. Carlos I, recentemente aumentado ao efectivo da Armada,
sições tradicionais. Há um esforço de edificação de Forças Armadas é o mais moderno representante de um longo empenhamento da arma
mais pequenas e modernas, equilibradas e inseridas numa arqui- no desenvolvimento da ciência e da técnica nacionais.
tectura de defesa comum, que continua a ter a NATO como pilar
principal, embora com um crescente peso do esforço autónomo da engenheiros maquinistas nacionais. Mesmo algumas empresas
União Europeia. das tecnicamente mais desenvolvidas em Portugal nasceram a
A Armada, em resumo, foi ao longo de toda a Época Contem- partir do esforço dos programas navais, como é o caso da Parry
porânea um elemento essencial para o desenvolvimento de uma & Son, fundada por dois engenheiros ingleses contratados ante-
política militar adaptada à vertente da defesa externa do espaço riormente pelo Arsenal da Marinha. Já nos finais do século XIX o
europeu. Arsenal de Lisboa seria ainda responsável pelo uso pioneiro da
tecnologia do trabalho do aço ou pela aplicação da electricidade a
CIÊNCIA, TÉCNICA. ARTES E LETRAS fins industriais. Foi a Armada que, na passagem do século,
desempenhou um papel central no desenvolvimento de algumas
Numa opinião pessoal uma das mais importantes funções do das novas ciências em Portugal, como a meteorologia, a astrono-
militares na Época Contemporânea em Portugal tem sido a de mia, a oceanografia ou a hidrografia, para já não mencionar a
funcionarem como veículos de modernização da sociedade, em geografia, a etnografia, a antropologia ou a botânica, com
termos da técnica, da ciência, das formas organizativas e políti- influências múltiplas, onde a Armada é uma das significativas.
cas. É uma função pouco importante nos grandes poderes, como Algumas das técnicas mais importantes do século XX chegam ao
a Inglaterra ou os EUA, mas essencial nos pequenos e, muito em país através da Armada, como sejam parcialmente o aço, as
especial, num poder tão original como Portugal. As novidades comunicações rádio, a electricidade, os motores de explosão.
técnicas e científicas tendem a chegar ao país através dos mili- Mais tarde, depois da 2ª Guerra Mundial, a Armada cumpre uma
tares, em programas de rearmamento financiados e apoiados do importante função na vinda para Portugal das tecnologias liga-
exterior para responder a crises. Estes são acompanhadas em das à electrónica e à informática.
regra de uma mobilização, de amplas transformações na organi- Os oficiais da Armada desempenham ainda um papel em
zação, mentalidade, técnicas, tácticas e funcionamento das Forças alguns campos das letras e da cultura, aspecto normalmente
Armadas, o que é um resul- sublinhado pelos poucos
tado directo da importação autores que estudam estes
de novas tecnologias. Quan- assuntos mas que, numa
do a crise passa e se dá a opinião pessoal é muito
desmobilização, os largos menos importante do que a
milhares de antigos mi- Foto do arquivo do Museu de Marinha. sua função na vertente da
litares que regressam à vida ciência e da técnica. Neste
civil são outros tantos último campo, a Armada é
veículos de transmissão das pura e simplesmente vital
técnicas, formas organizati- para as grandes técnicas
vas, atitudes e mentalida- que marcaram o contem-
des que aprenderam nas porâneo e sem as quais es-
fileiras. te não existia. No caso das
No caso da Armada, bas- letras e das artes a acção
ta recordar que não só a dos oficiais da Armada é
formação dos oficiais foi o meramente auxiliar e com-
grande incentivo para o de- Canhoneira de 1ª geração Rio Guadiana (1865-1875), feita no Arsenal da Marinha de Lisboa, plementar, mas nunca vi-
senvolvimento da mate- com máquina importada da Inglaterra, apesar do Arsenal ter já fabricado a primeira máquina tal. Deve ser salientado,
mática e da engenharia em a vapor nacional. porém, o seu contributo na
20 NOVEMBRO 99 • REVISTA DA ARMADA