Page 122 - Revista da Armada
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Crónica de Timor
Crónica de Timor
O N.R.P. “Com. Hermenegildo Capelo” em trânsito para Timor
te
1ª Parte
A LARGADA ma, com modos bruscos. Depois vai pedin- necessárias “declarações amigáveis de aci-
(20 DE JANEIRO DE 2000) do, ou melhor, exigindo, um café, uma bar- dente” para posterior ressarcimento de
ra de chocolate, um oleado para a chuva despesas.
navio larga da Base Naval debaixo (com grandes familiaridades, dirige-se ao A concessão de licenças à guarnição
de um ensurdecedor coro de api- Sr. Comandante e pede satisfações pelo esteve pendente da concessão de um livre-
O tos e sereias. Em todas as vergas de facto de toda a gente ter impermeáveis ves- -trânsito pelas autoridades locais, o que le-
sinais flutua a mensagem “BOA VIAGEM” tidos e ele ainda não). Enquanto isso, so- vou intermináveis horas. Por este facto, ficou
do Código Internacional de Sinais e o cais mos “massacrados” pela pedinchice desca- reduzido a cerca de três horas o tempo dis-
está apinhado de “filhos-da-escola” que rada da tripulação da embarcação de pilo- ponível para visitar uma cidade totalmente
acenam e agitam os bonés no ar. Embora tos (que seguia junto a nós, sempre a apitar despida de atractivos, manifestamente insufi-
só à tarde seja a despedida ciente para desanuviar o
oficial no cais de Alcântara, espírito a quem vinha já com
com a presença do Ministro sete dias de mar. Enfim, uma
da Defesa Nacional, do Ge- estadia curta, mas recheada
neral Chefe do Estado-Maior de peripécias desagradáveis.
General das Forças Arma- É já de madrugada que ini-
das, do Almirante Chefe do ciamos a travessia do Canal.
Estado-Maior da Armada e O piloto embarcado mostra-
do Vice-Almirante Coman- -se bastante reservado, em-
dante Naval, além dos mui- bora não se acanhe a pedir
tos familiares dos militares café atrás de café e uma
da guarnição que lá estarão, cadeira para descansar (já,
é esta calorosa manifestação entretanto, fizera uso, sem
o verdadeiro adeus da Famí- grandes cerimónias, da ca-
lia Naval, que em uníssono deira do Sr. Comandante). O
proclama: “Boa sorte, ca- Passagem do Bósforo. pior, porém, está ainda para
maradas, até um dia destes. vir. O segundo piloto embar-
Hoje são vocês, amanhã se- cado começa por exigir um
remos nós”. e que, depois, voltou à carga, desta vez camarote para repousar. Embora já estivésse-
É grande a comoção, de parte a parte, e com nova tripulação) e do pessoal de ma- mos preparados para esta exigência, nunca
não podemos deixar de recordar a partida nobra de cabos: “Cigarettes, cigarettes! nos passara pela cabeça que o camarote (de
da “Vasco da Gama” há quatro meses Smokes!”. E nunca é suficiente o que lhes oficial, claro) que lhe foi oferecido o escan-
atrás, num ambiente semelhante. Nessa al- damos, exigem sempre mais cigarros, mais dalizasse pelo facto de não ter música nem
tura muitos de nós exclamaram, em tom de bonés do navio para cumprir as funções casa de banho. Ameaçou logo sair ali (o que
brincadeira “Não se preocupem que, para que lhes cabem (e pelas quais são pagos), implicaria um atraso de várias horas até se
o ano, lá estaremos para vos render!” caso contrário, nada feito. conseguir outro piloto) e só com grande per-
Quantos, então, acreditariam realmente Somos informados, à última hora, que suasão (e uns volumes de tabaco) o con-
nisso, esquecendo como a Marinha é pe- não vamos, afinal, amarrar à bóia, mas sim seguimos convencer a prosseguir. Durante
quena e que as situações acabam por ca- atracar. A estadia no porto obriga a tomar todo o percurso revelou grande arrogância e
lhar a todos? certas precauções de segurança e o grupo não se coibiu de fazer alguns comentários
É, de facto, pequena, a nossa Marinha, de serviço tem, assim, de ser reforçado com desagradáveis e impertinentes sobre os mili-
mas grande o coração dos nossos mari- uma equipa de vigilância. Apesar da pre- tares femininos da guarnição, enquanto
nheiros. É por isso que, ao sair o canal do sença dissuasora de dois fuzileiros armados mencionava o facto de ter várias mulheres.
Alfeite, o ar ainda vibra com o eco das des- junto à prancha, aglomera-se, no exterior, Não nos faltou vontade de o esclarecer e
pedidas. um numeroso grupo de vendilhões a tentar deixar claro que ali não havia homens e mu-
a sorte. Na ânsia de fazer negócio, um dos lheres mas sim militares da Marinha de
TRAVESSIA DO CANAL DE SUEZ vendedores cai à água, enquanto tenta re- Guerra Portuguesa. Contudo, a má educa-
(27-28 JANEIRO) cuperar um saco de papiros arrastado pelo ção do anfitrião não nos liberta, de modo al-
vento. É “repescado” sem problemas, não gum, dos deveres de cortesia inerentes aos
Já tínhamos ouvido muitas histórias sobre sem que antes o aviso “HOMEM AO MAR visitantes.
estas paragens, mas nunca estamos ver- POR ESTIBORDO! NÃO É EXERCÍCIO!”
dadeiramente preparados para o que apanhe de surpresa todo o grupo de ser- MAR VERMELHO
vamos encontrar! Ao largo de Port Said, viço. À tarde, durante o reabastecimento de (31 JANEIRO - 1 FEVEREIRO)
encoberto pelo nevoeiro embarca o piloto, combustível, somos abalroados pela bar-
que chega de mau-humor, a protestar pelo caça, durante a manobra de atracação, re- Em dois dias, apenas, passámos de um
facto de ter sido obrigado a transpor a ba- sultando daí danos na “cegonha” da em- frio glacial para um calor abafado, ou seja,
laustrada. “Podia ter caído ao mar!”, recla- barcação de bombordo. Lá se lavraram as fomos ao encontro do Verão antes que ele
12 ABRIL 2000 • REVISTA DA ARMADA