Page 125 - Revista da Armada
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tempos a tempos, para o mar. Ao esquecer as cia civilizacional; reencontrar a sua posição da China parece estar ligado às capacidade
suas fronteiras marítimas, a China foi alvo histórica de potência hegemónica no Extremo técnicas do seu povo. Efectivamente, as dife-
dos interesses ocidentais. Na verdade, duran- Oriente, que havia perdido no séc. XIX. rentes direcções políticas extremamente con-
te 80 anos, desde 1840 a 1919, muitos países servadoras e os modos de vida tradicionais
imperialistas humilharam a China com trata- O PAPEL DA CHINA num território amplamente rico conduziram
dos forçados e desiguais nas conhecidas NO MUNDO ACTUAL a uma carência endémica de tecnologia e de
guerras do Ópio. O Japão empreendeu a saberes modernos que permitissem apro-
Guerra Sino-Japonesa, em 1894. A Rússia, Sun Yat-sen considerou territórios perdidos veitar esses recursos. Esta consciência fez re-
Grã-Bretanha, Estados Unidos e a França for- a Coreia, Birmânia, Tailândia, Java, Nepal, flectir a direcção política chinesa que está actual-
çaram, em 1900, o governo Qing a assinar Butão e o Ceilão. Mao Tse-tung não foi tão mente a conduzir a China para um novo sis-
mais tratados, que não eram mais do que longe, mas também entendia que a Coreia, a tema por forma a industrializar rapidamente
concessões, dividindo a China em esferas de Formosa, as ilhas Pescadores, Porto Artur, a o país numa estratégia total que visa a hege-
influências. Birmânia, o Butão, o Nepal, Hong-Kong e monia absoluta na região e uma forte posi-
Macau eram territórios chineses arrebatados ção no contexto mundial. Efectivamente, a
O INÍCIO DA NOVA ERA pelos imperialistas. Desde então este con- economia voltou para o centro das questões
ceito de "territórios perdidos" tem prevalecido políticas e levou a que se ultrapassasse a
Em 1911 Sun Yat-Sen liderou a revolução na mente dos dirigentes chineses que man- doutrina do Livro Vermelho conduzindo a
que afastou definitivamente a dinastia Qing. têm vivas estas reivindicações. Será esta a RPC para, como diz Jiang Zemin, "um país
Viveram-se depois períodos conturbados de China que está na mente de Jiang Zemin? dois sistemas". Actualmente a China, além de
guerra civil entre o Kuomintang (Partido Na- A China é actualmente reconhecida como Hong-Kong e Macau, conta com diversas
cionalista Chinês), os comunistas e facções uma grande potência regional. Na verdade, zonas especiais, todas na zona costeira.
de senhores da guerra. os objectivos políticos da China claramente O facto de apenas ter capacidade para
A segunda guerra mundial marcou definiti- denunciam o desejo de se tornar numa su- projectar poder e influência no oceano
vamente a organização actual da China, já perpotência. A estratégia total que daí resulta Pacífico, do qual são igualmente ribeirinhos
que permitiu fortalecer os guerrilheiros co- dá claramente credibilidade a esta ideia, já a superpotência Americana, a ex-superpotên-
munistas do norte, apoiados por Estaline, que que se assiste a um grande crescimento eco- cia ex-URSS e ainda o Japão é uma vulnera-
viriam a ganhar decisivamente a guerra civil nómico, resultado das reformas económicas bilidade. Se não houvesse a rede de alianças
que rompeu em 1946. que mudaram radicalmente a economia chi- dos americanos a sul, a vigilância do Japão a
A 1 de Outubro de 1949, há 50 anos, nesa, a um aumento do poder militar, basea- Oriente e a atitude vigilante da Índia, o poder
nasceu, pela mão de Mao Zedong (Mao Tsé- do numa estratégia genética a procurar a mo- continental da China desenvolver-se-ia natu-
-tung) a República Popular da China. Os dernização, o desenvolvimento tecnológico ralmente para a Orla do Mundo. Está, no en-
nacionalistas de Chiang Kai-shek viriam a e a capacidade de projectar poder e, final- tanto, debruçada sobre rotas marítimas que
fugir para a Formosa (Taiwan), declarando mente, face ao claro desenvolvimento da sua são de extrema importância para a URSS e
Taipé capital provisória da China. Em 1958, política externa. Os requisitos necessários para o Japão, o que lhe confere potencialida-
vivendo-se um clima de conflito entre as para se ser uma superpotência correspondem des consideráveis nos domínios económicos,
duas partes, a 7ª Esquadra da Marinha dos à capacidade (poder nacional) de um país diplomático e militar. Note-se ainda que a
EUA apoiou os nacionalistas exilados na ilha para: exercer influência externa ímpar nos China, por lhe ser mais difícil projectar in-
Formosa levando à assinatura de um cessar- planos cultural (incluindo o da ciência e da fluência e poder para oriente, para norte e
-fogo, deixando o problema da Formosa tecnologia), económico, militar, psicológico, para sul – onde encontra barreiras naturais e
latente até aos nossos dias. político; usufruir da maior liberdade de ac- a Federação Russa e da União Indiana – irá
Nos anos 50, a China definia-se como alia- ção no sistema internacional; assegurar au- virar-se mais para o Pacífico, para o Sueste
da da União Soviética para depois liderar os tonomamente a sua defesa militar contra Asiático e para a Oceânia.
países do Terceiro Mundo contra as duas quaisquer poderes existentes – isolados ou Do ponto de vista económico a China difi-
superpotências. Nos anos 80, aproveitou o associados; liderar grandes blocos de países cilmente conseguirá manter taxas de cresci-
declínio da União Soviética, para se afirmar ou grandes pactos militares. mento tão elevadas, no entanto, há previsões
numa posição mais equidistante. Com o fim Assim, ser uma superpotência total (ou a apontarem a China de 2010 como a maior
da «Guerra Fria» e da competição entre as su- completa) implica então excepcional dimen- economia mundial. Este crescimento pode
perpotências a China viu-se obrigada a re- são geográfica, população da ordem das cen- permitir sustentar um programa de moderni-
definir a sua estratégia total. Basicamente de- tenas de milhões com apreciável qualidade zação militar especialmente dirigido à Mari-
finiu dois grandes objectivos: liderar a cultura cultural e técnica, elevada taxa de auto-sufi- nha e à Força Aérea.
chinesa, tornando-se num estado de referên- ciência quanto a recursos naturais estratégicos, A China tem actualmente armas nucleares
acesso mais ou me- de ponta, baseadas em tecnologia eventual-
nos directo aos oce- mente "copiada" dos americanos e tem um
anos mais impor- programa espacial que conta testar um
tantes para projec- vaivém espacial em 2005.
ção de influência e
de poder, etc. A CHINA DE NOVO VIRADA
O elemento hu- PARA O MAR
mano, porque é de-
cisivo para a con- Embora sem ameaças à sua segurança, a
versão do potencial China está a mudar radicalmente a sua estra-
estratégico (ou po- tégia militar e os meios associados, tendo fei-
der potencial) em to uma profunda análise do que aconteceu na
poder nacional (ou Guerra do Golfo e no Kosovo. A estratégia da
poder efectivo), po- China é agora virada para a capacidade ofen-
de ser factor de for- siva designada por "defesa activa", ou seja,
ça ou de fraqueza "capacidade para entrar numa guerra limitada,
dos países. O gran- altamente tecnológica, com os seus vizinhos
Cerimónia dos 50 anos da RPC. de problema actual fracos, em especial da periferia marítima". ✎
REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2000 15