Page 192 - Revista da Armada

N.E. “SAGRES”

Na rota de Álvares Cabral
Na rota de Álvares Cabral

A viagem até ao Brasil nos 500 anos do “Achamento”

1ª Parte

No ano em que se comemoram os 500 anos do Descobrimento
do Brasil, por Álvares Cabral, o N.E. “Sagres” participa, com o
Navio-Veleiro “Cisne Branco”, com a caravela “Boa Esperança”,
e com outros barcos à vela, na viagem comemorativa. Serve de
base comparativa ao nosso relato da viagem do N.E. “Sagres”,
no trajecto até Salvador da Bahía, a carta que Pêro Vaz de
Caminha escreveu, ao rei D. Manuel, em Porto Seguro, no dia
1 de Maio de 1500.

ram 10h15m quando o N.E. “Sagres” Diogo Gomes
passou em frente à Torre de Belém, com
Evento fraco de nordeste, força 2 (4 a 6 Diogo Gomes era moço da câmara do
nós). Os navios foram preguiçosamente sain- infante D. Henrique e foi também seu nave-
do a barra do Tejo, o N. E. “Sagres”, com os gador. Para além de uma viagem à Madeira,
veleiros da A.N.C., rumaram às Canárias, a terá participado, com Gil Eanes e Lançarote,
fim de fazer escala em Santa Cruz de na expedição militar à ilha de Tider. Numa
Tenerife. Os veleiros da regata, acompanha- navegação efectuada em 1456 esteve na
dos pelo “Cisne Branco”, que só saíu de Lis- embocadura do rio Grande (actual rio Geba,
boa no dia 9, e pela caravela “Boa Esperan- na Guiné) e terá, no regresso, subido o rio
Gâmbia até Cantor, onde obteve as
ça”, dirigiram-se para o Funchal. primeiras informações sobre as explorações
Como escreveu Pêro Vaz de Caminha, a mineiras no Senegal e Alto Níger, bem
Armada de Álvares Cabral avistou as ilhas no como acerca das rotas saharianas do ouro e
dia 14 de Março. Tendo largado, como vi- do importante entreposto comercial que era Daqui largámos no dia 18 de Março,
mos, um dia depois do N. E. “Sagres”, chegou Tombuctu. Provavelmente, no regresso seguidos pelos veleiros do cruzeiro
ao arquipélago com dois dias de vantagem desta viagem, acompanhado pelo nave- Portugal/Brasil, com bom vento ENE, para a
relativamente à viagem do ano 2000. Aliás, a gador genovês Antonio da Noli, terá des- etapa que nos levaria ao Porto Grande do
viagem de Cabral terá sido uma das viagens coberto e desembarcado nas ilhas orientais Mindelo, na ilha de São Vicente (Soncente,
mais rápidas, no trajecto Lisboa/Canárias, de do arquipélago de Cabo Verde, como ele em creoulo), em Cabo Verde.
toda a história da carreira da Índia, com uma próprio afirma na sua Relação. Em 1459/60 O “Cisne Branco”, saído do Funchal, teve
voltou à Guiné e explorou a região do rio
impressionante média de 5,9 nós. dos Barbacins. No regresso de uma destas oportunidade de mostrar, no dia 23 de
«...e sábado 24 do dito mês [Março] entre as viagens poderá ter descoberto as ilhas Março, toda a sua beleza de veleiro elegante
que é, ao passar, bem próximo do N. E.
8 e 9 oras nos achamos entre as Canárias Selvagens. “Sagres”, navegando com todo o pano. À sua
mais perto da Gran Canária e ali andámos passagem, o nosso navio efectuou três tiros
todo aquele dia em calma a vista delas obra E terminada que estava a breve visita à de salva, ao que foi correspondido, do outro
de três ou quatro léguas,...»
ilha, foi caçado pano e o navio navegou, lado, num gesto simpático, com música por-
O N.E. “Sagres”, com os habituais compro- com bom vento, rumo a Tenerife. Neste tra- tuguesa da guitarra de Carlos Paredes.
missos assumidos relativamente à data de jecto, desde Lisboa, foi avistada inúmera Pequenos gestos e pequenas coisas de que
chegada aos portos, e apesar de contar com fauna marinha como cachalotes, golfinhos e são feitas as memórias dos homens do mar.
vento fraco durante quase todo o trajecto, tartarugas.
teve ainda tempo para pairar a sul da ilha E bem cedo, como previsto, o N.E. “Sa- «...depois que em boa hora daqui partirem
Selvagem Grande, no dia 13 de Março. Esta gres”, atracou no dia 15 de Março no bonito farão o seu caminho direito a ilha de San-
ilha terá sido descoberta numa das viagens de porto de Santa Cruz de Tenerife. E mais boni- tiago e se ao tempo que aí chegarem tiverem
exploração levadas a cabo por Diogo Gomes to ficou com a presença do navio-escola da água em abastança para quatro meses não
(1456 ou 1460), ainda durante a vida do in- Marinha Portuguesa. Como é hábito o navio, devem passar na dita ilha nem fazer nenhu-
fante D. Henrique. e a sua guarnição, foram alvo de inúmeras ma demora...»
Com a semi-rígida, foi possível proporcio- atenções. Enorme êxito teve a recepção ofi-
nar a visita à ilha aos jornalistas embarcados, cial oferecida a bordo, e à guarnição foi dada Estas eram as instruções de Vasco da
bem como a alguns elementos da guarnição. a oportunidade de visitar a ilha em excursões Gama a Álvares Cabral para o trajecto de
Aí houve tempo de conhecer melhor, e in previamente organizadas. Lisboa às ilhas de Cabo Verde. Não tendo o
loco, o trabalho desenvolvido pelos biólogos Neste porto, provavelmente devido a uma N.E. “Sagres” uma missão tão espinhosa
e vigilantes da natureza, relativamente ao es- menor divulgação acerca do facto de o navio como a do capitão da segunda armada da
tudo das espécies que povoam, ou migram, se encontrar aberto a visitas, o N.E. “Sagres” carreira da Índia, estava por isso programada
para aquela ilha. registou apenas 300 visitantes em dois dias. uma paragem em Cabo Verde, mesmo sem

10 JUNHO 2000 • REVISTA DA ARMADA