Page 22 - Revista da Armada
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mente o objectivo de definir o âmbito da b) Aplicar por analogia uma disposição ex- se encontravam sob jurisdição das autori-
competência territorial da CDPM e o faz de cepcional – como é a citada disposição do dades marítimas, afectação susceptível de
forma tão explícita que a sua letra não Decreto nº. 5/85, que faz excepção ao re- produzir os mais graves efeitos, como vere-
admite dúvidas de carácter jurisprudencial gime normal das capitanias em matéria de mos, mais adiante.
ou doutrinal sobre os seus termos, não jurisdição territorial subverte, neste caso, Se a CDPM não pode recusar a aplicação
podemos interpretá-lo no sentido de que ele dois princípios basilares da interpretação de diplomas inconstitucionais que lhe
quer dizer também o contrário do que clara das leis, pois ninguém pode, plausivel- digam respeito, pode–e deve-abster-se de os
e indubitavelmente diz. Será a subversão mente, afirmar que há uma lacuna no utilizar para fins interpretativos quando lhe
mesma do princípio geral sobre interpre- diploma estatutário da CDPM quanto à sua não digam directamente respeito, mor-
tação das leis, referido no nº. 2 do artigo 9º competência territorial, como ninguém mente, como é o caso, se resultarem de tal
do Código Civil, onde se dispõe que “não pode invocar a analogia entre o regime e utilização consequências perversas.
pode ser considerado pelo intérprete o pen- competências de uma capitania (um órgão Por todas as razões expostas, entendo
samento legislativo que não tenha na letra activo de carácter singular) e a CDPM (um que, enquanto não for publicado um di-
da lei um mínimo de correspondência ver- órgão consultivo de natureza colegial); ploma legal directamente aplicável à
bal, ainda que imperfeitamente expresso”. Acresce que o Decreto-Lei nº 300/84 não CDPM, diploma que necessariamente de-
Tal subversão interpretativa, como a da pode ser alterado por um simples decreto, verá eliminar ou contornar as consequên-
referida proposta, obrigar-nos-ia a concluir, sobretudo pela via interpretativa nele fun- cias adversas que possam advir de uma
por maioria de razão, que, não obstante a lei damentada, mesmo que tal decreto não alteração da área de jurisdição da CDPM,
estabelecer que os limites da jurisdição da seja inconstitucional. Ora a verdade é que essa área não pode ser alterada, sob pena
Capitania do Porto de Lisboa, no rio Tejo, se há todas as razões para afirmar a inconsti- de se cometer uma ilegalidade.
situam em Vila Franca de Xira, no Sorraia, tucionalidade do Decreto nº. 5/85,
próximo do mouchão da Cabra e, no Coina, porquanto ele afecta ao domínio público Dr. José Pedro Fernandes
junto à ponte, o certo é que, por interpretação hídrico uma vasta área do território na- Decano da C.D.P.M.
analógica, a jurisdição dessa capitania abran- cional, ao alargar de trinta para cinquenta
ge também todo o curso nacional do rio Tejo, metros a margem das águas navegáveis ou
como se passa relativamente ao rio Douro... flutuáveis do rio Douro que até 1985 não (Conclusão no próximo número)
O sentido da nossa Homenagem
O sentido da nossa Homenagem
Senhor Dr. José Pedro Pereira Monteiro
Fernandes acaba de completar em 6 de
ODezembro de 1999 cinquenta anos como
membro da Comissão do Domínio Público
Marítimo.
Nascido a 14 de Março de 1916, é licenciado em
Direito e exerceu o cargo de Director-Geral do
Património do Estado, de que se aposentou em
1986. É autor, em colaboração com o Professor
Doutor Diogo Freitas do Amaral, da obra intitulada
“Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio
Hídrico”. Foi condecorado em 1995 com a Medalha
da Cruz Naval de 1ª classe.
Muitos são os serviços relevantes que o Senhor
Dr. Monteiro Fernandes tem prestado ao País
noutras funções. Bem o sabemos. Não se esquece
também a importância dos estudos jurídicos que vem elabo- Pela nossa parte, cabe manifestar-se, nesta data simbólica,
rando, designadamente no âmbito do direito marítimo e do sincero reconhecimento pela actividade desenvolvida na
direito administrativo. Comissão do Domínio Público Marítimo. Recordamos os
inúmeros e valorosos pareceres de que tem sido relator, a con-
tribuição inestimável com que no caso enriquece a apreciação
de processos confiados a outros membros da Comissão, a sua
assiduidade insuperável, a elegância do seu convívio, em
suma, a riqueza humana e científica que nos tem comunicado.
Eis o depoimento que se acrescenta à lembrança que ficam
dos testemunhos indeléveis das gerações que nos precederam.
A presente homenagem não é um ponto final. Antes pelo
contrário, assume o sentido de uma esperança no duplo signi-
ficado de aguardar e de aguardar confiadamente que o Senhor
Dr. José Pedro Pereira Monteiro Fernandes continue a privile-
giar-nos por largo tempo com a sua colaboração preciosa. E
que conte a idade tão-só pelo número de amigos sinceros que,
dia após dia, vai inevitavelmente acrescentando, entre os quais
todos nos contamos.
(Colaboração da C.D.P.M.)
20 JANEIRO 2000 • REVISTA DA ARMADA