Page 21 - Revista da Armada
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(Do Livro “Comentário à lei dos Terrenos do Domínio Hídrico”)           mais águas sujeitas à influência das marés,
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                                                                               geral, mas que apresenta excepções.
                                                                                 Duas destas excepções já se verificaram
                                                                               desde tempos bastante anteriores a 31 de
                                                                               Julho de 1972, data em que foi publicado o
                                                                               Decreto-Lei nº. 265/72, especificamente as
                                                                               áreas de jurisdição das capitanias dos por-
                                                                               tos, diploma que vigorava na altura da pu-
                                                                               blicação do referido Comentário à Lei dos
                                                                               Terrenos do Domínio Hídrico.
                                                                                 Tais excepções diziam respeito às capita-
                                                                               nias dos portos de Caminha e de Vila Real
                                                                               de Santo António. No primeiro caso, a juris-
                                                                               dição da capitania de Caminha estendia-se,
                                                                               no rio Minho, para montante do limite
                                                                               atingido pela onda-maré até à ponte de
                                                                               Vilar de Mouros numa extensão de águas
                                                                               meramente fluviais de algumas dezenas de
                                                                               quilómetros; no segundo caso, a jurisdição
                                                                               da capitania de Vila Real de Santo António
                                                                               estendia-se, no Guadiana, para montante do
         que, genericamente, pertencem ao domínio  territorial da CDPM. Indubitavelmente, nos  limite atingido pela onda-maré até ao
         público hídrico – abrangendo o conjunto  termos da lei, a CDPM só podia intervir nas  primeiro açude a Norte de Mértola, numa
         das águas marítimas e não marítimas (fluvi-  áreas do domínio público marítimo, isto é,  extensão, também, de dezenas de quilóme-
         ais, lacustres, etc.) – sem nunca usar a  onde chegasse a água do mar, que o  tros. Todavia, nestes dois casos nunca a
         expressão “domínio público marítimo”,  mesmo é dizer, aonde chegasse a influência  CDPM teve qualquer dúvida de que a sua
         conceito que, todavia, resulta implícito,  das marés. Como poderia a CDPM fixar no  competência territorial não ultrapassava o
         como veremos, do seu próprio enunciado.  terreno – nomeadamente dentro dos rios  limite das águas marítimas dos rios. Isto é,
           Assim, dispõe o artigo 5º. “Consideram-se  confinantes com o mar ou afectados pela  durante os quase 80 anos de existência, a
         do domínio público do Estado o leito e a  maré – o local exacto até onde, em cada  doutrina unanimemente pacífica dentro e
         margem das águas do mar e de quaisquer  caso, chegasse a onda-maré?   fora dela, tem sido a de que, como per-
         águas navegáveis ou flutuáveis, sempre que  Logo desde os primeiros tempos, a CDPM  ceituada a lei, a competência da Comissão
         tais leitos e margens lhe pertençam...”  resolveu adoptar os limites físicos fixados  só se exerce na área do domínio público
           Este artigo enuncia o princípio de que,  pela Marinha como limites da jurisdição das  marítimo.
         genericamente, o leito e as margens das  capitanias dos portos. Sobre esta forma con-
         águas do mar e de quaisquer águas nave-  vencional e indirecta de fixar tais limites  É por isso surpreendente que, no princípio
         gáveis ou flutuáveis, constituem domínio  pode ler-se a seguinte explicação a págs. 70  do corrente ano de 1999, tenha surgido, no
         público do Estado quando a este    do referido Comentário à Lei dos Terrenos  seio da CDPM, uma proposta segundo a
         pertençam. E os números 2 e 3 do artigo 2º  do Domínio Hídrico: “Poderá dizer-se que  qual, tendo o Decreto Regulamentar nº.
         estabeleceram a divisão fundamental entre,  o estabelecimento de linhas convencionais,  5/85, de 16 de Janeiro, ampliado a área de
         de um lado as “águas do mar bem como as  transversais ou longitudinais, constitui uma  jurisdição da Capitania do Porto do Douro
         demais águas sujeitas à influência das marés  forma de derrogar os princípios que rigoro-  até ao limite do curso nacional do rio, deve-
         (nº. 2) e, de outro lado, as “restantes águas”  samente decorrem da lei: se esta declara,  ria também a competência territorial da
         (nº. 3). As “restantes águas” costumam ser  como veremos, que o limite do leito ou das  CDPM acompanhar essa ampliação (que
         designadas por “águas fluviais”, designação  margens do mar e das águas sujeitas à  compreenderá cerca de duas centenas de
         que não é inteiramente rigorosa, visto como  influência das marés corresponde a determi-  quilómetros para além das águas marítimas)
         nesse grupo se incluem águas que não per-  nada realidade física que é o alcance da  porque, segundo tal proposta, sendo a
         tencem a rios, como sejam as dos lagos e  chamada onda-maré na máxima preia-mar  CDPM um organismo da Marinha deve a
         lagoas. Pelo contrário, há “águas marítimas”  de águas vivas equinociais, deveríamos ter  sua jurisdição acompanhar as modificações
         que não se encontram no mar, mas sim na  “águas sujeitas à influência das marés” onde  da jurisdição territorial das capitanias, que
         parte dos rios sujeita à influência das marés.  quer que se verificasse no sentido transver-  têm sido os serviços de referência da
           Temos assim que, jurídica e fisicamente,  sal ou longitudinal, essa realidade. Mas a  CDPM, para efeitos da definição da sua
         as águas marítimas são as que se encontram  isto se responderá que o intérprete tem o  competência aquando da sua aplicação
         sujeitas à influência das marés, sendo “as  dever de extrair da lei, sem ofensa da sua  prática no terreno.
         restantes” (referidas no nº. 3) as que não  ratio, conclusões que sejam operacionais,  A proposta ainda não foi discutida, o que
         sofrem a influência das marés.     de modo a emprestar-lhe a eficácia que se  não impede, obviamente, que neste breve
           É precisamente, a perfeita clareza da lei e  exprime por uma acção prática, clara e rápi-  trabalho, sobre ela emita a minha opinião.
         da doutrina, que explica que durante os  da. E afigura-se que, se nos agarrássemos  Direi, então, o seguinte:
         quase 80 anos de vigência da Comissão,  cegamente às indicações da realidade física,  a) A clareza do texto legal que presente-
         nunca nenhum governo, nenhum departa-  não poderíamos nunca actuar naquelas  mente define a competência territorial da
         mento do Estado, nenhum jurista ou tri-  condições, pois a onda-maré pode chegar  CDPM, é tal que não admite a interpretação
         bunal tenha tido qualquer dúvida de que o  amanhã 1 ou 2 metros ou 1 ou 2 quiló-  proposta. Com efeito, o nº. 1 do artigo 1º,
         âmbito da competência territorial da CDPM  metros mais longe...”      do Decreto-Lei nº. 300/84, dispõe que: “A
         se confinava à área claramente expressa no  Deste Comentário resulta claramente que  Comissão do Domínio Público Marítimo
         texto legal que directamente lhe é aplicável.  só era lícito à CDPM utilizar a fixação dos  destina-se a estudar e dar parecer sobre
           Todavia suscitou-se uma dificuldade de  limites estabelecidos para as capitanias no  assuntos relativos à utilização, manutenção
         ordem prática na aplicação das normas que  pressuposto de que a jurisdição destas se  e defesa do domínio público marítimo (sub-
         estabeleciam o âmbito da competência  exercia apenas nas águas do mar e nas de-  linhado nosso). Se este artigo tem exacta- ✎
                                                                                     REVISTA DA ARMADA • JANEIRO 2000  19
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