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A MARINHA DE D. MANUEL (6)
A Entrada no Índico
A Entrada no Índico
entrada na baía de Santa Helena, Atlântico que durou três meses; depois
antes de dobrar o Cabo da Boa desfizeram o navio de apoio, e ao cabo
AEsperança, foi, aparentemente, de um mês já tinham falta de água; nessa
um pequeno acidente de percurso que altura arribaram para a tomar, veri-
Melinde
poderia dever-se a uma informação defi- ficaram tratar-se de uma terra acolhedo- Monbaça
ciente da latitude do Cabo ou a qualquer ra de gente muito sociável (ao ponto de
dificuldade de determinação da mesma lhe chamarem Terra da Boa Gente), mas
nos últimos dias da "volta do mar". Não só pararam o estritamente indispensável ÁFRICA Zanzibar
encontramos nenhuma outra razão espe- (cinco dias), porque – como diz o Relato
cial para esta arribada. O que nos diz o – o tempo era de feição e queriam con-
Relato é que estiveram a limpar os navios tinuar o seu caminho. Mas, pouco tempo Moçambique
e tomaram lenha, não fazendo referência depois (25 de Janeiro) voltaram a parar
sequer a necessidade de água doce (em- no que chamaram de Rio dos Bons Sinais,
Rio dos
bora fosse normal que não tivessem um ramo superior da teia que cerca a foz Bons Sinais
muita) que acabariam por tomar mais do Zambeze e onde se veio a implantar a (Quiliname)
adiante, na Angra de S. Brás, onde cidade de Quelimane. Aí estiveram para- Terra da
Bartolomeu Dias também estivera em dos cerca de um mês. É claro que nunca Boa Gente
1488. teremos a certeza dos motivos que
Saíram de Santa Helena em 16 de levaram às decisões de Vasco da Gama, Natal
Novembro e fizeram bordos diversos, ao mas podemos imaginar que houve S. Helena © PÁGINA ÍMPAR
ta
mar e a terra, até conseguirem passar o momentos em que queria andar para a C. da Angra de S. Braz
Cabo da Boa Esperança e apanhar vento frente e sacrificava o descanso em locais Boa Esp.
Cabo das Agulhas
de popa que os levou à tal Baía de S. aprazíveis, e outros em que se deixava Correntes
Vento
Brás, onde chegaram a 25 do mesmo ficar, dando repouso e refresco às
mês. Aí, de facto fizeram aguada, recolheram guarnições. O Rio dos Bons Sinais deve a
alguma carne e desfizeram o navio de sua designação ao facto de nele ter sido
mantimentos. Esta última atitude não encontrada gente que se vestia de uma
deixa de ser curiosa: porque é que o des- forma familiar aos portugueses e que ali
mantelaram, numa altura em que não tinha vindo para comerciar. Esta visão «Em este lugar e ilha,
temos notícia de perdas humanas que libertava a mente dos marinheiros da a que chamam Moçambique,
justificassem falta de tripulação?… pesada angústia de andar a navegar em estava um senhor a que eles
Parece-nos que se tratou de uma acção espaço desconhecido, a quase sete meses
deliberada (planeada até): contaram com de Lisboa, e dava-lhe esperança sobre a chamam Sultão […]
ele para uma travessia longa (como fora possibilidade real de cumprir a missão
a volta pelo largo no Atlântico Sul) e que traziam. O Capitão-mor lhe deu
achavam que não voltavam a precisar A paragem seguinte foi na Ilha de
dele?! Saberiam alguma coisa do que os Moçambique, onde encontraram gente um dia um convite,
esperava, daí para a frente?… Talvez que falava árabe, viram navios de porte o qual foi de muitos figos
tivessem uma ideia vaga, com base em razoável que dispunham de agulha de e conservas e lhe pediu que lhe
informações que, pelo Mediterrâneo, navegação, encontraram mercadorias
chegavam a Portugal, dando notícia do que também eles procuravam e sentiram desse dois pilotos
movimento marítimo na costa oriental que estavam à beira de encontrar o que que fossem connosco.
de África. os trouxera até ali. Pediram um piloto E ele disse que sim,
Acompanhando a descrição do Relato, que os conduzisse à Índia, certamente
no percurso que se segue a Angra de S. porque teriam notícia de gente que fazia contando que os contentassem
Brás vemos que a esquadra se deparou esse caminho pelo mar e, no meio de e o Capitão-mor
com correntes contrárias e ventos não todos os problemas que viriam a lhes deu trinta meticais
favoráveis que poderiam variar em enfrentar nos primeiros contactos com o
pequenas ocasiões. Houve a preocu- mundo comercial do Oceano Índico, era de ouro […]"
pação de identificar os locais onde já sempre a busca de um piloto que moti-
estivera Bartolomeu Dias (Ilhéus Chãos, vava Vasco da Gama para aportar aqui Relato da Viagem de Vasco da Gama
Padrão de S. Gregório e Rio do Infante) e ou ali. Tentou-o em Moçambique e em
prosseguir a viagem para norte enquan- Mombaça, sem resultados, mas viria a
to era possível, mas a 10 de Janeiro obtê-lo em Melinde, onde o rei local
(pouco mais de um mês depois de sair recebeu cordialmente os portugueses e
de S. Brás) já tinham falta de água, aceitou a sua amizade.
aproximando-se do que vieram a chamar
de Terra da Boa Gente. Deve notar-se
aqui o seguinte: tiveram água e abasteci- J. Semedo de Matos
mentos suficientes para a travessia do CTEN FZ
REVISTA DA ARMADA • AGOSTO 2000 15