Page 269 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. MANUEL (6)



                            A Entrada no Índico
                            A Entrada no Índico




               entrada na baía de Santa Helena,  Atlântico que durou três meses; depois
               antes de dobrar o Cabo da Boa  desfizeram o navio de apoio, e ao cabo
         AEsperança, foi, aparentemente,    de um mês já tinham falta de água; nessa
         um pequeno acidente de percurso que  altura arribaram para a tomar, veri-
                                                                                                     Melinde
         poderia dever-se a uma informação defi-  ficaram tratar-se de uma terra acolhedo-         Monbaça
         ciente da latitude do Cabo ou a qualquer  ra de gente muito sociável (ao ponto de
         dificuldade de determinação da mesma  lhe chamarem Terra da Boa Gente), mas
         nos últimos dias da "volta do mar". Não  só pararam o estritamente indispensável  ÁFRICA         Zanzibar
         encontramos nenhuma outra razão espe-  (cinco dias), porque – como diz o Relato
         cial para esta arribada. O que nos diz o  – o tempo era de feição e queriam con-
         Relato é que estiveram a limpar os navios  tinuar o seu caminho. Mas, pouco tempo            Moçambique
         e tomaram lenha, não fazendo referência  depois (25 de Janeiro) voltaram a parar
         sequer a necessidade de água doce (em-  no que chamaram de Rio dos Bons Sinais,
                                                                                                        Rio dos
         bora fosse normal que não tivessem  um ramo superior da teia que cerca a foz                  Bons Sinais
         muita) que acabariam por tomar mais  do Zambeze e onde se veio a implantar a                  (Quiliname)
         adiante, na Angra de S. Brás, onde  cidade de Quelimane. Aí estiveram para-                 Terra da
         Bartolomeu Dias também estivera em  dos cerca de um mês. É claro que nunca                  Boa Gente
         1488.                              teremos a certeza dos motivos que
           Saíram de Santa Helena em 16 de  levaram às decisões de Vasco da Gama,              Natal
         Novembro e fizeram bordos diversos, ao  mas podemos imaginar que houve     S. Helena                  © PÁGINA ÍMPAR
                                                                                     ta
         mar e a terra, até conseguirem passar o  momentos em que queria andar para a  C. da   Angra de S. Braz
         Cabo da Boa Esperança e apanhar vento  frente e sacrificava o descanso em locais  Boa Esp.
                                                                                  Cabo das Agulhas
         de popa que os levou à tal Baía de S.  aprazíveis, e outros em que se deixava                  Correntes
                                                                                                         Vento
         Brás, onde chegaram a 25 do mesmo  ficar, dando repouso e refresco às
         mês. Aí, de facto fizeram aguada, recolheram  guarnições. O Rio dos Bons Sinais deve a
         alguma carne e desfizeram o navio de  sua designação ao facto de nele ter sido
         mantimentos. Esta última atitude não  encontrada gente que se vestia de uma
         deixa de ser curiosa: porque é que o des-  forma familiar aos portugueses e que ali
         mantelaram, numa altura em que não  tinha vindo para comerciar. Esta visão    «Em este lugar e ilha,
         temos notícia de perdas humanas que  libertava a mente dos marinheiros da  a que chamam Moçambique,
         justificassem falta de tripulação?…  pesada angústia de andar a navegar em  estava um senhor a que eles
         Parece-nos que se tratou de uma acção  espaço desconhecido, a quase sete meses
         deliberada (planeada até): contaram com  de Lisboa, e dava-lhe esperança sobre a  chamam Sultão […]
         ele para uma travessia longa (como fora  possibilidade real de cumprir a missão
         a volta pelo largo no Atlântico Sul) e  que traziam.                         O Capitão-mor lhe deu
         achavam que não voltavam a precisar  A paragem seguinte foi na Ilha de
         dele?! Saberiam alguma coisa do que os  Moçambique, onde encontraram gente     um dia um convite,
         esperava, daí para a frente?… Talvez  que falava árabe, viram navios de porte  o qual foi de muitos figos
         tivessem uma ideia vaga, com base em  razoável que dispunham de agulha de  e conservas e lhe pediu que lhe
         informações que, pelo Mediterrâneo,  navegação, encontraram mercadorias
         chegavam a Portugal, dando notícia do  que também eles procuravam e sentiram   desse dois pilotos
         movimento marítimo na costa oriental  que estavam à beira de encontrar o que  que fossem connosco.
         de África.                         os trouxera até ali. Pediram um piloto      E ele disse que sim,
           Acompanhando a descrição do Relato,  que os conduzisse à Índia, certamente
         no percurso que se segue a Angra de S.  porque teriam notícia de gente que fazia  contando que os contentassem
         Brás vemos que a esquadra se deparou  esse caminho pelo mar e, no meio de       e o Capitão-mor
         com correntes contrárias e ventos não  todos os problemas que viriam a       lhes deu trinta meticais
         favoráveis que poderiam variar em  enfrentar nos primeiros contactos com o
         pequenas ocasiões. Houve a preocu-  mundo comercial do Oceano Índico, era         de ouro […]"
         pação de identificar os locais onde já  sempre a busca de um piloto que moti-
         estivera Bartolomeu Dias (Ilhéus Chãos,  vava Vasco da Gama para aportar aqui  Relato da Viagem de Vasco da Gama
         Padrão de S. Gregório e Rio do Infante) e  ou ali. Tentou-o em Moçambique e em
         prosseguir a viagem para norte enquan-  Mombaça, sem resultados, mas viria a
         to era possível, mas a 10 de Janeiro  obtê-lo em Melinde, onde o rei local
         (pouco mais de um mês depois de sair  recebeu cordialmente os portugueses e
         de S. Brás) já tinham falta de água,  aceitou a sua amizade.
         aproximando-se do que vieram a chamar
         de Terra da Boa Gente. Deve notar-se
         aqui o seguinte: tiveram água e abasteci-              J. Semedo de Matos
         mentos suficientes para a travessia do                        CTEN FZ
                                                                                     REVISTA DA ARMADA • AGOSTO 2000  15
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