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A MARINHA DE D. MANUEL (33)
A Batalha Decisiva
A Batalha Decisiva
carta enviada por D. Manuel a preparasse para a batalha. Dispunha de três Sultão [...] e parece-me que não poderemos
D. Francisco de Almeida, em Abril naus, quatro caravelas e duas galés, com cerca deixar de nos este ano ver com eles de ver-
A de 1507 não deve ter chegado à Índia de 450 homens. É claro que a sua demora em dade, que será a coisa que eu agora mais de-
antes do final desse ano, quando o Vice-Rei já Chaul não escapara aos espiões do inimigo, sejo”. E segue-se uma espécie de testamento
andava preocupado com um perigo até aí de forma que acabou por ser atacado dentro político de D. Francisco de Almeida, dando
inédito na Índia: saía do Mar Vermelho e diri- da barra, em circunstâncias algo desfa- contas de tudo o que o acusava o rei e expli-
gia-se à Índia uma esquadra do Sultão do voráveis que levaram à perda da nau capitâ- cando algumas das suas ideias quanto à defe-
Egipto, comandada por Hussain Mushrif, nia, à morte de D. Lourenço e de mais uma sa da Índia, à forma como devia ser conduzi-
constituída essencialmente por soldados- centena e meia de portugueses, vários feridos da e ao rigor que tivera na sua conduta, mar-
escravos mamelucos e outros mercenários de e entre vinte a trinta prisioneiros que foram cada pelas circunstâncias.
todo o tipo, onde se incluíam venezianos sus- levados para Diu. A primeira amostra dos A partir de Setembro começa a concen-
tentados pela própria trar as suas forças em
“senhoria” que se via Cochim, preparando-se
afrontada pelo comércio para a guerra, e nem a
português do Cabo da notícia chegada de
Boa Esperança. Cerca de Lisboa em Outubro, de
1100 homens em seis que deveria regressar ao
naus e seis galés pro- reino na nau S. João, lhe
vidas de artilharia. É tolheu as intenções.
muito provável que Bom!... A nau S. João não
D. Manuel tenha co- chegou nem jamais
nhecimento desta esqua- chegaria. Era por ela
dra, uma vez que ela que receberia as ins-
perdeu dois anos em truções sobre como pas-
preparativos e acções sar o governo da Índia,
complementares no in- de forma que resolveu
terior do Mar Vermelho, avançar contra os rumes
onde pululavam os sem outras hesitações.
espiões portugueses que Avançou para Cananor,
faziam chegar infor- onde se encontrou com
mações a Lisboa e à Albuquerque (convi-
Índia. Aliás os reforços D. João de Castro – Tábua de Chaul (A Tábua está com o Norte virado para baixo pelo que se vê a entrada da dou-o para que o acom-
barra à nossa direita).
em navios são constan- panhasse, mas este não
tes e a esquadra portuguesa da Índia tem um rumes revelava-se desastrosa para os por- aceitou) e daí seguiu para o norte. Alcançou
peso significativo, sobretudo pela grande tugueses, e particularmente dura para o Vice- Diu em 2 de Fevereiro pela manhã, onde o
experiência dos soldados, marinheiros e -Rei que assim perdia o seu filho. Não se co- esperavam seis naus e seis galés egípcias,
capitães. É Timoja(1) que leva a notícia da sua nhece a data exacta desta batalha que durou quatro naus guzerates, trinta fustas de Diu e
presença nas águas do Índico a D. Francisco três dias, sabendo-se, todavia, que teve lugar setenta paraus de Calecut. O governador
de Almeida. numa sexta-feira, sábado e domingo do mês local já tinha feito um acordo com os por-
No final de 1507, o Vice-Rei escreve a de Março de 1508 (10, 11 e 12; 17, 18 e 19; ou tugueses (a que não deveria ter sido estra-
D. Manuel (ainda antes de ter recebido a 24, 25 e 26). nha a acção de Timoja), protegendo os seus
longa carta de que falei anteriormente, porque É depois deste acontecimento que D. Fran- próprios interesses e precavendo-se contra a
a armada de 1507 saiu de Lisboa atrasada, cisco de Almeida recebe a carta do rei cheia de presença dos egípcios que lhe causavam
teve de invernar em Moçambique e perdeu acusações e azedas críticas, a maioria das mais transtorno que os portugueses. A
um ano), do seu próprio punho, dizendo-lhe: quais verdadeiramente injustas, que resul- batalha teve lugar a 3 de Fevereiro e resul-
“ando nesta costa de Calecut com oito navios tavam apenas de intrigas e de um deficiente tou numa vitória retumbante para os por-
e Dom Lourenço [seu filho] com outros oito, e conhecimento em Lisboa da realidade do tugueses, que varreram do Índico a única
prazendo a Nosso Senhor, por aqui andarei Espaço Índico. No final do ano o vice-rei esquadra de alto bordo que até aí ousara
até que vá invernar a Cochim”. O que dá uma responde a D. Manuel com visível pesar pela fazer-lhes frente. Ocorrera aquilo que o pen-
ideia das operações navais que decorriam na forma como se sentia tratado. O seu mandato, samento estratégico moderno classificaria
costa do Malabar e da força portuguesa que de acordo com a carta que recebera em de batalha decisiva, neste caso favorável aos
poderia fazer frente à Armada dos Rumes Lisboa, terminaria no final desse ano, sabendo portugueses e garantindo a sua supremacia
(expressão por que eram conhecidos os já que Albuquerque lhe sucederia e que termi- por várias décadas.
turcos mamelucos). No princípio de 1508, naria ingloriamente as suas funções. Tinha
D. Lourenço de Almeida escoltava uns navios dado à sua missão tudo o que um homem J. Semedo de Matos
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de Cochim que foram carregar pimenta a pode dar, vira desaparecer o seu filho e via o
Chaul, onde ainda se encontravam por mea- seu esforço esboroar-se sem esperança de que Notas
dos de Março. Aí recebeu uma carta de seu alguém o compreendesse. Na carta que (1) Timoja é uma personagem curiosa de
pai vinda pela caravela redonda Conceição, escreveu ao rei diz a certa altura: “Meu filho é corsário indiano que procurou a amizade dos por-
tugueses desde muito cedo, e que vai estar pre-
que o informava da presença da esquadra morto, como a Nosso Senhor aprouve e Vossa sente com grande relevo junto de D. Francisco de
inimiga e dando-lhe instruções para que se Alteza saberá. Mataram-no os mouros do Almeida e Afonso de Albuquerque.
14 FEVEREIRO 2003 • REVISTA DA ARMADA