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A MARINHA DE D. MANUEL (46)




                Lopo Soares de Albergaria
                Lopo Soares de Albergaria



               governo de Afonso de Albuquer-  e domínios. Há um conjunto de circunstân-  bido, Albuquerque morreu na barra de Goa,
               que na Índia corresponde a um  cias que, certamente, pesaram nas decisões  em 16 de Dezembro de 1515, cerca de três
         O  momento de enorme centralismo  da altura e que fizeram com que D. Manuel  meses depois da chegada de Lopo Soares,
         de poderes, com um controlo restritivo de  resolvesse, efectivamente, substituir Afonso  que nunca se cruzou com o seu antecessor
         toda a actividade comercial que não fosse a  de Albuquerque que, em boa verdade, esta-  porque preferiu seguir para o Malabar, em
         da coroa portuguesa ou a que estives-                                      vez de esperar por ele em Goa.
         se por ela autorizada à priori. E esta é                                     A armada de Lopo Soares de Alber-
         com certeza uma das razões de toda                                         garia saiu de Lisboa em 7 de Abril de
         a campanha de intrigas movidas jun-                                        1515, levando 13 naus cujos capitães
         to do monarca, com o intuito evidente                                      estavam destinados a substituir todos
         de denegrir a sua imagem e suscitar a                                      os comandos principais do Estado da
         sua substituição. Uma das figuras de                                        Índia, numa alteração radical do que
         proa desta campanha foi certamente                                         fora organizado por Afonso de Albu-
         o Barão do Alvito, citado por Gaspar                                       querque. Sofala, Ormuz, Goa, Cana-
         Correia (Lendas da Índia) como inimi-                                      nor, Calecut (com quem, finalmente,
         go do governador, manobrando junto                                         tinha sido feita a paz com autoriza-
         de D. Manuel para que o fizesse subs-                                       ção de construção de uma fortaleza),
         tituir. Acabou por alcançar os seus in-                                    Cochim e Malaca eram os locais que
         tentos com a nomeação para o cargo                                         receberiam novos capitães. E – supi-
         de seu primo Lopo Soares de Alvaren-                                       na humilhação para Albuquerque, se
         ga (ou de Albergaria).                                                     estivesse vivo – o homem destinado
           A figura do Barão do Alvito é re-                                         a Cochim era Diogo Mendes de Vas-
         presentativa de uma classe de no-                                          concelos que tinha sido enviado preso
         bres e comerciantes que pululavam                                          para o reino em 1511, sob a acusação
         por Lisboa ao cheiro das mercadorias                                       de rebelião e desobediência. O sobri-
         da Índia, que viam os seus objec tivos                                     nho do governador (Aleixo de Me-
         malogrados pelo sistema de monopó-                                         nezes) seria o capitão da Armada da
         lio régio sobre o comércio do Oriente.                                     Índia, e Fernão Peres de Andrade, An-
         Albuquerque foi um dos obstáculos à                                        tónio Lobo Falcão e Jorge de Mascare-
         sua acção, mas o real argumento por-                                       nhas estavam destinados a demandar
         que não gostavam dele, naturalmente,                                       a China (voltarei a falar nesta expedi-
         não colhia junto do rei. Usaram, por                                       ção). A viagem correu muito bem até
         isso, de outro tipo de manobras que                                        Moçambique (Cristóvão de Távora fi-
         acabariam por sensibilizar D. Manuel:                                      cou em Sofala) e prosseguiu até Goa,
         falavam-lhe do perigo de um poder                                          onde chegaram a 8 de Setembro.
         tão grande como o que o governador   “Livro das Armadas” – Esquadra de 1515 de Lopo Soares de Albergaria.  Gaspar Correia relata esta chegada
         tinha construído no Oriente; acicata-                                      de Lopo Soares à Índia como um ver-
         vam eventuais desconfianças em relação a  va há cerca de seis anos no governo da Índia.  dadeiro balde de água fria que caiu sobre
         esse poder; exploravam tudo o que pudes-  Deve dizer-se, no entanto, que mesmo de-  as gentes que muito estimavam Afonso de
         se levantar suspeita sobre a figura de Albu-  pois de ter sido tomada a decisão e assumin-  Albuquerque. Deve entender-se o relato do
         querque, nomeadamente a sombra de uma  do o compromisso formal com Lopo Soares,  autor das Lendas da Índia como o discurso
         eventual desobediência ou de criar poderes  a notícia de que os Rumes voltavam a prepa-  de quem foi secretário do anterior governa-
         paralelos fora da autoridade régia. Eram  rar uma esquadra para atacar os portugue-  dor, mantendo com ele uma relação de fide-
         os argumentos que tocavam no íntimo de  ses, fez vacilar a posição do rei. Albuquerque  lidade e admiração que se prolongou muito
         qualquer rei do século XVI, empenhado na  era um chefe militar de grande prestígio e  para além da sua morte. Todavia há factos
         centralização do seu poder, alimentando as-  ninguém melhor do que ele poderia condu-  no seu texto que parecem indiscutíveis, e de-
         sim a intriga e a suspeita. Todavia é prová-  zir o combate que se adivinhava. Chegou a  notam a relação que Albuquerque tinha com
         vel que o rei também fosse sensível a razões  propor a Lopo Soares a anulação do acordo,  os pequenos potentados locais e com as pró-
         de natureza económica directa, porque se o  comprometendo-se a pagar-lhe 20 000 cru-  prias gentes. Seguramente que esse ambien-
         poder português na Índia podia trazer gran-  zados. Segundo Gaspar Correia, Lopo Soa-  te não passou despercebido ao novo chefe,
         des benefícios à coroa, também é verdade  res quis aceitar o dinheiro, mas o Barão do  cuja preocupação dominante era a abertura
         que fizera crescer uma estrutura onerosa,  Alvito convenceu-o a recusar a proposta di-  do comércio aos interesses privados e, sobre-
         e que a contabilidade régia não conseguia  zendo-lhe: “que nom trocasse a honra por  tudo, a uma certa fidalguia que ansiava pela
         equilibrar-se com as despesas que tinha. A  dinheiro; que a Índia lhe daria quanto qui-  fortuna que não tinha em Lisboa. As conse-
         possibilidade de deixar ir os fidalgos à Índia,  gesse”. Mesmo assim, o regimento que le-  quências desta nova maneira de governar
         para lá enriquecerem com um comércio que  vou dizia que, caso a esquadra dos Rumes já  seriam, nalguns aspectos, desastrosas como
         saía fora da alçada do monarca, era uma for-  tivesse chegado ao Índico, então Albuquer-  veremos a seu tempo.
         ma de lhes dar, de uma forma moderna, um  que deveria manter-se à frente dos destinos                 Z
         rendimento que substituísse o normal ren-  da Índia, ficando ele, apenas, com o governo   J. Semedo de Matos
         dimento fundiário da exploração de terras  do sector entre Cochim e Malaca. Como é sa-            CFR FZ

         16  ABRIL 2004 U REVISTA DA ARMADA
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