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a Índia. É dessa altura uma carta de Francisco a Lisboa, se demorou 24 horas a confessar, inaugurando uma grande estátua, em 21
para Inácio: “El-Rei não está ainda decidido numa capela ainda hoje existente, perto da de Abril de 2001, da autoria do Escultor
a enviar-nos para a Índia, porque pensa que Igreja de São Sebastião. Soares Branco, em espaço nobre e aberto,
aqui poderemos servir o Senhor tão eficaz- O amor e a admiração do povo de Setúbal junto ao rio Sado.
mente como lá”. pela sua figura jamais se viriam a apagar. Na hora da despedida, o Rei entrega a
Mas outros são os planos de Deus. Simão Antes pelo contrário, foram-se avivando, à Francisco quatro Breves Papais, entretan-
Rodrigues acaba por ficar em Lisboa, onde, medida que iam sendo conhecidos os seus to recebidos de Roma: no primeiro, o Papa
no Colégio de Jesus, em Coimbra (hoje “Sé passos missionários. Daí que as forças vi- nomeia-o Núncio “em todas as Conquistas
Nova”), aceitará na Com- dos Portugueses aquém
panhia de Jesus muitos e além do Cabo da Boa
jovens, enquanto Fran- Esperança”; no segun-
cisco Xavier segue para o do, concede-lhe amplos
Oriente, na companhia de poderes para estabelecer
dois jovens, que, entretan- e manter a Fé no Oriente;
to, entram na Companhia: no terceiro, recomenda-o
“Micer” Paulo de Came- a David, Imperador da
rino, que fizera viagem Etiópia; e no quarto, di-
com Simão Rodrigues, e rige uma saudação aos
um estudante português, Príncipes e Soberanos
Francisco Mansilha, que da África Oriental, das re-
se associou em Lisboa e giões do Mar Vermelho,
que haveria de completar do Golfo Pérsico e das
os estudos de teologia e Índias “aquém e além do
ordenar-se sacerdote, mais Rio Ganges”.
tarde, em Goa. D. João III não conse-
Pelo mês de Outubro, gue que ele lhe aceite,
os sentimentos de gran- S. Francisco Xavier despedindo-se de D. João III antes da viagem para a Índia. para a viagem, mais do
de amizade e gratidão de André Reinoso – Óleo sobre tela, c. 1619 – Igreja de S. Roque. que um pouco de roupa
Francisco levaram-no a empreender uma vas de Setúbal se tenham unido, sobretudo e alguns livros. Muito menos aceita levar
viagem à povoação de Palma, entre Setú- a partir da canonização (1622), para pedir consigo algum criado, que lhe querem dar
bal e Alcácer, para se despedir do seu ami- que o novo Santo fosse considerado e hon- “pela dignidade de Núncio”, alegando que
go, o Embaixador Pedro Mascarenhas, com rado como especial padroeiro da cidade, o “a melhor maneira de alcançar a verdadei-
quem fizera viagem de Roma para Lisboa. que se veio a concretizar em 1703. ra dignidade é lavar a própria roupa sem
Ali passou alguns dias, em ambiente rural e Muito recentemente, a cidade de Setú- que ninguém o saiba”. Numa carta afectuo-
de descanso. Renovados os agradecimentos bal reafirmou, de forma solene e visível, sa de despedida para Inácio, comentava a
e feitas as despedidas, Francisco é levado a esta homenagem e devoção, colocando este respeito, que levava “uma bagagem de
Alcácer, donde, navegando pelo rio Sado, não só uma tela, grande e artístico painel, zelo, de virtude e de simplicidade, mais do
chega a Setúbal. Aqui, tem à sua espera, no da autoria de Mestre Lima de Freitas, re- que de ciência extraordinária”.
cais, uma multidão de gente que, ouvindo presentando São Francisco Xavier, como E, após Missa Solene na Igreja do Mos-
falar da santidade do “apóstolo”, lhe pede missionário em ambiente oriental, a deco- teiro dos Jerónimos, Francisco Xavier, irra-
que os ouça de confissão. Mestre Francis- rar toda a parede de fundo do Salão No- diando alegria e mostrando confiança total
co acedeu e diz-se que, antes de regressar bre dos Paços do Concelho, mas também no futuro, despede-se dos amigos junto à
S. Francisco Xavier, que se considerava “portu-
guês de coração”, afirmou ao Rei D. João III que, sem
as naus e a ajuda dos portugueses, jamais poderia
realizar a missão evangelizadora no Oriente.
Mapa das viagens de S. Francisco Xavier a partir do porto de Lisboa – 7 de Abril de 1541.
18 MAIO 2006 U REVISTA DA ARMADA