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A MARINHA DE D. JOÃO III (13)



                            A posse das Molucas:
                             A posse das Molucas:

                um problema de Poder Naval
                um problema de Poder Naval


               iogo Ribeiro foi um cartógrafo por-  vação simultânea de um eclipse lunar, na  de Ternate. Infelizmente, morreu durante a
               tuguês que trabalhou, desde os fi-  Península Ibérica e nas Molucas. Era uma  viagem, mas seu irmão, António de Brito,
         Dnais da segunda década do sécu-   forma de não aceitar nenhum argumento  herdou a missão régia que acabou por cum-
         lo XVI, para a Casa de la Contratación de las  cosmográfico porque nunca haveria acor-  prir em 1522.
         Índias (Sevilha), onde se sabe que estava  do quanto a uma medição para a qual não   Como é sabido, Magalhães partiu de S. Lu-
         a quando dos preparativos da viagem de  havia técnicas suficientemente rigorosas  car de Barrameda a 20 de Setembro de 1519,
         Fernão de Magalhães, por alturas de 1518  ao ponto de poderem ser consideradas in-  cruzando o Atlântico e o Pacífico, seguindo
         ou 1519. A sua vida não está muito docu-  contestáveis.               uma derrota extraordinária que o levou até
         mentada e é difícil de                                                               às ilhas hoje designadas
         reconstruir hoje, mas                                                                por Filipinas, onde che-
         conhece-se a sua nome-                                                               gou em Março de 1521.
         ação como cosmógrafo                                                                 Magalhães foi morto a
         de Carlos V, o registo                                                               27 de Abril, junto à ilha
         de instrumentos náuti-                                                               de Cebu (10º 30’N, 124º
         cos que fez, e a elabora-                                                            E) e, dos três navios que
         ção de numerosas car-                                                                sobravam ainda foi ne-
         tas náuticas. A que está                                                             cessário desmantelar
         reproduzida                                                                          um por falta de pes soal
         na figura é um                                                                        para a manobra. Só qua-
         planisfério da-                                                                      se um ano depois Se-
         tado de 1525,                                                                        bastião Delcano, com a
         onde está re-                                                                        nau Victoria, conseguiu
         presentada a                                                                         chegar a Timor, seguin-
         Insulíndia de                                                                        do para Castela através
         acordo com o                                                                         do Índico, em perigo
         conhecimento                                                                         eminente de se cruzar
         ocidental que                                                                        com navios portugue-
         dela se tinha,                                                                       ses que, naturalmente,
         com a parti-                                                                         o apresariam. A Trinidad
         cularidade de                                                                        era o outro navio sobre-
         ter a linha de                           O Extremo Oriente representado num mapa de Diogo Ribeiro – 1525.  vivente, mas precisou
         demarcação                                                                           de querenar e separou-
         entre o espaço espanhol e português pu-  O que pretendeu fazer, então, D. João III?  se da Victoria. Tentou regressar pelo Pacífi-
         xado alguns graus para oeste, colocando   Pretendeu apresentar a presença portugue-  co e seguiu para norte à procura de ventos
         as Molucas na esfera de influência de Car-  sa nas Molucas como uma questão de facto,  favoráveis, mas não o conseguiu e acabou
         los V, como se pode ver pela bandeira. E  na sequência do que já tinha sido o propósito  por se entregar a António de Brito. Ou seja, o
         eram deste género os argumentos que tra-  de D. Manuel, quando dera instruções especí-  projecto de Magalhães de alcançar as terras
         ziam os delegados espanhóis à junta de  ficas a D. Francisco de Almeida para avançar  das especiarias, navegando para ocidente, ti-
         Badajoz-Elvas de 1524, onde, aliás, Diogo  para Malaca, em 1506. E, não restam dúvidas  nha uma insuperável dificuldade: a viagem
         Ribeiro esteve presente representando o  que ao colocar as coisas nesse pé, a posição  de regresso não era possível. Ou melhor, não
         Imperador.                         portuguesa era muito mais forte que a espa-  era ainda possível. E, na verdade, só o foi em
           Como já foi dito em números anterio-  nhola, por variadíssimas razões.  1565, quando Miguel Lopez Legazpi encon-
         res, a situação não era fácil nem de provar   Incontestavelmente os portugueses ne-  trou o caminho e o período favoráveis para
         nem de contestar, dadas as insuficiências  gociavam com as Molucas, e faziam chegar  esse regresso. Portanto, na junta de Badajoz-
         científicas para determinação rigorosa da  à Europa as especiarias e produtos dessas  -Elvas, Carlos V reclamava um direito difícil
         longitude. Portanto, à feitura de um mapa  ilhas orientais, desde a viagem de António  de provar, e sabia da real impossibilidade de
         com estas indicações poderiam, sempre,  de Abreu, em 1511-12. Aliás, um dos seus  estender a sua soberania às Molucas, caso
         os portugueses contrapor outro onde esse  companheiros – Francisco Serrão – naufragou  os portugueses a contestassem. De forma
         limite fosse puxado para oriente. O seu va-  nuns baixos a sul do Arquipélago de Banda,  muito concreta, não tinha meios para levar
         lor probatório era o mesmo, e nenhuma das  e acabou por passar o resto da sua vida em  o seu Poder Naval à Insulíndia, e eu creio
         partes estava disposta a aceitar esse tipo de  Ternate (A Marinha de D. Manuel (41)), ca-  que D. João III tinha uma clara noção disso.
         documentos.                        sando com uma filha do rei local e conseguin-  Evidentemente que não queria conflitos com
           Portugal assumiu uma posição de prin-  do dele um acordo de subordinação à coroa  o Imperador que, além do mais, era o mais
         cípio que não assentava numa discussão  de Portugal. Contudo o passo determinante  poderoso soberano europeu, mas sabia que
         de natureza geográfica. D. João III impôs  para esta soberania foi dado quando Jorge  ele não poderia fazer das Molucas um enor-
         até que da delegação espanhola não fizes-  de Brito, indo como Capitão-Mor da armada  me cavalo de batalha.
         sem parte cosmógrafos ou cartógrafos, só  da índia de 1520, leva a incumbência especí-                Z
         aceitando determinações de longitude que  fica de seguir com os navios necessários até    J. Semedo de Matos
         fossem confirmadas pelo método da obser-  às Molucas, e construir uma fortaleza na ilha            CFR FZ

         20  JUNHO 2006 U REVISTA DA ARMADA
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