Page 21 - Revista da Armada
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que lhe fosse possível efectuar um bloqueio territorial de todas as parcelas de língua por-
continental à Inglaterra. tuguesa na América do Sul, constituídas em
Os ventos de mudança libertados pela Re- Reino desde 1815.
volução Francesa sopravam na Europa. Em O regresso do Rei a Portugal, em 1821, com-
Portugal, um homem de rara visão estratégi- binado com o sentimento de emancipação vi-
ca, viu no mar o elemento diferenciador que vido nas colónias americanas e já consumado
permitia, ontem como hoje, a liberdade de nalgumas, levaram à independência através
decisão política. Era ele Martinho de Melo de uma quase natural sucessão dinástica, que
e Castro, o Secretário de Estado dos Negó- permitiu um relacionamento fraterno, quase
cios da Marinha e Ultramar, que procedeu, imediato, entre as duas Nações, e uma proxi-
ao longo dos 25 anos em que se manteve na midade cultural que muito nos orgulha e que
liderança dos destinos da Armada, de 1770 a é ímpar no mundo.
1795, a uma completa renovação da esquadra Na distância dos acontecimentos, poder-se-
e à modernização da organização e das infra- -á afirmar, sem nenhuma dúvida, que o inves-
estruturas de apoio, elevando o valor das for- timento na Armada durante o último quartel
ças navais a um nível nunca atingido, desde do século XVIII permitiu o contraste entre
os finais do século XVI. aquilo que é hoje o Brasil e a profusão de Es-
Entendia Melo e Castro que a identidade tados que o cercam na América do Sul.
cultural dos Portugueses, e mesmo a sua so- Neste caso, foi a força que fez a união…
brevivência como nação, tal como hoje, se en- união essa que está na origem de uma potên-
contrava iniludivelmente ligada ao mar. cia que se vem afirmando e que é motivo de
Assim, em 1800, a Armada contava com orgulho para os muitos que, como nós, têm no
65 navios oceânicos e um efectivo em pessoal tecederam a largada da esquadra do Tejo. Português a sua língua e a sua Pátria.
embarcado de cerca de 20.000 homens. Estes Chegados ao Brasil, outros objectivos políti- Ilustres Convidados, Minhas Senhoras e
números são ainda mais notáveis porquanto a cos tornaram-se incontornáveis. A sua concre- Meus Senhores,
população do território continental português tização ao longo de uma permanência de 13 Esta breve síntese dos acontecimentos vivi-
naquela época pouco passava dos 3 milhões anos de grande parte da elite científica, cultu- dos neste mesmo local há dois séculos é sufi-
de habitantes. ral e política de Portugal permitiu estruturar cientemente elucidativa, como repetidamente
A Marinha dispunha, portanto, de tenho afirmado, de que uma Marinha não
um conjunto de meios que lhe permi- se pode improvisar e que a sua utilidade
tiam equacionar diversas opções, quer para o Estado deriva da simples razão
de forma autónoma, quer através da de existir, fornecendo opções únicas e de
aliança com a potência marítima domi- inquestionável valor ao decisor político.
nante, a Inglaterra, agora com total do- Não fora o investimento nos trinta anos
mínio dos mares após a vitória em Tra- que antecederam os acontecimentos que
falgar, em 1805. hoje celebramos, talvez a situação actual
Foi este vasto conjunto de meios navais fosse substancialmente diferente...
que permitiu montar a maior operação lo- Neste contexto de valorização do po-
gística jamais realizada em Portugal. der naval, que hoje deve ser entendido
O embarque e a viagem da Famí- no quadro conjunto, como elemento de-
lia Real para o Brasil envolveu cerca de terminante para a liberdade de acção po-
16.000 pessoas e uma enorme quantidade lítica, apraz-me pois registar a presença
de bens, dada a incerteza do regresso. A nestas comemorações da Fragata Niterói
isto chama-se, hoje, mobilidade estraté- e de uma Força dos Fuzileiros Navais do
gica, uma capacidade só marginalmente Brasil, que consideramos como dos nos-
existente na Europa! sos, e cujo papel na defesa, formação e
Com a Família Real viajaram, duran- afirmação do Estado brasileiro foi e con-
te três meses, os nobres, os políticos e a tinua a ser incontornável.
elite social e cultural, algumas estrutu- Não quero terminar sem lembrar, mais
ras do Estado, como a Companhia dos uma vez, o excelente relacionamento en-
Guardas Marinhas e o Colégio Militar, tre as duas Marinhas, bem visível nas ac-
aqui presentes, os profissionais do mar ções concretas de cooperação, intercâm-
e uma parte importante do património bios e visitas de alto nível, que são sinais
naval, incluindo os melhores navios e 12 evidentes do interesse mútuo na procura
Companhias de Fuzileiros da Brigada de soluções para desígnios comuns que
Real da Marinha. só o mar proporciona e facilita.
Apesar do mau tempo característico Foi do mar que nasceu a nossa identida-
do Atlântico nesta época do ano e do des- de, foi no mar que traçámos a universali-
conforto a que os passageiros não esta- dade do nosso destino, foi o mar que, em
vam habituados, não houve mortes nem formas diversas, nos trouxe prosperidade.
naufrágios. A Saúde Naval já funcionava É preciso que continuemos no mar, hoje e
nessa altura… sempre, para que possamos tirar proveito
Do ponto de vista político, a partida da Fa- o futuro Estado e desenvolver uma útil expe- de um vastíssimo potencial de desenvolvimen-
mília Real permitiu manter intacto o poder riência de governo de que nenhum outro país to que, embora ainda não totalmente conheci-
soberano do Rei, dar continuidade ao gover- das Américas teve oportunidade de usufruir. do, nos surpreende continuamente.
no do Estado e manter a integridade de todos A presença militar, nomeadamente a disponi-
os territórios do Império, tarefas que, de outro bilidade de meios navais e da Brigada Real da Fotos 1SAR FZ Silva e 1SAR FZ Pereira Z
modo, seriam impossíveis. As tropas napoleó- Marinha, permitiu também minorar os fenó- (Os restantes eventos relativos a esta comemoração
nicas estavam já em Abrantes nos dias que an- menos secessionistas e manter a integridade serão reportados na próxima R.A.)
REVISTA DA ARMADA U JANEIRO 2008 19