Page 97 - Revista da Armada
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tendência de formar os oficiais em escolas es- da Armada ou na Engenharia, Arquitectura e Marinha (Terreiro do Paço). A companhia de-
pecializadas, onde possam receber uma edu- Artilharia do Exército. via ter um máximo de 48 indivíduos (em 1788
cação científica desenvolvida, com destaque Em 1779, D. Maria I, através do grande mi- são aumentados para 60), com 14 a 18 anos de
para a matemática e a geometria, essenciais nistro Martinho de Melo e Castro, cria a Aca- idade e, como era prática normal, os admitidos
para o domínio da artilharia, da navegação e demia Real da Marinha, indicando os seus deviam ser nobres ou filhos de oficiais supe-
da engenharia. estatutos que os lentes e professores deviam riores da Armada ou Exército. É de notar que,
A partir de 1750 assistimos a três apesar da formação da Companhia
movimentos paralelos e interliga- dos Guardas-Marinhas continua a
dos: prática usual de instruir os oficiais
O fim da antiga prática de formar através do seu embarque directo nas
os oficiais nas unidades, fossem regi- naus e fragatas, quando tinham de 12
mentos ou navios, através meramen- a 16 anos de idade.
te do contacto com a profissão e com Em 1790 é dado um novo passo no
os mais experientes; processo de formação científica dos
A formação e crescimento das aca- oficiais, com a criação da Academia
demias para formação dos oficiais, Real de Fortificação, Artilharia e De-
com cursos de sólida componente senho, vocacionada para os oficiais de
de matemática e geometria, tanto na engenharia e artilharia do Exército.
Armada como no Exército e quase ao Em 1796 nasce a Academia Real
mesmo tempo; dos Guardas-Marinhas, por iniciativa
O progressivo crescimento da ideia do ministro Luís Pinto de Sousa Cou-
que a progressão na carreira se deve tinho, destinada a oficiais da Armada,
efectuar por mérito e por provas prestadas, ser licenciados pelo curso de Coimbra e terão onde se incorpora a anterior Companhia com
sem depender das condições do nascimento. honras e regalias semelhantes aos professores o mesmo nome. O curso ministrado é seme-
As escolas científicas de formação de ofi- da Universidade. A Academia englobou cur- lhante ao da Academia da Marinha, tendo os
cias são um passo essencial para a vitória da sos parciais anteriores, como as aulas de ma- Guardas-Marinhas a mais noções de artilharia,
mentalidade do século das luzes, até porque temática do cosmográfo-mor ou as aulas de de construção naval prática e de desenho. De-
quando nesta altura falamos em engenharia ou Debuxo Naval. senvolve-se então o Curso de Matemática, que
matemática, estamos em larga medida a falar Os Guardas-Marinhas surgem por decreto conta com José Maria Dantas Pereira como seu
do universo militar. Em 1789, por exemplo, do Marquês de Pombal, de 2 de Julho de 1761, primeiro lente, ainda somente capitão-tenente,
na ordem de promoção de José Maria Dantas equiparados a alferes de infantaria, com os mas já um dos mais destacados nomes no pro-
Pereira, pode ler-se que ela se deve “ao inalte- mesmos soldos e uniformes, mas são dissol- cesso de criação de uma sólida base científica e
rável princípio que Sua Majestade estabeleceu de vidos treze anos depois, em 1774. No reinado técnica na formação dos oficiais. Em 1801, José
ser tão somente o merecimento que deve Maria Dantas Pereira, promovido a
habilitar os alunos para os seus adianta- capitão-de-mar-e-guerra, passa a co-
mentos”, frase impensável umas dé- mandar a Companhia dos Guardas-
cadas antes. Marinhas e a sua Academia.
Para compreender a importância No fim do século XVIII estão pois
da Academia Real dos Guardas Ma- formados os dois estabelecimentos
rinhas no Portugal de começos do de ensino superior da Armada e do
século XIX basta dizer que ela repre- Exército, numa altura em que no Rei-
senta um dos poucos cursos de ma- no só há outros três cursos com mate-
temática e de engenharia. O estudo mática, engenharia ou arquitectura.
académico da geometria e da mate- A Academia Real dos Guardas-
mática reaparece em Portugal com Marinhas embarcou em peso na nau
a Restauração, ligado directamente Conde D. Henrique em Novembro
às necessidades militares da longa de 1807, levando consigo a preciosa
guerra com a Espanha. Cria-se então biblioteca, as bandeiras, o arquivo,
(em 1647) a Aula de Fortificação e Ar- o material didáctico e pedagógico.
quitectura Militar, onde prepondera José Maria Dantas Pereira consegue
o nome de Luís Serrão Pimentel (Al- mesmo levar consigo parte do mate-
buquerque, 1973, pp. 162-3). Duran- rial do Observatório da Marinha e da
te muitas décadas a formação neste Sociedade Real Marítima. Já em 1802,
campo é um exclusivo militar. Só em tinha sido por sua iniciativa que se
1759 surge a Aula do Comércio, com criou a biblioteca da Real Academia
o objectivo expresso de formar ofi- dos Guardas-Marinhas, que não tar-
ciais da marinha mercante. Passados da a tornar-se na mais importante da
dois anos (1761) é fundado o Real Co- Armada. Como a preciosa Biblioteca
légio dos Nobres, que forma oficiais da Ajuda, com os seus 60 000 volu-
para as Forças Armadas e outras ac- mes cuidadosamente encaixotados
tividades, tendo o Marquês de Pom- não chegou a embarcar, tendo ficado
bal mandado contratar professores de abandonada no cais, a biblioteca fun-
matemática em Itália, com destaque dada por Dantas Pereira era a mais
para Miguel Franzini. de D. Maria I, os Guardas-Marinhas são recria- completo do Brasil.
Em 1772, com a reforma da Universidade dos com a formação da respectiva companhia A Academia Real dos Guardas-Marinhas
de Coimbra, instala-se aí um Curso de Ma- (Carta de Lei de 14 de Dezembro de 1782). Os chega ao Rio a 18 de Janeiro de 1808, com o
temática, que será o herdeiro do curso seme- elementos da companhia frequentavam o cur- seu director, dois lentes e 14 Guardas-Mari-
lhante do Colégio dos Nobres. Os licenciados so da Academia Real da Marinha, recebendo nhas. A grande preocupação do seu ilustre
por Coimbra seguiam carreira como oficiais como instalações a Sala do Risco no Arsenal da comandante é encontrar instalações condig-
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