Page 23 - Revista da Armada
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resolver o problema da navegação naTravessia deslocaram-se para Gando, dadas as melhores completaram a travessia, tendo tocado vários
Aérea. Como reconhecimento do seu contribu­ características deste local para descolar.A segun­ portos brasileiros até chegarem ao Rio de Janeiro.
to para a viagem, Gago Coutinho foi promovi­ da grande etapa ligou as Canárias ao arquipélago O esforço foi gigantesco, para conseguir atin­
do ao posto de Contra-almirante logo após a de CaboVerde, num percurso de cerca de oito­ gir o Brasil. Mas valeu a pena! Pela primeira vez,
viagem. Em 1958 e por decreto da Assembleia centas e cinquenta milhas.Também neste arqui­ na história da aviação, foi feita uma viagem com
Nacional, foi promovido a Almirante.        pélagomudaramdeilha,tendofeitoumpequeno etapas de várias centenas de milhas, nas quais
ArturdeSacaduraFreireCabralnasceuemCe­ trânsito entre SãoVicente e Santiago.A partir da­ se usou um método de navegação eficaz. E este
loricodaBeira,nodia23demaiode1881,tendo qui voaram para os Penedos de São Pedro e São método foi desenvolvido pelos protagonistas.
falecido num acidente aéreo no Mar do Norte, Paulo. Após mais de novecentas milhas e com o Adaptaram o sextante marítimo para a nave­
quando o avião que pilotava desapareceu, em combustível praticamente esgotado, amararam gação aérea. Construíram um instrumento, o
15 de novembro de 1924. Tendo ingressado na junto aos rochedos, onde o República esperava corretor de rumos, para cálculo rápido do aba­
Escola Naval em 1897, veio a atingir o posto de por eles. Na manobra de amarar partiu-se um timento do avião. Desenvolveram um processo
Capitão-de-fragata, ao qual foi promovi­                                                                                       de cálculo expedito da posição a partir
do por distinção pela sua participação na                                                                      Foto Rui Salta  das observações astronómicas. Este pro­
Travessia Aérea.                                                                                                               cesso de cálculo serviu de base aos que
Após uma carreira normal de oficial                                                                                            posteriormente foram adotados pela na­
de Marinha, embarcado e participando                                                                                           vegação aérea. A adaptação de horizonte
em missões geodésicas no Ultramar, foi                                                                                         artificial que Gago Coutinho aplicou ao
para França frequentar o curso de piloto­                                                                                      sextante veio a ser usada pela famosa fá­
-aviador. Em 1915 encontrava-se na Es­                                                                                         brica alemã C. Plath.
cola Militar de Chartres, fazendo parte do
primeiro grupo de militares a obter quali­
ficação nesta especialidade. Regressado                                                                                        RELATÓRIOS DA VIAGEM
a Portugal no ano seguinte, participou                                                                                         I­NSCRITOS NA “MEMÓRIA

na criação da primeira escola militar de                                                                                       DO MUNDO” DA UNESCO
aviação, emVila Nova da Rainha, onde Alocução do Diretor da Comissão Cultural da Marinha.                                      Os originais dos relatórios de Sacadura
foi instrutor. Foi ainda incumbido de or­                                                                                      Cabral e de Gago Coutinho, referentes à
ganizar a Aviação Naval.                                                                                       Foto Rui Salta  Travessia Aérea e ao método de navega­
Sacadura Cabral foi o grande obreiro                                                                                           ção usado na mesma, encontram-se na
do projeto da Travessia Aérea do Atlân­                                                                                        Biblioteca Central da Marinha (BCM) –
tico Sul. A ideia teria surgido em 1919,                                                                                       Arquivo Histórico. A Marinha, através
ano em que se realizaram algumas via­                                                                                          da BCM, apresentou a candidatura à
gens aéreas no Atlântico Norte. Ao tomar                                                                                       inscrição dos relatórios na “Memória do
conhecimento das mesmas, ocorreu-lhe                                                                                           Mundo” da UNESCO, a qual mereceu
a ideia de ligar Lisboa e o Rio de Janei­                                                                                      decisão favorável no ano passado. Na
ro por via aérea, no contexto das come­                                                                                        cerimónia que é relatada neste artigo foi
morações do primeiro centenário da                                                                                             entregue uma placa evocativa do facto
independência do país irmão. Sacadu­                                                                                           ao diretor da Biblioteca Central da Mari­
ra preocupou-se com todos os detalhes                                                                                          nha, Capitão de mar e guerra Rocha de
para que a viagem fosse bem-sucedida.                                                                                          Freitas. A placa foi entregue pelo Almi­
Viajou por França e Inglaterra, para esco­  Placa referente à inscrição dos Relatórios na “Memória do Mundo”.                  rante Chefe do Estado-Maior da Arma­

lher uma aeronave que correspondesse                                                                                           da, Almirante José Carlos Saldanha Lo­
às necessidades da viagem.Tendo perce­                                                                                         pes, acompanhado de Sua Excelência
bido que não era possível fazer a ligação                                                                                      o Presidente da Comissão Nacional da
direta de África para o continente ame­                                                                                        UNESCO em Portugal, Embaixador An­
ricano, decidiu que o hidroavião teria                                                                                         tónio Almeida Ribeiro.
que ser reabastecido antes de chegar à                                                                                         A UNESCO é a Organização das Na­
costa brasileira. Precisava de um ponto                                                                                        ções Unidas para a Educação, Ciência
para se encontrar com o navio que faria                                                                                        e Cultura (United Nations Educational,
o reabastecimento. Foi escolhida a Ilha                                                                                        Scientific, and Cultural Organization).
de Fernando de Noronha. Durante a                                                                                              Uma das suas principais vertentes de
primeira parte da viagem, percebeu-se                                                                                          atuação centra-se na preservação do Pa­
que nem sequer esta tirada seria viável,                                                                                       trimónio Mundial, nas suas diferentes
dado o consumo elevado de combustí­                                                                                            manifestações: nomeadamente Natural,
vel. Optou-se então por voar até aos Pe­    Álbum de Memórias – Aviação Naval, 1917-1952.                                      Cultural, Edificado, Material e Imaterial.

nedos de São Pedro e São Paulo, onde estaria o dosflutuadores,devidoaomauestadodomar.O Portugal tem diversos locais inscritos na lista de
navio de reabastecimento. A etapa até estes mi­ avião afundou-se, mas foi possível salvar os avia­ património da UNESCO, nas suas diferentes va­
núsculos pontos no meio do oceano apenas foi dores e praticamente todos os materiais que esta­ riantes. A título de exemplo pode apontar-se a
possível graças à fiabilidade do método de na­ vam a bordo, dada a proximidade do cruzador. Floresta Laurisilva na Madeira, a Paisagem da
vegação, que foi desenvolvido com o apoio de Seguiu novo avião de Lisboa, a bordo do navio Cultura da Vinha da Ilha do Pico, o Centro His­
Gago Coutinho.Todo o processo foi testado em brasileiro Bagé. Recomeçara, a viagem em Fer­ tórico de Évora ou o Convento de Cristo em To­
1921, numa viagem aérea até ao Funchal.     nandodeNoronha,tendovoadoatéaoPenedos, mar, entre outros. O próprio complexo onde se
A viagem de 1922 representou um elevado para retomarem no ar o voo no local onde an­ enquadra o Museu de Marinha e o seu Pavilhão
esforço de apoio logístico. Foram mobilizados tes tinham chegado. O novo hidroavião, batiza­ das Galeotas encontra-se inscrito como Patrimó­
três navios: os cruzadores República e Cinco de do Pátria, sofreu uma avaria. Após amararem, o nio da UNESCO, como «Mosteiro dos Jerónimos
Outubro e a canhoneira Bengo que prestariam avião começou a meter água por um flutuador, eTorredeBelémemLisboa».Recentemente,Por­
apoio nos pontos de escala.A primeira tirada, da afundando lentamente. Foram recolhidos pelo tugal viu o Fado ser inscrito na lista de Patrimó­
ordem de setecentas milhas, ligou Lisboa a Las navio inglês Paris-City. Finalmente, foi enviado nio Mundial Imaterial, a qual passou a integrar.
Palmas, nas Canárias. Ainda neste arquipélago um terceiro hidroavião, o Lusitânia, com o qual Existe ainda um outro tipo de património, o

                                                                                                                               REVISTA DA ARMADA • JUNHO 2012 23
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