Page 9 - Revista da Armada
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cada, Pereira da Silva considerava es- Corrêa foi, igualmente, uma figura «Programa Magalhães Corrêa».
sencial estudar o problema da defesa incontornável no quadro da análise Aproveitando a estabilidade gover-
naval e elaborar «planos navais bem da influência do pensamento estraté-
concebidos e orientados, de forma a gico de Mahan em Portugal. Assumiu nativa, a recuperação financeira e o
que a nação compreenda nitidamen- equilíbrio orçamental que o país en-
te as vantagens que de tais sacrifícios tretanto alcançou, a par dos aconte-
podem advir para o engrandecimento cimentos políticos que ocorreram em
da nossa situação política internacio- Angola, na Madeira, nos Açores e na
nal». Guiné, o programa foi apresentado e
Entre muitos outros assuntos, Pe- aprovado pelo Governo, que o divi-
reira da Silva esteve particularmente diu em duas fases.
envolvido em comissões que visa-
vam a reestruturação da Marinha, tais Muito embora a obra de Magalhães
como construir um novo Arsenal na Corrêa tenha sido eminentemente
outra margem, introduzir a rádio nas política, era, ainda assim, profunda-
comunicações navais, adquirir novos mente influenciada pelo pensamento
navios e reorganizar o ensino dos ofi- de Mahan, que constituía a referência
ciais na Escola Naval e no Curso Na- doutrinária de Pereira da Silva, o es-
val de Guerra. Desempenhou as fun- trategista a quem coube desenvolver
ções de Ministro da Marinha durante e operacionalizar o programa que re-
três anos (1923-1926), período du- cebeu o nome do ministro.
rante o qual, apesar da instabilidade
política e social que país atravessava, O Vice-almirante Botelho de Sousa
concebeu e lançou as bases doutriná- cedo enveredou pelos estudos da geo-
rias de um importantíssimo processo política, da história e da estratégia,
de transformação genética, estrutural tendo produzido um vasto acervo li-
e operacional para toda a Marinha, terário em tais matérias, onde se re-
tanto na metrópole como nas coló- velou um notável cientista político e
nias, cujas medidas tiveram continui- social. No entanto, foi como estrate-
dade, mesmo depois da sua saída do Vice-almirante Magalhães Corrêa. gista do poder marítimo que desem-
Governo, tal era a qualidade do tra- a pasta da Marinha em 1928, numa penhou um papel determinante na
balho desenvolvido e o prestígio do altura em que esta permanecia num definição da estratégia naval portu-
seu autor. No desempenho daquele profundo estado de depauperamento, guesa durante a sua longa carreira de
alto cargo político, as suas principais que se traduzia na incapacidade dos 47 anos, concluída no desempenho
realizações foram a reorganização dos navios realizarem as missões reque- das altas funções de MajorGeneral da
serviços do Ministério da Marinha, a ridas pelos interesses e determinadas Armada. Enquanto deputado à Assem-
definição dos fundamentos do bleia Constituinte de 1911, escreveu
Estatuto dos Oficiais da Arma- a sua principal obra estratégica, in-
da, a reorganização do Estado titulada Marinha e Defesa Nacional,
Maior Naval, a criação das Es-
colas de Mecânicos e Alunos onde lançou as bases doutri-
Marinheiros, além da incor- nárias do pensamento estra-
poração na Marinha da antiga tégico naval português que
Sagres como navio-escola. prevaleceram até ao início
Preocupado que estava com dos conflitos ultramarinos, na
as dificuldades que atingiam década de 60 do século pas-
a Marinha e a incompreen- sado. Nesta obra, é evidente a
são política para as resolver, influência de Mahan na apo-
afirmou publicamente que se logia que faz ao conceito de
atingira o «Zero Naval», isto domínio do mar, fundamental
é, na linha do pensamento para a preservação do impé-
de Mahan sobre as marinhas rio português. O seu conteú-
como instrumento político: do desenvolve-se em 14 capí-
«uma situação inferior à que tulos, onde aborda os temas
nos convém na política inter- mais prementes relacionados
nacional». Por isso, foi exo- Vice-almirante Botelho de Sousa. com a defesa nacional e com
a Marinha.
nerado. A sua obra científica é mais pela política nacional em mares e ter-
intensa e relevante na parte final da ritórios afastados de muitos milhares Nestas circunstâncias, pode
carreira e, depois de 1933, quando de milhas entre si. Logo no início do afirmar-se que o pensamento
passou à situação de reserva. No ano seu mandato lançou um programa de estratégico de Mahan serviu
seguinte publicou o livro Política In- propaganda naval, confiando a sua para lançar as bases da estratégia na-
ternacional e Política Naval, trabalho direcção a Pereira da Silva, secunda- val portuguesa do século XX, influen-
de referência do pensamento estra- do por oficiais e civis entusiastas da ciando o pensamento e a acção dos
tégico português no século XX, de- causa da Marinha. Em simultâneo, en- nossos principais estrategistas, bem
senvolvido com o firme propósito de carregou o Estado Maior Naval, onde como as decisões políticas relaciona-
estabelecer a doutrina portuguesa do Pereira da Silva era Subchefe, de redi- das com a preparação e o emprego da
poder marítimo. gir o programa de reequipamento na- Marinha, como instrumento político
Embora sem obra de relevo publi- val que foi tornado público em 1931 para a afirmação da soberania nacional.
cada, o Vice-almirante Magalhães e ficou conhecido pela designação de
António Silva Ribeiro
CALM
REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2013 9