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SER SUBMARINISTA

Como autor deste pequeno texto, afir-          UM EXEMPLO
        mo não ter qualquer dúvida de que
        ser submarinista é de facto um privi-   Era dia 16 de Fevereiro do ano de 1995. O     cial de uma narrativa muito “operacional”,
                                               submarino Barracuda participava no FOST        para usar aqueles “fragmentos de memó-
                                               1/95 (Flag Operational Sea Training), em       rias” do comandante como peça fundamen-
légio, uma honra, é ser especial, é ser dife- operações com uma força de superfície, a        tal e integrante deste modesto artigo.
rente, é ser esforçado, é ser dedicado, é ter sul de Portland, no Reino Unido.
um elevado espírito de camaradagem, de A manhã desse dia foi má, mas poderia ter               Assim, e a partir daqui, passarei a intercalar
amizade, de sentido do humano, de solida- sido trágica.                                       palavras minhas com os contributos do Co-
riedade, de equipa, de disciplina, da vontade Má, porque de facto ocorreu a colisão do        mandante Crespo.
do dever cumprido. Isto tudo sem qualquer Barracuda com o navio mercante Irish-               Escreveu assim o Comandante Crespo:
menosprezo pelos demais, por tudo aqui- -Gate, um petroleiro com 86 metros e 1.600
lo que é apanágio da Marinha, e de todos toneladas, com bandeira de Gibraltar e ar-            O Antes…
aqueles que tão brilhantemente nela servem. mador do Reino Unido.                              À data (Fevereiro de 1995) tinha 34
Eu sei que há muito boa gente que não A colisão deu-se quando o submarino es-                 anos, era o comandante de submarinos
partilha totalmente deste meu pensamento. tava a subir dos 30 metros para a cota pe-          mais antigo e mais experiente, com várias
Muito sinceramente, nunca percebi porquê, riscópica, manobra sempre arriscada, com            participações em toda uma vasta gama
nunca percebemos porquê. Se houve anos as agravantes, neste caso, do estado do mar,           de exercícios internacionais e nacionais
em que a arma submarina e a Esquadrilha das desfavoráveis condições acústicas, e              (JMC, TAPON, SWORDFISH, CONTEX,
de Submarinos (a nossa), tinha                                                                e outros), participações no FOST, e fora o
“fama” de estar demasiado fe-
chada, etc., etc…, a partir de                                                                             comandante do NRP Delfim
1977, altura em que assumi                                                                                 durante a sua integração na
funções de alguma relevância                                                                               força naval combinada da
(Imediato do Delfim), e nos                                                                                NATO/UEO no âmbito da
anos seguintes, a abertura e a                                                                             operação «Sharp Guard», de
vontade de estar em contac-                                                                                Outubro a Dezembro de 1993,
to e em franca partilha com o                                                                              participação inédita na história
resto da Marinha, é algo que                                                                               dos submarinos portugueses.
ninguém, de boa-fé, poderá
contestar.                                                                                                   Tinha exercido já o comando
Que eu saiba, e posso afirmá-                                                                              do NRP Albacora durante cer-
-lo com toda a clareza, sempre                                                                             ca de um ano e meio e do NRP
desejámos voluntários, e os                                                                                Delfim durante cerca de um
concursos de admissão, quer                                                                                ano. O comando do Barracu-
para praças, sargentos ou ofi-                                                                             da era o da despedida da vida a
cias, estavam abertos a Todos,  Torre do Barracuda após o acidente.                                        bordo dos submarinos.

sem qualquer excepção.                         os equipamentos de escuta do submarino                        O planeamento operacional e
Mas vem isto a propósito dum aconteci- já não terem as capacidades ideais para se                          inicial do Barracuda para 1995
mento que trouxe à superfície todos aqueles poder operar nestas áreas com a máxima se-                     não contemplava a participa-
atributos dos submarinistas, e por ser de facto gurança.                                      ção no 1º FOST desse ano. Contingências
nos momentos mais difíceis e complicados Caros leitores. Chegado a este ponto da              próprias do planeamento operacional con-
que se vêem tais qualidades, decidi contar narrativa, hesitei e comecei a pensar que          duziram a que essa participação acabasse
este episódio.                                 seria melhor conversar primeiro com aquele     por ser cometida ao Barracuda, naquela
Não se trata de qualquer evento ou acção que mais sofreu com este incidente, o Co-            que passaria então a ser a minha penúltima
militar/naval mais relevante ou mesmo he- mandante do submarino. Nem de propósito.            missão enquanto seu comandante.
róica, mas sim de um mero, que podia ter Parecia telepatia. Abro o computador, vou             Desde logo envolvi toda a guarnição nas
sido trágico, acidente.                        verificar a minha caixa de correio, e eis que  actividades preparatórias da participação no
E quando digo acidente, será bom frisar surge uma mensagem do Comandante Silva                FOST, uma vez que estava bem ciente do
que em 100 anos de História dos nossos sub- Crespo, comandante do Barracuda nesse             difícil cenário em que iriámos operar e, na-
marinos, este acidente, foi o único evento infortunado dia de 1995.                           turalmente, dos riscos acrescidos a ele asso-
digno desse nome.                              Face à tão chamada pequenez deste Mun-         ciados. Só consolidando um verdadeiro es-
Bom, já chega de argumentos para intro- do e em especial da nossa Marinha, ele sa-            pírito de grupo e promovendo e divulgando
dução daquilo que pretendo narrar, e que bia que me tinham pedido para escrever este          o conhecimento da área de operações e das
marcou, para o resto da vida, o Comandante pequeno artigo para a Revista da Armada, e         intenções do seu comandante seria possível
do submarino interveniente.                    prontificava-se a colaborar comigo, dizen-     esperar o melhor.
Procurarei fazer uma breve narrativa, tão do-me assim “..., gostaria de lhe enviar o           Neste contexto, promovi várias reuniões
“operacional” quanto possível, para ilustrar meu testemunho, basicamente um con-              sectoriais, nomeadamente envolvendo tam-
o que se passou, e daí poder extrair aquilo junto de memórias (fragmentos de me-              bém os sargentos Chefes do Posto de Con-
que pretendo sublinhar, e que considero mórias) que poderão ter algum interesse               trolo (CPC) pela sua reconhecida importân-
como um exemplo, bem claro, daquilo que por serem na primeira pessoa.”.                       cia em termos de segurança e «controlo» da
pode ser demonstrativo dos atributos e ca- Da troca de informações subsequentes, re-          plataforma. Passei também a mensagem de
racterísticas inicialmente apontados aos sub- cebi o seu contributo, que me emocionou, e      que devíamos ter sempre presente que, mais
marinistas.                                    decidi de imediato alterar a minha ideia ini-  importante que uma boa “performance”, se-
                                                                                              ria sempre a segurança. A título de exemplo
                                                                                              refiro que, ao contrário da prática corrente
                                                                                              então vigente, ordenei o guarnecimento e a

22 ABRIL 2013 • REVISTA DA ARMADA
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