Page 23 - Revista da Armada
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utilização sistemática do telémetro acústico ........ tantes estavam, desde há algum tempo,
(DUUX) em todas as acções. Também, todas Continuando a minha narrativa, posso empenhados em promover o encerramen-
as vindas à cota seriam feitas içando o pe- to da área de exercícios, informei poder
riscópio ainda em imersão e em pesquisa à afirmar que da colisão resultaram vários garantir que o incidente não tinha sido
volta. Entre outras medidas e instruções. danos na torre e mastros içáveis do sub- com um pesqueiro mas sim com um navio
marino, especialmente o periscópio de mercante, do qual apenas foi visto o casco
Paralelamente à missão e por razões de observação e os mastros de comunica- azul, e do qual não resultaram quaisquer
gestão do pessoal submarinista o oficial ções, guerra electrónica e radar. Houve destroços à superfície ou consequências
imediato devia ser permanentemente ava- alguma entrada de água e óleo, mas a visíveis da colisão para além dos danos
liado tendo em vista a sua eventual futura guarnição comportou-se impecavelmen- próprios.
ascensão a funções de comando. te, sem qualquer pânico, e o comandante
acabou por levar o submarino para a su- Tive então conhecimento de que na se-
O trânsito para Portland, a chegada e os perfície e rumou a Portland, com os seus mana anterior tinha ocorrido uma colisão
dias iniciais da nossa participação decor- próprios meios, embora sempre acompa- envolvendo um submarino alemão, da
reram de forma normal e de acordo com nhado por uma fragata inglesa. qual tinha resultado um morto.
o planeado.
O navio mercante sofreu danos muito li- O incidente com o Barracuda era, quan-
A noite da véspera foi passada em imer- geiros, não teve qualquer noção da colisão do da atracação, já do conhecimento dos
são na área que definira para tal finalida- (a vaga de 5 metros que obrigava o navio média e da comunidade local, uma vez
de sempre que fosse possível, por ter sido a caturrar com força e alguma violência, que a costa era percorrida por elementos
avaliada como a mais adequada e segura terá também contribuído para isso), e só que efectuavam escuta VHF dos canais de
para esse efeito. se apercebeu do ocorrido quando avisado comunicação, precisamente com o intuito
via rádio. de obter conhecimento imediato da ocor-
Era do nosso conhecimento que, na ma- rência de situações do género, atenta a
nhã seguinte, sexta-feira, na bem conhe- Mas essa manhã podia ter sido trágica, sua frequência e impacto.
cida “weekly war”, o Comandante Naval especialmente para o Barracuda.
(VALM Carmo Duro) estaria embarcado na Ao fim da tarde aceitei um contacto tele-
fragata portuguesa a participar no BOST. O Irish-Gate navegava em lastro, não fónico da Rádio Renascença, tendo apro-
Compreensivelmente, esse facto traduziu- transportava qualquer tipo de combustí- veitado, no possível, para transmitir uma
-se numa motivação extra para todos, em vel, mas não tinha os tanques limpos de mensagem de conforto aos familiares de
particular para a equipa de ataque, chefia- gases. Daí se poder agora dizer que a co- todos os elementos da guarnição e que es-
da pelo oficial imediato. lisão poderia ter tido consequências mui- tivessem tranquilos, uma vez que o mais
O Durante… to mais graves, se não mesmo fatais, se o importante era o facto de que da colisão
pequeno rombo no navio tivesse ocorrido não resultaram quaisquer danos pessoais
“Comandante !!! Estou a ver tudo azul !!!” apenas um palmo mais acima. mas sim apenas materiais.
O grito do oficial imediato atingiu-me
com a força de um murro. O tempo parou. Esse palmo foi suficiente para que o im- O Comandante Naval, VALM Carmo
Azul??? Tudo ??? Tudo Azul ??? O mar é pacto não tivesse atingido um tanque de Duro, acompanhado pelo seu oficial às
azul. Eu vira tantas vezes esse azul do mar, carga, o que a acontecer, teria, muito pro- ordens, veio a bordo do Barracuda, ten-
e vira-o de dentro, salpicado de luz vinda vavelmente provocado uma explosão dos do pedido para ver os registos sonar e os
da superfície. Mas o tom na voz do Ime- gases desse tanque. danos.
diato fez-me compreender que não era Voltando ao Comandante Crespo:
certamente esse azul. Era um outro azul. Uma vez em Portland, os danos no sub-
E então tudo aconteceu numa polifonia de O Depois... marino foram “tratados” o melhor possí-
sensações, sentidas umas, percebidas ou- Depois da vinda à superfície e de co- vel, com a ajuda das autoridades inglesas
tras. O silêncio pareceu explodir em ruído municarmos o ocorrido às unidades de locais, adquiriu-se um radar civil que fi-
e frenesim. superfície, acordou-se em efectuar o trân- cou montado no topo do mastro “snort”,
Gritei ao Imediato: “Arria o periscópio”. sito para a base nas águas de uma fragata e o Barracuda ficou pronto para regressar
Gritei ao Controlo: “Aguenta a cota”. inglesa, uma vez que a antena do radar em segurança a Lisboa, navegando à su-
Mas desta vez foi tarde, tarde de mais. havia desaparecido, tendo todo o trânsito perfície.
E aconteceu. Mais do que um impacto vio- sido feito em navegação à vista.
lento, um (para mim) longo e arrastado ge- Dei ordens para que a faina de atraca- Como última precaução, o Comando
mido e um adornar súbito. Água e óleo que ção fosse feita de «3B» ou equivalen- Naval enviou a corveta Baptista de An-
começaram a esguichar da zona do peris- te («de azul» e não de serviço interno). drade para acompanhar o submarino no
cópio. Pessoal que espreitava assustado. A dignidade é mais que um valor e é nas trânsito para Lisboa, mas felizmente não
Verifiquei que o engenheiro já se encon- situações difíceis que mais deve ser pre- houve necessidade de qualquer ajuda.
trava no Comando a controlar as entradas servada. Queria passar uma mensagem a ........
de água. Peguei no intercomunicador in- todos, guarnição e ingleses. A atracação
terno e difundi a ordem para que todo o decorreu sem incidentes, de forma digna É chegada a altura de, para quem escreve
pessoal se mantivesse nos compartimentos e serena. estas palavras, informar os nossos leitores,
até nova ordem. Para o Posto de Controlo Após a atracação recebemos a visita do que é a mesma pessoa que na altura
dei ordem para manter a cota e não orde- almirante Inglês, que procurou inteirar- comandava a Esquadrilha de Submarinos,
nei a vinda à superfície de emergência, até -se da situação da guarnição, do navio e e que foi enviado de imediato para
pelo perigo de poder colidir de novo com de alguma informação que pudéssemos Inglaterra, bem como o engenheiro Car-
o navio, lição aprendida de outras histó- libertar quanto à colisão, uma vez que, doso Caravana, chefe da Inspecção de
rias, de outros acidentes. estranhamente, não havia conhecimento Reparação dos Submarinos (IRS), a fim
Por outro lado, isso deu-me oportunida- de relato de qualquer incidente por parte de avaliar o que se havia passado, iniciar
de e tempo para melhor avaliar a situação. da navegação mercante ou pesqueira na desde logo o processo de averiguações
As entradas de água estavam controladas. zona. determinado pelo Comandante Naval, e
Mantive-me em imersão até concluir que Uma vez que estava ciente da preocupa- preparar o navio para o seu regresso em
poderíamos tentar de novo ir para a cota ção da marinha inglesa quanto a possíveis condições de segurança.
com a segurança possível, sem periscópio, repercussões de incidentes com a frota
sem radar, sem escuta. Mas vivos. pesqueira inglesa na zona, cujos represen- Por isso, posso afirmar que passei por
uma experiência que me ficou profunda-
mente marcada e que nunca esquecerei.
REVISTA DA ARMADA • ABRIL 2013 23