Page 16 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 484

A Bica de D. Miguel

As águas curativas do Arsenal Real da Marinha

No terramoto de 1 de Novembro de 1755 após cada um dos três               A fonte foi encimada por uma lápide de mármore com os seguin-
    fortíssimos abalos de terra que duraram longos minutos, as          tes dizeres:
águas do Tejo, em grandes ondas, invadiram a terra acabando por
destruir a cidade de Lisboa.                                              NO ANO DE 1832 SUA MAJESTADE EL REI NOSSO SNR D. MIGUEL I
                                                                          MANDOU FAZER ESTA BICA DAS AGOAS CURATIVAS DO ARSENAL
   De entre as ruínas, na zona da Ribeira das Naus, irrompeu então        REAL DA MARINHA PARA USO E BENEFICIO DO POVO
uma caudalosa nascente de águas que, pela sua cor, odor e tempe-          Entretanto, D. Miguel, em 1 de Junho de 1834, derrotado pelas for-
ratura, provocaram viva impressão nas mentes assustadas e supers-       ças de D. Pedro e depois de assinar a Convenção de Évora-Monte, par-
ticiosas da época.                                                      tiu para o exilio e os Liberais não viram com bons olhos o facto de a
                                                                        Bica continuar a ostentar o seu nome. Alegando falsamente que a fon-
   Iniciados os trabalhos de demolição e limpeza da área devastada,     te tinha secado, entupiram o cano por onde a água corria, destruíram
a Artilharia foi chamada a colaborar cabendo-lhe a missão de arra-      a lápide e entaiparam todo o conjunto.
sar, a tiro de canhão, o que restava dos edifícios de maior enverga-      Mais tarde, já no reinado de D. Pedro V este, informado do histo-
dura. Os escombros resultantes desta acção fizeram desaparecer a        rial da Bica e da verdade dos acontecimentos e dada a sua excelente
referida nascente.                                                      formação humana e grande sentido de justiça, mandou reabrir a dita
                                                                        fonte. As águas foram dirigidas para umas instalações improvisadas
   Em 1829, quando se procedia a escavações junto do torreão Oci-       pela Marinha, que serviram durante alguns anos, até que em 1868
dental do Terreiro do Paço, as águas sulfurosas voltaram a surgir       a Misericórdia de Lisboa inaugurou um moderno balneário junto da
igualmente com grande caudal.                                           Igreja de S. Paulo e as ditas águas foram então para ali canalizadas.
                                                                          A Bica de D. Miguel tinha sido reproduzida em aguarela por um
   Os trabalhadores que nessa zona procediam à construção de alicer-    militar da Brigada Real da Marinha, um tal Alferes José Luís da Costa
ces, passaram a andar mergulhados em água por vezes até à cintura       e foi a partir desta pintura que se tornou possível reproduzir, com
e em pouco tempo, os que sofriam de úlceras nas suas pernas come-       grande fidelidade toda a estrutura.
çaram a sentir grandes melhoras. A notícia das propriedades curati-       Em 1984, desempenhava as funções de Chefe do Estado-Maior da
vas daquelas águas correu célere por toda a cidade e de toda a parte    Armada o Almirante Sousa Leitão oficial de grande sensibilidade e
acorreu gente a procurar aliviar os seus males com o uso dessa água.    interesse por questões de natureza cultural. Conhecedor da história
                                                                        da Bica, achou por bem que a mesma fosse reconstruída solicitando
   O distinto médico da Armada Bernardino António Gomes que fi-         para esses trabalhos o Escultor Soares Branco o qual se encarregou
cou na história como o pai da Dermatologia em Portugal, confirmou       de desenhar a lápide e as armas Reais que a encimavam.
as propriedades curativas das águas e a própria Rainha viúva D. Car-      Os trabalhos para a colocar foram realizados pelos elementos da
lota Joaquina que sofria nessa época de reumatismo gotoso, usando       Unidade de Apoio às Instalações Centrais de Marinha.
-as, rapidamente sentiu melhoras e desse facto deu notícia por carta      Devido ao interesse da Marinha na preservação do seu patrimó-
a sua filha Maria Isabel, a Rainha de Espanha.                          nio histórico, é hoje possível, ao passarmos junto da Bica restaurada,
                                                                        ao lado da casa da Balança, conhecermos a sua história e perceber-
   A partir daquele momento, a fama das propriedades curativas          mos não só a sua importância no passado, mas igualmente a razão
das Águas do Arsenal, como então ficaram conhecidas, foi imensa         do seu restauro no presente.
e o Rei D. Miguel, ao visitar o Arsenal em 16 de Agosto, por ocasião
do dia de S. Roque, foi convidado a ver o poço onde a população                                                                                     Rocha e Abreu
se abastecia das famosas águas. Verificando a precaridade das con-                                                                                             CMG
dições existentes, determinou que se construísse um chafariz que
permitisse aos doentes um mais franco e condigno acesso às águas.

   O Almirante Dantas Pereira, oficial ilustre e de grande proximidade
a D. Miguel, foi então encarregue de coordenar os trabalhos tendo
em vista a concretização da decisão de Sua Majestade e a obra fez-
-se segundo desenho do Construtor Naval Manuel Luís dos Santos.

16 ABRIL 2014
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