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REVISTA DA ARMADA | 484

guzerates, os tâmiles, os chins e os jaus ou ja-
vaneses representando todo o Arquipélago.
Todos os restantes povos ou nações faziam-
se representar por qualquer destes qua-
tro grupos, conforme as solidariedades ou
os interesses comuns. E na documentação
portuguesa os chineses ou chins são uma
comunidade como qualquer outra, reco-
nhecidamente rica mas entendida como
menos poderosa do que a guzerate que be-
neficiava de uma cumplicidade religiosa is-
lâmica. Dificilmente se percebe a dimensão
desses chins, para além das referências co-
merciais, e parece-me ser evidente que só
mais tarde os portugueses compreenderam
o que era o Celeste Império ou Império do
Meio, como eles próprios se chamavam.

As primeiras viagens à China                      Fortaleza de Malaca – António Boccarro.     estabelecimento de uma relação diplo-
  Como disse, em 1509, Diogo Lopes de                                                         mática com esse país, numa forma se-
                                                  bém português. Ocuparam o seu espaço        melhante a todas as que se estabelece-
Sequeira encontrou em Malaca vários na-           a bordo respeitando o regime de aluguer     ram no Oceano Índico, passando pelo en-
vios chineses e a armada de Albuquer-             de espaço próprio da navegação comer-       vio de uma embaixada que recolhesse a
que voltou a deparar-se com eles, em              cial da região, dando ideia de um entrosa-  vassalagem ao rei de Portugal. D. Manuel
1511, a quando da expedição conquista-            mento de acordo com os costumes orien-      pensou, certamente, em acrescentar na
dora. Na monção de 1512, não aparece-             tais do comércio marítimo, que não tem      sua intitulação de “senhor da conquista
ram, mas voltaram em 1513. Procederam             semelhança com as expedições habituais      navegação e comércio da Arábia, Pérsia e
de forma cautelosa, na incerteza do que           tuteladas pela coroa ou pelo governo da     Índia” os espaços de Malaca e China, to-
sucedera com a chegada dos portugue-              Índia. Aparentemente, iam explorar uma      mando o “filho Sol” como seu vassalo.
ses. Na cidade de nova administração,             via comercial e obter informações sobre
contudo, muitos tinham a convicção que            o mundo chinês, sobre o qual já se pres-      Termos que, naturalmente, nunca se-
aqueles comerciantes gostariam de man-            sentiam projectos e ambições que diver-     riam aceites pelo Império do Meio e que
ter o seu negócio e ele seria muito bom           giam bastante na forma, como veremos a      a força naval portuguesa nunca teria ca-
para os portugueses. João Viegas era um           seu tempo.                                  pacidade para impor, como se viu pouco
deles, que recomendou em 1512 que se                                                          tempo depois.
enviasse à China um navio com merca-                Em 1514, os portugueses de Malaca
dorias, estando convencido que, de se-            aguardavam ansiosamente pela chega-         Três expedições desastrosas
guida, eles voltariam com outros dez ou           da de Jorge Álvares que regressava do rio     O projecto de uma embaixada a en-
doze. Conhecia melhor do que qualquer             de Cantão com grandes proveitos para si
outro estes mercadores, porque era um             próprio e para todos os que nela investi-   viar ao imperador da China tem carta ré-
dos que ficara preso em 1509 e ali con-           ram. A experiência repetir-se-ia em 1515,   gia para isso e merece o apoio dos po-
vivera com a cidade comercial anterior à          agora com Rafael Perestrelo ao comando      deres oficiais de Malaca e da Índia, bem
conquista. E aparentemente deram-lhe              de três juncos, onde viajavam cerca de      como dos fidalgos mais chegados à coroa
ouvidos, porque foi adquirido um junco            trinta portugueses que, de igual forma,     e de algumas figuras como Tomé Pires,
em Martabão (Pegu) com esse objectivo,            seguiram junto com os navios chineses       que foi o embaixador nomeado. Associa-
não deixando de ser curioso que o inves-          que vinham a Malaca. O êxito comercial      do a esta ideia esteve, naturalmente, o
timento da carga foi partilhado em cerca          foi semelhante, ao ponto de entusiasmar     planeamento e a realização de expedi-
de 50% por Nina Chatu, o representante            as autoridades a encetar uma nova forma     ções oficiais com armadas relativamente
da comunidade Tâmil em Malaca. E a ex-            de relacionamento com a China. E é aqui     poderosas a seguirem a rota dos estreitos
pedição foi facilitada pelo facto dos jun-        que se levantam alguns problemas de en-     e o caminho do norte a partir de Malaca
cos chineses terem regressado em 1513,            tendimento da realidade política do Extre-
prestando-se a que o navio português se-          mo Oriente. As autoridades promoviam o
guisse com eles até ao rio de Cantão. Fez
a viagem guarnecido por uma tripulação
local, paga por Nina Chatu, e foi carrega-
do, sobretudo, com pimenta – que a China
consumia em quantidade muito superior
à Europa – e nele viajaram o feitor Jorge
Álvares, o seu filho e um escrivão, tam-

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