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REVISTA DA ARMADA | 484

O encontro
com os “chins”
NO SÉCULO XVI

PRIMEIROS CONTACTOS                           guerreiros ou fracos, se têm artilharia, se  condicionantes decorrentes do regime de
                                              são cristãos, gentios ou muçulmanos, que     monções, favoreciam-na como local para
Ahistoriografia portuguesa tradicional        terra é a sua e quem são os seus vizinhos.   onde todos levavam as suas mercadorias na
    encara o encontro dos portugueses                                                      época adequada para cada viagem de ida
e chineses, no princípio do século XVI,         O capitão foi, de facto, encontrá-los em   ou de regresso à sua terra. Ali se concen-
olhando sobretudo para a documentação         Malaca, em 1509, e desse encontro há um      travam quatro comunidades principais: os
nacional e construindo o seu discurso com     relato num documento anónimo, que os
uma coerência que encerra as explicações      descreve como sendo brancos (como os         Diogo Lopes de Sequeira – Galeria dos Vice-Reis.
no espaço restrito da História de Portugal.   portugueses), viajarem com as mulheres
De uma forma geral tem como ponto de          e filhos e comerem todo o tipo de carne,
partida a cronística clássica (Barros, Cas-   não sendo, portanto, muçulmanos. Mas
tanheda, Tomé Pires, etc.) e complemen-       nada se diz ainda sobre a China, nem so-
ta-a com as cartas e outras pequenas rela-    bre as viagens dos seus naturais.
ções escritas por testemunhos portugue-
ses que, necessariamente, têm uma limi-         Como é sabido, esta primeira empre-
tação difícil de superar: revelam apenas a    sa não teve o melhor desfecho, em face
experiência do contacto interpretada com      das naturais desconfianças do sultão lo-
os valores subjectivos do sujeito europeu,    cal, que tentou ludibriar os portugueses
faltando-lhe o (re)conhecimento do mun-       e acabou por aprisionar Rui de Araújo,
do complexo em que se inserem os seus         o feitor já nomeado, com todos os seus
interlocutores orientais. Com poucas ex-      companheiros. Todavia, os prisioneiros
cepções, todos os povos são colocados         não ficaram em regime fechado e o feitor
numa plataforma mais ou menos igualitá-       conseguiu fazer chegar informações pre-
ria na sua importância política, diferencia-  ciosas a Afonso de Albuquerque, dizen-
dos pelas qualidades que servem os ob-        do-lhe que os chineses vinham todos os
jectivos nacionais: uns são bons pilotos,     anos, com oito a dez juncos que chegam
outros comerciantes, guerreiros ou pací-      em Abril e partem em Maio, demorando
ficos, agressivos ou amigáveis, distinguin-   no seu caminho cerca de vinte dias.
do-se se eram ou não muçulmanos. Des-
ta documentação é difícil deduzir o poder       Em 1511, Albuquerque avançou com
de cada nação, sugerindo que todos são        uma esquadra poderosa para Malaca que
prováveis súbditos do rei de Portugal. E o    conseguiu conquistar entre os dias 8 e 10
caso mais absurdo da falta de qualifica-      de Agosto desse mesmo ano. E no porto,
ção exacta é o da China, não identifican-     quando ali chegou em Junho, ainda teve
do o seu incomparável poder, superior a       ocasião de se encontrar com os chineses
qualquer outro com que os portugueses         – já de partida para a sua terra, por causa
tenham contactado no Oriente, depois da       da monção – corroborando anteriores opi-
viagem de Vasco da Gama.                      niões de que eram gente amistosa e alegre,
                                              que apoiava a operação de conquista. De
  Os chineses ou chins – como foram de-       resto, os documentos coevos concordam
signados na época – são um dos povos          em que o governador da Índia terá tratado
contactados em Malaca, quando D. Ma-          especialmente bem aqueles mercadores,
nuel decide lá mandar uma esquadra, em        precisamente pela forma afável como eles
1508. No regimento que dá ao seu capi-        se relacionaram com a lusa gente.
tão, Diogo Lopes de Sequeira, recomenda-
-lhe que pergunte “pollos chiins e de que       São claras as razões porque os portu-
parte veem e de quão longe e de quanto        gueses avançaram para esta conquista,
em quanto vem a Mallaca”, querendo ain-       prendendo-se com a importância comer-
da saber se são mercadores ricos, se são      cial do porto, localizado no estreito do
                                              mesmo nome, e funcionando como entre-
                                              posto de redistribuição entre as múltiplas
                                              rotas marítimas do Extremo Oriente. As

                                                                                           ABRIL 2014 17
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