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REVISTA DA ARMADA | 501

RELEMBRAR A OPERAÇÃO

“MAR VERDE”

parte 1

Em setembro de 2014 faleceu o Comandante Alpoím Calvão,             Por outro lado, mesmo que o golpe de Estado não fosse bem
    que idealizou, planeou e comandou a realização da operação      sucedido, um ataque à Guiné-Conacri poderia implicar a ne-
“Mar Verde” em 1970 na Guiné Conacri, durante a Guerra de           cessidade do PAIGC colaborar na defesa deste país, deslocando
África 1961-1974. Oficialmente negada pelo Estado Português,        efetivos em direção a Conacri, aliviando, desta forma, a pressão
esta operação já foi alvo de vários livros e reportagens televisi-  e os ataques às forças nacionais no sul da Guiné portuguesa.
vas. O próprio Alpoím Calvão a contou na primeira pessoa di-
versas vezes, uma das quais tive o prazer de assistir durante a       Os objetivos operacionais consistiam na degradação das ca-
realização do Curso Geral Naval de Guerra.                          pacidades militares do PAIGC e na recuperação e repatriamen-
                                                                    to de prisioneiros de guerra portugueses, 26 militares, um dos
   A operação “Mar Verde” terá sido a última operação militar       quais era desertor das fileiras nacionais, cativos em instalações
realizada por Portugal cujo desfecho poderia ter mudado o cur-      do PAIGC em Conacri. A materialização destes objetivos passa-
so da História. Nunca saberemos o que teria acontecido se os        ria pela destruição das instalações do PAIGC em Conacri, usadas
objetivos estratégicos desta ação tivessem sido atingidos, e as     como Estado-Maior e centro de formação de combatentes e de
opiniões são várias e muitas vezes antagónicas. A reconstituição    dirigentes políticos, pela destruição das vedetas torpedeiras
desta operação foi realizada com base em três referências pu-       do PAIGC e da Guiné Conacri, que poderiam ameaçar o total
blicadas, os relatórios sobre a operação “Mar Verde” existentes     domínio do mar que Portugal detinha na altura, e finalmente
no Arquivo Histórico da Marinha e uma entrevista ao CMG FZE         pela libertação dos prisioneiros portugueses. Os objetivos tá-
Raúl Cunha e Silva, realizada em dezembro de 2012.                  ticos consistiam no estabelecimento do controlo do espaço
                                                                    marítimo, do espaço aéreo e do espaço terrestre, e no ataque,
OS OBJETIVOS                                                        na destruição e na desativação de diversos meios, sistemas e
                                                                    estruturas militares e civis em Conacri, de forma a conseguir
   Em 1970 foi realizado, pelas Forças Armadas, um ataque an-       concretizar os objetivos estratégicos e operacionais anterior-
fíbio a Conacri, a capital da República da Guiné. Como referi-      mente indicados.
do, esta operação foi idealizada, planeada e comandada pelo
Capitão-tenente Alpoim Calvão. Os objetivos pretendidos com           Por razões de política internacional, um dos pressupostos da
este ataque podem enquadrar-se em três âmbitos distintos: es-       realização desta operação era que não poderia ser imputada a
tratégicos, operacionais e táticos. O objetivo estratégico desta    Portugal a responsabilidade da sua autoria, principalmente se
operação era desarticular e fragilizar política e militarmente      os seus objetivos estratégicos não fossem concretizados. Assim,
o movimento independentista da Guiné Portuguesa e Cabo-             foi adquirido armamento de fabrico estrangeiro, produzido far-
-Verde, Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo       damento incaracterístico para equipar a força invasora, e des-
Verde (PAIGC), atacando a cúpula do poder rebelde, ao pon-          caracterizados os meios navais envolvidos. Uma vez que se pre-
to de ganhar uma superioridade moral e militar que ditasse o        tendia materializar um golpe de Estado, foram contactados lí-
fim da guerra da independência na Guiné, a favor de Portugal        deres guineenses exilados, opositores ao regime do presidente
e no curto prazo. Em termos práticos seria necessário capturar      Sekou Touré, para encabeçar o processo político de deposição
Amílcar Cabral, líder do PAIGC, e mudar o regime político da        e arregimentar potenciais combatentes para dar corpo à força
Guiné-Conacri, que apoiava a todos os níveis os independentis-      invasora que seria mista de combatentes nacionais e guineen-
tas, através da captura ou eliminação de Sekou Touré, o Presi-      ses exilados. Este processo de mobilização de força guineense
dente do país, e da realização de um golpe de Estado por forças     implicou diversas ações de resgate de indivíduos no Senegal, na
opositoras ao regime vigente, que fossem favoráveis a Portugal.     Zâmbia, na Serra Leoa, na Libéria e na Costa do Marfim, princi-
                                                                    palmente por via marítima, que anuíram em dar corpo a uma

14 NOVEMBRO 2015
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