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REVISTA DA ARMADA | 503
gio ou sequer a migração. É pois claro que estas questões carecem Um plano de 10 pontos sobre a migração adotada pela UE em
de um tratamento cuidadoso, diferenciador e eficaz sob pena de, ao abril 2015 inclui pedidos aos Estados-membros para um esfor-
contrário, se criarem condições potencialmente inseguras. ço sistemático e coletivo no sentido de capturar e destruir navios
utilizados pelos traficantes de seres humanos. No entanto, muitos
Em 2012, 51% dos migrantes que entraram ilegalmente na UE, defendem que esta opção não lida com as causas de raiz destas
fizeram-no através da Grécia. Esta tendência mudou em 2013 de- migrações: a pobreza e os conflitos em grandes áreas do Médio
pois das autoridades gregas terem reforçado o controlo das suas Oriente, de África e do Sul da Ásia, que obrigam muitas pessoas
fronteiras no âmbito da operação Aspida (“Escudo” em português), sem recursos a fugirem em busca de segurança, bem-estar e uma
que incluiu a construção de uma cerca de arame farpado na frontei- vida melhor.
ra greco-turca. Mas, em julho de 2015, a Grécia voltou a ser o ponto
de entrada preferencial, com a FRONTEX2 relatando mais de 132 mil Em maio do ano passado, Federica Mogherini3 solicitou autoriza-
passagens ilegais, 5 vezes o número detetado no período homólogo ção ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para o uso da for-
do ano transato. Sírios e afegãos constituíram, nos primeiros 7 me- ça militar contra os traficantes de seres humanos e os seus navios
ses de 2015, a maior parte dos migrantes que viajaram da Turquia ao largo da costa da Líbia. O governo de unidade nacional da Líbia,
para a Grécia, principalmente para as ilhas gregas de Kos, Chios, internacionalmente reconhecido, prontamente rejeitou a proposta,
Lesbos e Samos. Este aumento migratório mais recente coincidiu e a Rússia, membro permanente do Conselho de Segurança, tam-
com a crise económica do país, a qual acabou por derrubar o seu bém sinalizou que iria vetar qualquer proposta que visasse destruir
sistema bancário e o próprio Governo. os barcos dos traficantes.
A travessia do Mediterrâneo central para passar da Líbia para a A resposta política dos países, empurrando os migrantes para
Itália tem sido a rota mais traficada para os migrantes e, em 2014, fora ou imobilizando-os por longos períodos, é contra os próprios
a agência FRONTEX já havia relatado um número superior a 170 valores que a UE promove na proteção da vida humana. Fazer a
mil passagens ilegais através das fronteiras italianas. Em outubro de sua absorção apressada nos tecidos sociais, sem um rastreio mais
2014, a operação Mare Nostrum, da iniciativa do governo italiano, rigoroso, também não parece ser prudente. Planos de quotas, ope-
creditada por ter salvado mais de 100 mil migrantes, foi substituí- rações navais e bloqueios fronteiriços podem ajudar os Estados-
da pela Triton da FRONTEX, operação de controlo de fronteiras de -membros a gerir melhor esta crise, mas estas medidas por si só
menor escala e com um terço do orçamento operacional do Mare não vão conter a crise migratória, nem os potenciais fatores de in-
Nostrum. Em abril de 2015, os líderes da UE triplicaram o orçamen- segurança que isso acarreta.
to para a patrulha de fronteiras no âmbito da Triton, cifrando-se
nos 9 milhões de euros por mês, mas recusaram-se a alargar o seu Pelo contrário, talvez seja antes necessário que os líderes euro-
âmbito para incluir as operações de busca e salvamento. Enquanto peus enfrentem de vez as profundas causas da migração, mediando
o número de travessias ilegais para a Itália no primeiro semestre um fim à guerra civil na Síria, restaurando a estabilidade na Líbia e
de 2015 se manteve elevado, num total que ultrapassou as 90 mil, incrementando a ajuda à África subsariana. Poderá ser necessário,
o número crescente de mortes e a deterioração da segurança na ainda, aumentar o investimento para fixar as populações nos seus
Líbia, têm obrigado muitos migrantes a procurarem caminhos alter- países de origem e talvez até voltar a implementar um controlo
nativos para a Europa, através da Grécia e dos Balcãs. mais apertado das fronteiras no espaço europeu. Um controlo que
permita a inclusão segura, diferenciadora, ordeira, integradora e
O número crescente de sírios e afegãos que viajam da Turquia justa, também na justa medida das capacidades de cada estado.
e da Grécia pela Macedónia e pela Sérvia com destino à Hungria Uma inclusão, sujeita a um rigoroso rastreio que permita um conví-
tornaram este estado membro da UE na mais recente linha da vio pacífico capitalizando as oportunidades e potencial estratégico
frente da crise migratória na Europa. De janeiro a julho de 2015, que possam resultar nos mais diversos domínios científico, cultural
a FRONTEX registou mais de 100 mil travessias ilegais para a Hun- e empresarial, público ou privado.
gria e esta situação levou o primeiro-ministro Viktor Orban a orde-
nar o levantamento de uma cerca de arame farpado na fronteira Uma equação difícil de resolver sem dúvida, com muitas incógni-
com a Sérvia. Em abril de 2015, uma pesquisa de opinião pública tas e repleta de inúmeras dimensões. Independentemente dos obs-
constatou que 46% dos húngaros inquiridos não admite a entrada táculos, o certo é que quem vier por bem, será bem recebido em es-
de qualquer requerente de asilo e, no passado mês de setembro, crupuloso respeito pelos valores civilizacionais do mundo ocidental
migrantes desviados e impedidos de embarcar nos comboios com que conhecemos, defendemos e que tanto custaram a conquistar.
destinos a oeste, transformaram a estação de Keleti em Budapeste Independentemente das circunstâncias, em casa de outrem,o anfi-
num autêntico campo de refugiados improvisado. trião é o senhor do lar onde ninguém deve ditar as regras. Um lar
que, por si só, já tem muitos outros problemas e onde a problemá-
Nesse mesmo mês, os ministros da UE de 23 Estados-membros, tica das migrações irregulares é um exercício moral, legal, de bom
incluindo Portugal, concordaram no realojamento de 120 mil mi- senso e de sobriedade muito complexo para a Europa.
grantes – uma pequena parcela das pessoas que procuram asilo
na Europa. A Grécia e a Itália não são obrigados a realojar mais mi- Amaral Mota
grantes e a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido estão isentos das CMG
políticas de asilo da UE, ao abrigo das disposições estabelecidas no
Tratado de Lisboa em 2009. Este plano que foi aprovado, apesar das Nota: Os dados mencionados neste artigo são referidos à pesquisa efetuada
objeções da República Checa, da Hungria, da Roménia e da Eslová-
quia, baseia-se num sistema de quotas e no princípio da voluntarie- em fontes abertas em outubro de 2015.
dade. Alguns críticos argumentam, contudo, que esta medida anula
efetivamente as quotas da livre circulação de pessoas e bens à luz Notas
de Schengen para os nacionais da UE que desejam reinstalar-se fora
do seu país de origem. 1 OIM – Organização intergovernamental dedicada à problemática das migrações.
2 FRONTEX (Frontier Exterior) – Agência Europeia de Gestão da Cooperação
Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados-Membros da União Europeia.
3 Alta Representante da EU para Política Externa e Segurança.
JANEIRO 2016 15